Algodão-doce
Por
Paulo Polzonoff Jr.
Como alguém é capaz de matar outra pessoa por política? E por que alguém chega aos 50 anos idolatrando um político?| Foto: Reprodução/ Twitter
- No domingo, a coincidência algo macabra. Leio o comentário de alguém dizendo algo como “o país só vai melhorar depois que a esquerdalha for exterminada”. Quase vomito, mas contenho o nojo e me viro para minha mulher para falar algo a respeito desse ímpeto de acabar com tudo o que nos contraria. Ela escuta pacientemente minha digressão e, sem falar nada, me mostra o celular. É quando fico sabendo da morte do tesoureiro do PT durante sua própria festa de aniversário.
- A princípio, as informações são poucas e confusas. O que não impede que a multidão chegue a conclusões apressadas e categoricíssimas. Um sem-número de políticos e celebridades de portes variados repudiaram imediatamente o crime, pondo a culpa no bode expiatório preferido deles, Jair Bolsonaro. Leio que o PT está sob ataque.
- Não estou entendendo nada. Mesmo vivendo no caótico Brasil do século XXI, a ideia de alguém entrar aleatoriamente numa festa e atirar contra as pessoas só porque o tema da festa é Lula me parece fantástica demais. Tragicamente fantástica. Mas aí lembro que sou cronista e que preciso reagir rápido aos acontecimentos. E se for um crime comum do qual a esquerda está se apropriando? E se for mesmo um crime político? Quais as consequências disso? Socorro!
- As dúvidas se acumulam. Será que o fato de Lula ter exaltado um militante que jogou um senhor contra o para-choque de um caminhão tem alguma coisa a ver com isso? Ou será que o bater de asas de uma borboleta na China é que provocou os disparos em Foz do Iguaçu? Será que o petecídio, isto é, o assassinato de um militante do PT, se tornará agravante em nosso Código Penal? Será? Será? Será?
- Sempre que alguém morre por política, seja em grandes protestos, atentados ou discussões como essa de Foz do Iguaçu, fico imaginando como é o acerto de contas do falecido ao chegar ao Céu. E não, não estou de zombaria. Imagino mesmo como a pessoa explica à própria alma ou a São Pedro que deixou este mundo porque acreditava que o comunismo era superior ao capitalismo ou que o líder A era melhor do que o líder B. Deve ser no mínimo constrangedor.
- Nesses casos, também imagino sempre quais teriam sido as últimas reflexões da pessoa. Embora muitos não tenham tempo para todas as reflexões que deixaram de fazer em vida.
- O cinismo é uma desgraça à qual, infelizmente, não estou imune. Quando dou por mim, me pego escrevendo sobre a festa que teria motivado o assassinato. O aniversariante usando uma camiseta com a cara feia do Lula. O cartaz também com a foto de Lula e os dizeres “pro Brasil voltar a sorrir”. Lula na mesa. Uns docinhos em forma de coração vermelho. Não era minha intenção ridicularizar a vítima. Só não consigo entender como alguém pode chegar aos 50 anos idolatrando um político a esse ponto.
- Meu editor tem mais juízo do que eu e me pede para guardar o texto na gaveta por 24 horas, relê-lo e só então decidir ou não pela publicação. Mas preciso de apenas mais uma releitura para perceber que ele tem razão (algo raro).
- Tenho umas considerações a fazer sobre as manifestações de idolatria a Bolsonaro e sobre o comentário do “exterminador de esquerdistas” mencionado lá no primeiro item deste texto. Mas, só por hoje, não vou desenvolver essas ressalvas.
- O velho e bom Fernando Pessoa falava da sensação agradável de não entender algumas coisas. Uma sensação típica da infância. Quem nunca ficou fascinado diante de uma máquina de algodão-doce pensando “como é possível?!”. Tal qual a criança que fui, procuro manter a ignorância em alguns assuntos. Para não perder o fascínio. Ah, infeliz é aquele que entende tudo – ou acha que entende. A vida é um mistério e o que leva pessoas a matarem ou morrerem por política é algo que está além da minha capacidade de compreensão. E, no que depender de mim, continuará assim.
- Também não entendo como as nuvens carregadas pairam nos céus de tempestade. E não há explicação sobre correntes ascendentes capaz de me esclarecer esse fenômeno. Me deixa.
- Por mais que os petistas me irritem e me ofendam e até façam ameaças veladas contra mim, e por mais que a esquerda tenha um tenebroso histórico de violência no varejo e no atacado, esses aspectos violentos da política ainda são como o algodão-doce e as nuvens que, pesadonas de chuva, desafiam a lógica da gravidade.
- Tampouco entendo o que leva alguém a fazer uma festa de aniversário com tema político. Suponho, sem buscar quaisquer teorias para comprovar minha hipótese à toa, que tenha a ver com vazio espiritual e com a falência do imaginário de que tanto fala meu amigo Francisco Escorsim. Mas é uma realidade tão distante da minha que, sinceramente, prefiro continuar na minha saudável ignorância.
- Como este texto ficou com 13 itens, o que talvez desse margem a interpretações esdrúxulas, criei mais este item que me permite desabafar: não gosto do número 14. Nunca gostei. Se você parar para pensar, o 14 é um desses números absolutamente inócuos, sem mensagens ocultas ou grandes simbolismos esotéricos. E, no entanto, é indispensável ali entre o 13 e o 15. Sem o 14, o mundo seria um caos maior do que é.
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