Thomas Friedman
Foto: Olga Maltseva/AFP
Por Thomas Friedman* – Jornal Estadão
Duração do conflito exaure exércitos e aliados e risco de se estender até o inverno europeu piora crises atuais
THE NEW YORK TIMES – Quando tentam explicar os recentes avanços das operações do Exército russo na Ucrânia, algumas autoridades ucranianas se acostumaram a dizer: “Todos os russos burros já morreram”. Trata-se de um elogio ambíguo, querendo dizer que os russos finalmente encontraram uma maneira mais eficaz de combater esta guerra, já que seu incompetente desempenho anterior matou milhares deles.
Precisamente em razão da guerra na Ucrânia parecer ter se estagnado numa arrastada guerra de desgaste — com os russos ficando principalmente na retaguarda e simplesmente bombardeando e disparando fogo de artilharia contra as cidades do leste ucraniano, arruinando-as para depois avançar — você poderia pensar que a pior fase deste conflito acabou.
Você estaria equivocado.
Acredito que a guerra na Ucrânia está prestes a entrar em uma nova fase, com base no seguinte fato: Muitos soldados e generais russos podem ter morrido, mas os resolutos aliados da Otan estão cansados. Esta guerra já contribuiu para um enorme aumento nos preços do gás natural, da gasolina e dos alimentos na Europa — e se o conflito continuar ao longo do inverno, muitas famílias nos países da União Europeia poderão ter de escolher entre comer ou se aquecer.
Como resultado, acredito que a nova fase da guerra será o embate entre o que qualifico como a “estratégia de inverno” de Vladimir Putin e a “estratégia de verão” da Otan.
É óbvio que Putin está disposto a continuar abrindo caminho com fogo na Ucrânia, na esperança de que a elevada inflação sobre os preços da energia e dos alimentos na Europa eventualmente frature a aliança atlântica. Suas escolhas parecem ser: Se as temperaturas ficarem mais baixas que o normal na Europa; e se a oferta global de petróleo e gás ficar mais baixa que o normal; e se os preços-médios globais ficarem mais altos que o normal; e se apagões de eletricidade decorrentes da escassez de energia se tornarem algo generalizado; haverá uma boa chance de os membros europeus da Otan começarem a pressionar o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, a perseguir um acordo com a Rússia — qualquer acordo — para o fim dos combates.
Então, Putin deve certamente estar dizendo aos seus soldados e generais exaustos: “Aguentem até o Natal. O inverno é nosso amigo”. Não é uma estratégia tresloucada. Conforme Jim Tankersley, do Times, noticiou semana passada: “Autoridades da Casa Branca temem que uma a nova rodada de penalidades europeias destinadas a diminuir o fluxo de petróleo russo até o fim do ano poderia fazer os preços aumentarem novamente, castigando mais consumidores que já sofrem e mergulhando os Estados Unidos e outras economias numa severa recessão. Esta sucessão de eventos poderia exacerbar a grave crise alimentar que já assola países de todo o mundo”.
Os esforços da Otan e da UE para diminuir as exportações de petróleo russo para a Europa, seguiu a reportagem, “poderiam fazer os preços do barril do petróleo saltarem para US$ 200 ou mais, o que se traduziria em americanos pagando US$ 7 pelo galão de gasolina”. Gasolina vendida a US$ 9 ou US$ 10 por galão já não é algo incomum na Europa, onde os preços do gás natural aumentaram “cerca de 700%”, segundo noticiou a Bloomberg, “desde o início do ano passado, empurrando o continente para a beira da recessão”.
Enquanto isso, autoridades da Otan, dos EUA e da Ucrânia estão certamente dizendo a si mesmas: “Sim, o inverno é nosso inimigo. Mas o verão e o outono podem ser nossos amigos — SE formos capazes de infligir um castigo verdadeiro no cansado Exército de Putin neste momento, então no mínimo ele aceitará um cessar-fogo”.
Essa estratégia também não é nada tresloucada. Putin pode estar alcançando alguns avanços no leste da Ucrânia, mas sob um preço extremamente elevado. Numerosas análises militares sugerem que a Rússia sofreu no mínimo 15 mil baixas de militares em menos de cinco meses — um número de mortes estarrecedor — e provavelmente outros 30 mil soldados russos ficaram feridos. Mais de mil tanques e peças de artilharia da Rússia foram destruídos.
Autoridades americanas me dizem que Putin não possui nem de perto neste momento soldados suficientes para romper as defesas no leste ucraniano e tomar o porto de Odessa, para conseguir furtar a Ucrânia de seu acesso ao mar e estrangular sua economia.
Conforme Neil MacFarquhar, do Times, noticiou no fim de semana, Putin precisa desesperadamente de mais forças simplesmente para manter seu impulso recente no leste e já “manobra secretamente” para conseguir colocar mais soldados no front “sem apelar para uma conscrição nacional politicamente arriscada. Para compensar a escassez de soldados no front, o Kremlin está se valendo de uma combinação entre minorias étnicas empobrecidas, ucranianos dos territórios separatistas, mercenários e unidades militarizadas da Guarda Nacional”, além de prometer grandes incentivos em dinheiro para voluntários.
Putin está relutante em convocar mais soldados porque isso revelaria que a ação que ele classificou para o seu povo como uma mera “operação militar especial” na Ucrânia não é apenas algo muito maior, mas também algo muito pior.
Nada indica que Putin esteja disposto a buscar um acordo de paz definitivo, mas poderá ser impossível forçá-lo a um cessar-fogo desse tipo
A Otan claramente espera que o Exército ucraniano possa usar os novos Sistemas de Artilharia com Foguetes de Alta Mobilidade (HIMARS) M142 que os EUA transferiram para Kiev para infligir uma quantidade significativamente maior de mortes e destruição sobre as forças russas na Ucrânia durante o verão e o outono. Desta forma, os avanços de Putin poderão não apenas estagnar, mas até mesmo perder terreno, e o presidente russo poderá se sentir compelido a concordar com um cessar-fogo, uma grande troca de prisioneiros, retiradas humanitárias e melhores condições para as exportações de alimentos da Ucrânia — tudo isso ajudaria a fazer baixar a inflação e, com sorte, reduziria a pressão dos aliados europeus da Ucrânia para Kiev simplesmente estabelecer qualquer tipo de acordo com Putin.
Nada indica que Putin esteja disposto a buscar um acordo de paz definitivo, mas poderá ser impossível forçá-lo a um cessar-fogo desse tipo — o que causaria alívio nos mercados de energia e alimentos.
Por todas essas razões, eu argumentaria que a guerra na Ucrânia está prestes a entrar em sua fase mais perigosa desde a invasão russa, em fevereiro: A estratégia de inverno de Putin encarará a estratégia de verão da Otan.
Não surpreende que uma vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, tenha insistido a moradores dos territórios ocupados pela Rússia no sul da Ucrânia que deixem o local rapidamente para que os russos não possam usá-los como escudo humano durante a esperada contraofensiva ucraniana. “Vocês precisam encontrar alguma maneira de sair daí, porque nossas Forças Armadas estão chegando para a desocupação”, afirmou ela. “Haverá uma luta imensa.”
Lastimavelmente, não há como prever o que Putin poderá fazer se suas forças ficarem estagnadas outra vez ou perderem terreno. Isso poderia torná-lo mais aberto ao cessar-fogo. Poderiam também forçá-lo a empreender uma mobilização nacional para levar mais soldados para o campo de batalha.
Só estou certo de uma coisa: Esta guerra não Ucrânia não vai acabar — realmente acabar — enquanto Putin estiver no poder em Moscou. Isso não é um chamado por sua derrubada. Cabe aos russos decidir isso. É simplesmente a observação de que esta guerra sempre foi a guerra de Putin. Ele a concebeu pessoalmente, planejou, comandou e justificou a ação. É impossível para ele imaginar que a Rússia sem a Ucrânia é verdadeiramente uma grande potência. Então, ainda que possa ser impossível obrigar Putin ao cessar-fogo, duvido que isso seja mais do que passageiro.
Em suma: Esta guerra na Ucrânia está tão longe de acabar que nem consigo imaginar como ela vai acabar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*É COLUNISTA E GANHADOR DE TRÊS PRÊMIOS PULITZER