Lei de Diretrizes Orçamentárias
Por
Rodolfo Costa
Brasília
Votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) chegou a emperrar no Congresso por causa da obrigatoriedade da execução das emendas de relator: após pressão política, impositividade foi retirada da redação final| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
A impositividade da execução das emendas de relator foi retirada do texto-base do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 sob o argumento de que a legislação ainda carece de uma regulamentação específica, mas esse é apenas um pretexto para a forte oposição política que sofreu a pauta nos bastidores.
A exclusão da obrigatoriedade de execução das tecnicamente chamadas emendas do identificador de resultado primário nº 9, as RP9, surgiu de uma pressão política encampada por PSDB, Podemos, Novo e PT contra uma articulação patrocinada pelo Centrão, especialmente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O grupo político que apoia o governo federal e a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) apoiou a impositividade das emendas de relator ainda em junho, bem como sua inclusão no parecer do relator da LDO, o senador Marcos do Val (Podemos-ES). Lira defendeu nos bastidores que as emendas seriam uma forma de “aperfeiçoamento” do Orçamento. Já interlocutores dizem que seria uma forma de engessar a execução orçamentária em caso de vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições.
A hipótese de execução obrigatória das RP9 provocaria, na prática, maior concentração de poder nas mãos do Congresso. Hoje, Lira dá as cartas e articula a liberação das emendas em acordo com o relator do Orçamento e com o ministro-chefe da Casa Civil. Em um cenário de impositividade, quer Bolsonaro seja reeleito ou Lula vença as eleições, o Parlamento concentraria ainda mais poderes. Por meio de emendas, o Congresso já tem, hoje, o controle de cerca de 24% de todo o valor para gastos não obrigatórios e investimentos
Em virtude da possibilidade de hipertrofia de poderes do Congresso e de Lula ganhar as eleições e ter sua gestão diretamente impactada, o PT foi um dos que mais batalhou para evitar a execução obrigatória das emendas de relator. “A oposição inteira se colocou a favor da derrubada da impositividade”, afirma reservadamente um senador.
O movimento dos opositores ao governo foi acompanhado pelo PSDB, Podemos e Novo, que deram sinais de que apresentariam um destaque para suprimir a redação na LDO caso o próprio relator não excluísse do texto final. O líder tucano no Senado, Izalci Lucas (DF), disse ao site O Antagonista que a vontade do Centrão era “manter a impositividade”. Com receio de uma derrota na votação do destaque que pediria a retirada da obrigatoriedade, o grupo político recuou e chegou a um acordo pela exclusão do trecho após reunião de líderes nesta manhã.
“Sincericídio” do relator e pressão de Pacheco derrubam impositividade
Além da pressão dos partidos políticos, senadores e deputados entendem que o próprio relator da LDO, senador Marcos do Val, elevou a pressão política contra a inclusão da execução obrigatória das emendas de relator no texto final ao afirmar em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que recebeu R$ 50 milhões em emendas do chamado orçamento secreto por ter apoiado a campanha de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à Presidência do Senado, em fevereiro de 2021.
Segundo o senador, o próprio Pacheco teria dito a ele que líderes partidários, de bancada e outros senadores que apoiassem sua eleição receberiam os recursos das emendas de relator para a destinação às suas bases políticas. Aliado de Bolsonaro, Marcos do Val afirma que sua “parte” seria de “R$ 10, R$ 15, R$ 20 [milhões]” com “base [no apoio]” à eleição do senador.
A negociação se deu nos bastidores entre Pacheco e o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que teve o apoio do governo federal e do então ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, para negociar a destinação de verbas das emendas de relator entre os senadores. Até mesmo senadores da oposição chegaram a acordos como os relatados por Marcos do Val.
A admissão do relator com detalhes da negociação sobre as RP9 irritou Pacheco, que, segundo afirmam reservadamente senadores, se irritou com a repercussão negativa e também atuou junto a líderes partidários para excluir a impositividade das emendas de relator da redação final votada na sessão do Congresso desta terça.
Pacheco divergiu de Lira e se posicionou contrário nos bastidores sobre a obrigatoriedade dos repasses das RP9 ainda em junho, quando o assunto começou a tomar corpo nos bastidores. Para o presidente do Senado, o Congresso deveria se debruçar primeiro sobre medidas que garantam a transparência dos recursos.
Outros senadores mais críticos a Pacheco entendem, porém, que o presidente da Casa foi, no mínimo, conivente com a discussão da impositividade das emendas de relator e pouco atuou para barrá-las na LDO. Nos corredores do Senado, parlamentares acreditam que o “sincericídio” de Marcos do Val teve um peso mais determinante do que os movimentos mais recentes de Pacheco e seu entorno político.
A entrevista concedida pelo relator da LDO deu embasamento à notícia-crime protocolada pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra Pacheco e Alcolumbre por suposta corrupção ativa, e Marcos do Val por suspeita de corrupção passiva. O parlamentar, apontado como um dos mais atuantes nos bastidores para evitar a impositividade das RP9, também protocolou uma representação contra os três senadores no Conselho de Ética.
O senador Lasier Martins (Podemos-RS), líder do bloco parlamentar Juntos pelo Brasil, que congrega o Podemos e o PSDB, entende que a entrevista de Marcos do Val foi determinante para a pressão política que provocou a retirada do trecho sobre a impositividade.
“Isso despertou todo mundo e causou a revolta a um número grande de parlamentares, principalmente senadores do Podemos, que fizeram questão de, imediatamente, desmentir que todos nós havíamos recebido recursos, o que não é verdade. Fez com que o Marcos, tentando se corrigir, tivesse a iniciativa de retirar”, analisa.
Podemos alerta para impositividade velada às emendas de relator na LDO
Lasier Martins alerta, contudo, que a exclusão da obrigatoriedade de execução das emendas de relator se dá apenas de maneira velada na redação da LDO aprovada pelo Congresso. À exceção de Marcos do Val, a bancada do Podemos pondera que a proposta mantém imposições indiretas para o pagamento das RP9.
Na prática, o relator da LDO excluiu o artigo 81-A, que previa a “obrigatoriedade de execução das programações incluídas ou acrescidas” às RP9. Porém, foi mantido o artigo 13, que obriga o governo federal a fazer uma reserva de recursos dentro do Orçamento para o custeio das emendas de relator, que podem chegar a R$ 19 bilhões em 2023.
“Eu entendo que, quando se obriga o governo por lei a colocar algo no orçamento, está obrigando a pagar aquilo”, critica o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), vice-líder do partido. Em 2021, ele foi o relator de receitas do projeto Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2022. “Me questiono se a impositividade, de fato, foi tirada, uma vez que deverá estar na PLOA de 2023 e na Lei Orçamentária Anual uma previsão de R$ 19 bilhões para poder pagar essas emendas de relator”, complementa.
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Outro dispositivo criticado por Guimarães é o artigo 71, que dispensa a licença ambiental para projetos financiados com as RP 9. “O artigo diz que a ausência da licença ambiental não impede que o dinheiro seja destinado à construção de uma ponte, por exemplo. É um desrespeito que atropela a legislação ambiental, é seríssimo”, critica.
O senador pondera que deveriam haver regras claras para a distribuição das RP9. Mesmo regulamentadas no ano passado, elas ainda carecem de transparência. “É um desrespeito à sociedade, como que distribui dinheiro sem critério claro? Todo e qualquer dinheiro público você distribui com critério. Tudo isso é muito bem regulado, o orçamento secreto não”, destaca.
O senador Lasier Martins tem entendimento alinhado a respeito das emendas de relator. “Nós, do Podemos, somos contra o orçamento escandaloso, o orçamento secreto. Nós nos damos por muito satisfeitos com as emendas individual e de bancada, e entendemos que a RP9 é uma emenda para comprar votos. É imoral, é discriminatória, é seletiva, só alguns ganham e levam verbas para paróquias regionais e deixam faltando recursos para obras de infraestrutura no país”, argumenta.
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Mesmo “derrotado” sem a impositividade das emendas de relator, Arthur Lira e o Centrão não saem politicamente enfraquecidos. Afinal, o presidente da Câmara e seu entorno político ainda poderão barganhar o apoio a pautas do governo federal ao empenho de até R$ 19 bilhões em emendas de relator em 2023 com Bolsonaro, caso seja reeleito, ou Lula.
Inclusive, deputados do Centrão e da base mais “raiz” de Boslonaro admitem que Lira tem a intenção de negociar a liberação de emendas de relator após as eleições deste ano, quando a legislação eleitoral voltar a permitir o repasse de transferências de recursos para estados e municípios. Aliados admitem à Gazeta do Povo que seria uma forma de assegurar sua reeleição à presidência da Câmara em 2023.
O senador Oriovisto Guimarães prevê dois grandes efeitos com a não-impositividade das emendas de relator. “Um deles é a continuação descarada do ‘toma lá da cá'”, desabafa. O outro impacto é a hipertrofia dos poderes de Lira e Pacheco para negociar a liberação de recursos. O vice-líder do Podemos destaca que a LDO foi aprovada com a redação do artigo 77-A, que divide a assinatura das RP9 entre o relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB), e o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado federal Celso Sabino (União Brasil-PA).
“Antes, ficava tudo na mão do relator. Agora, vai ficar nas mãos do relator e também do presidente da CMO, um deputado que foi colocado pelo Arthur Lira. A liberação dos recursos vai precisar da assinatura dos dois. Qual é a leitura que se faz? Que parte do controle disso vai estar na mão do Arthur Lira e parte disso vai estar nas mãos do Rodrigo Pacheco, um do Senado e um da Câmara”, diz Guimarães.
Dentro desse contexto, o senador do Podemos prevê que tanto Pacheco quanto Lira poderão tirar proveito político para suas candidaturas à reeleição em 2023. “Ganhe quem ganhar, vamos ter nova eleição para presidente do Senado e da Câmara. Perceba como os dois estão com poder para definir verbas e como isso pode ajudar o Lira, por exemplo, que vai querer a reeleição”, analisa o senador paranaense.
O que o relator da LDO diz sobre as críticas às emendas de relator
O relator da LDO, senador Marcos do Val, rebateu as críticas da bancada do Podemos aos trechos questionados aprovados na redação final. Sobre o artigo 13, ele disse na sessão de segunda-feira (11) que o dispositivo não tem “nada a ver com a impositividade”, mas, sim, com a execução.
O senador também disse que o artigo 77-A foi feito exatamente para assegurar a “desconcentração do poder” do relator do Orçamento. “O relator não é mais o único a indicar, e isso aumentou ainda mais. Isso passou a ser mais um instrumento de controle dentre vários outros que nós colocamos no relatório como medidas de transparência”, diz.
O presidente da Comissão de Mista de Orçamento, deputado Celso Sabino, parabenizou a redação do artigo 77-A, inclusive o parágrafo 5º. “Define que, obrigatoriamente, na transparência prevista na LDO, contemplará o nome do parlamentar que indicou, ainda que a indicação seja feita por um ente público ou por alguma organização da sociedade civil”, declarou.
Outro parlamentar que elogiou o artigo 77-A foi o deputado federal Hildo Rocha (MDB-MA), primeiro-vice-líder do MDB. Ele também concorda que o parágrafo 5º melhora “muito” a transparência das emendas de relator. “Quero aqui ressaltar e parabenizar o relator da LDO e os consultores legislativos tanto da Câmara como do Senado”, disse o emedebista ao ler o trecho. “A figura dos usuários externos ainda continuará, mas tem que ter um parlamentar apadrinhando aquele usuário externo”, acrescentou.
O parágrafo 5º do artigo 77-A diz que a transparência sobre a indicação de emendas de relator assinadas pelo presidente da CMO e do relator da lei orçamentária anual “abrangerá necessariamente o nome do parlamentar solicitante, ainda quando o seu pleito se fundamentar em demanda que lhe tenha sido apresentada por agentes públicos ou por representantes da sociedade civil”.
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