A qualidade da democracia representativa está vinculada ao nível de educação cívica dos eleitores. O quadro de representação política no Congresso é reflexo dessa relação
Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
A esmagadora maioria dos eleitores (86%) considera bom que haja uma “alta renovação” no Congresso a partir da próxima legislatura, que se inicia em fevereiro de 2023. É o que revela uma pesquisa realizada pela Quaest, a pedido do instituto RenovaBR, publicada pelo Estadão.
À primeira vista, renovar os quadros de representação política no Poder Legislativo federal pode parecer algo intrinsecamente positivo, pois subjaz nesse desejo uma ideia de arejamento, de coadunação dos parlamentares, a cada ciclo eleitoral, com novas pautas e prioridades para uma sociedade em permanente transformação. No entanto, é preciso questionar se a mera renovação congressual, de fato, atende a esse anseio – a resposta é não – e, principalmente, refletir sobre a parcela de responsabilidade que recai sobre os próprios eleitores pela abissal distância que os separa de seus representantes eleitos.
A pesquisa revela uma profunda insatisfação dos eleitores com o trabalho executado pelos parlamentares eleitos em 2018. Fosse bem avaliada a atual legislatura, obviamente, o porcentual dos que clamam por renovação não seria tão alto como o apurado pela Quaest. Cabe lembrar que aquele pleito representara a maior renovação do Congresso desde a redemocratização do País. Dos 513 assentos na Câmara dos Deputados, 244 (47%) passaram a ser ocupados por novatos. No Senado, a renovação foi ainda mais expressiva. Das 54 vagas para a Casa que estavam em disputa na eleição geral passada, 46 foram conquistadas por novos senadores – uma impressionante taxa de renovação de 85%. São números que demonstram de maneira cabal que a renovação política pode não ser algo necessariamente bom – afinal, o que é bom há de ser conservado, e não substituído.
Aqui cabe a reflexão sobre a participação dos eleitores na conformação do quadro de representação política no Congresso e a relação direta entre educação cívica e qualidade da democracia representativa. Quando perguntados se acaso lembravam em quem votaram para deputado federal em 2018, nada menos do que 66% dos entrevistados pela Quaest disseram que não. O mesmo porcentual de respondentes indicou que desaprova o trabalho dos deputados. O curioso é que mais da metade dos respondentes (55%) afirmou não saber o que faz um deputado. Ora, como é possível avaliar – positiva ou negativamente – o trabalho de um parlamentar se a própria natureza do ofício é um mistério?
O fortalecimento da democracia no País depende fundamentalmente da educação cívica dos eleitores, não só para votar com consciência e responsabilidade, mas para acompanhar bem o trabalho daqueles que exercem o múnus público. Essa confusão gerada pela falta de informação política da maioria dos eleitores é habilmente explorada por parlamentares, que, a rigor, deveriam representar os interesses de seus constituintes, não interesses de classe. Disso decorrem aberrações como o “orçamento secreto”, emendas constitucionais que zombam da própria Constituição e arremedos de reforma política que, em muitos casos, só beneficiam detentores de mandato, entre outras anomalias.
O presidencialismo e a cultural propensão do eleitor brasileiro a escolher, apaixonadamente, entre nomes, não ideias e projetos, para cargos majoritários tiram a devida atenção das escolhas para a composição do Congresso. É algo que precisa mudar. E só a educação da população – a educação política em especial – será capaz de romper esse círculo vicioso: os eleitores escolhem seus representantes sem dar a devida atenção ao que pretendem fazer com o mandato; os parlamentares negligenciam temas caros à sociedade e se voltam para seus interesses no Congresso; a sociedade não se vê representada e clama por renovação.
Busca-se sempre por uma legislatura melhor do que a anterior, o que, de maneira alguma, é negativo. Mas, sem escolhas mais criteriosas para compor o Congresso e, sobretudo, sem um detido acompanhamento da atividade parlamentar pelos eleitores, será muito difícil superar a crise de representação política que tantos males tem causado ao País.