Editorial
Por
Gazeta do Povo


Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios, em Brasília.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Entre os administradores há uma parábola usada como recurso didático para ensinar que um profissional ou uma empresa deve saber o que precisa ser feito e, principalmente, por que deve ser feito. Conta-se que um operário de estrada de ferro estava havia 35 anos na função e, prestes a se aposentar, foi entrevistado para falar de seu trabalho. Perguntado sobre o que fazia, ele respondeu que sua tarefa diária consistia em esperar os trens que chegavam à estação; assim que paravam, ele pegava um grande martelo, batia nas rodas dos vagões e ouvia atentamente o estrilar do martelo sobre as rodas. Questionado sobre por que fazia aquilo e com que finalidade, ele respondeu: “executo esse trabalho há 35 anos, nunca me perguntaram isso e eu também nunca fiz essa pergunta a ninguém”.

Essa parábola ensina que, de vez em quando, as pessoas individualmente e a sociedade como um todo devem se perguntar por que fazem determinadas coisas e por quais razões as fazem, como condição para avaliar os resultados e as consequências das ações humanas e dos atos do governo. Para esclarecer, o motivo pelo qual o velho operário batia nas rodas dos vagões era simples: pelo som produzido das batidas do martelo, era possível reconhecer alguma rachadura nas rodas. Aquela tarefa tinha uma finalidade, embora seu executor a realizasse por hábito e rotina, sem atentar para as finalidades e consequências. Possivelmente, àquela altura, as rodas modernas dos trens já não exigiam a verificação de rachaduras, pois a tecnologia dos materiais havia superado aquela vulnerabilidade.

A subsidiariedade não é ignorada apenas quando se propõe o “Estado mínimo” ou “Estado guarda-noturno”; na verdade, é mais frequente que ela seja atropelada para que prevaleça o intervencionismo

A moral dessa narrativa pode ser aplicada ao governo e ao aparato estatal, de modo que é necessário e útil aos políticos, às autoridades e à sociedade que, de vez em quando, reflitam sobre para que serve o governo, quais funções ele deve manter, quais deve eliminar e eventualmente que novas tarefas lhe devem ser atribuídas. Sabemos, por exemplo, que há eventos extremos cuja solução foge à capacidade individual, ou mesmo da sociedade civil organizada, exigindo ação coletiva, a presença do Estado e a montagem de uma máquina pública. É o caso, por exemplo, da invasão do país por um exército estrangeiro, em que a defesa somente é viável pela formação de um exército nacional cujos custos sejam pagos por toda a nação; ou, então, de uma pandemia, cuja superação passa pela coordenação das medidas adotadas por todos os membros da comunidade, de forma a conter a contaminação e cessar o processo. Um caso mais corriqueiro e que não envolve circunstâncias extraordinárias é o da segurança pública e da justiça, que exigem um aparato de vigilância, policiamento e repressão aos atos de agressão entre os membros da comunidade, seguido de um sistema de investigação, processo, julgamento e punição dos responsáveis por atos violentos.

Os exemplos acima são tidos como óbvios, mas convém lembrar que não há somente um tipo de estrutura de aparato estatal e da forma de governo. A máquina pública e as leis que regulam as atividades estatais podem ser diferentes para o cumprimento de determinado serviço ou função. E, de fato, um Estado que se dedicasse apenas a garantir a lei, a ordem, a paz, a liberdade e a justiça, eximindo-se de todo o resto – o apelidado “Estado guarda-noturno” –, estaria aquém do que ele pode fazer tendo em vista a busca pelo bem comum. O Estado pode e deve auxiliar a sociedade nessa busca (sem tomá-la toda para si), sempre dentro de um papel subsidiário, o que inclui a execução de um projeto de desenvolvimento e o incentivo ao florescimento de vocações econômicas, culturais e artísticas; o Estado, assim, torna-se não o protagonista, mas um instrumento da sociedade para que a ajude a realizar as escolhas feitas por ela.

A reflexão sobre a submissão do Estado, do governo, dos burocratas e dos políticos a seu papel de instrumentos da sociedade e ao objetivo maior da busca pelo bem comum leva a questionamentos e ajuda a melhorar o aparelho estatal e o governo. A subsidiariedade não é ignorada apenas quando se propõe o “Estado mínimo” ou “Estado guarda-noturno”; na verdade, é mais frequente que ela seja atropelada para que prevaleça o intervencionismo, deixando o gigante estatal livre para estender seus tentáculos, avançar em funções que não lhe competem, criar vantagens e benefícios para os o tripulam e o manipulam, tornando-se cada vez maior e, assim, sufocando a sociedade em termos financeiros e redução das liberdades e direitos individuais.

Muitos são os governos que exploram os membros da sociedade duplamente: uma vez, cobrando altos impostos para sustentar a máquina pública cara e gastadora e, uma segunda vez, usando o dinheiro para sufocar e oprimir a população que a sustenta. É por demais contraditório um governo sobrecarregar a população com elevada carga tributária e usar o dinheiro contra a liberdade e o bem-estar dessa mesma população. Cuba, Coreia do Norte e Venezuela são três exemplos atuais de aparatos estatais e governos ditatoriais que tributam pesadamente seus habitantes enquanto maltratam em termos econômicos, políticos e sociais esses mesmos habitantes. É a consecução clara da máxima dita pelo filósofo Karl Jaspers: “O Estado é um pai terrível que, ainda por cima, deseja ser amado”.

O Brasil já atingiu o limite máximo aceitável de uma carga tributária (a carga efetivamente arrecadada está em 34% da renda nacional, mas a carga tributária nominal é muito maior, pois há sonegação, inadimplência e renúncias fiscais) e, a cada eleição, as promessas de muitos candidatos, se levadas a sério, significam retirar mais dinheiro da população, invariavelmente para aumentar regulamentos e reduzir as liberdades econômicas e individuais. Em ano de eleições, fica o alerta ao povo brasileiro para não permitir que o gigantismo estatal e os maus governos se tornem os algozes e carrascos do povo que paga sua existência, suas benesses, suas ineficiências e sua corrupção.


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