Entrevista Gustavo Maultasch
Por
Jones Rossi

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A foice e o martelo, símbolos do comunismo: defender a totalitária e assassina ideologia comunista ainda é permitido no Brasil| Foto: BigStock

O debate sobre liberdade de expressão no Brasil se faz com muita histeria e pouca informação. Desde que o podcaster Monark foi “cancelado” nas redes sociais e até investigado pela Procuradoria Geral da República por uma declaração sobre a possibilidade de existir um Partido Nazista no Brasil — uma provocação que visava debater o conceito de liberdade de expressão absoluta vigente nos EUA e o fato de o Brasil permitir a existência de outro partido ligada a um totalitarismo assassino, o Partido Comunista do Brasil —, a discussão sobre o tema pouco avançou.

Por isso deve ser celebrado o lançamento de um livro como “Contra Toda a Censura — Pequeno Tratado Sobre a Liberdade de Expressão” (Ed. Avis Rara), do diplomata Gustavo Maultasch. Entre seus vários méritos, está o de tratar de questões bastante atuais, como a tentativa de desacreditar e até criminalizar questionamentos à ciência durante a pandemia, além de recuperar casos clássicos que tratam da liberdade de expressão, como o do advogado judeu que defendeu o direito a uma marcha de nazistas nos EUA.

Na entrevista abaixo, Maultasch fala de alguns dos pontos mais importantes abordados em “Contra Toda a Censura”.

Gazeta do Povo — A criação de uma lei contra o discurso de ódio não funcionou contra a ascensão do nazismo na Alemanha. Por que ainda insistem em leis semelhantes atualmente?

Gustavo Maultasch — Eu acho que essa insistência tem duas razões principais. A primeira razão tem a ver com a ideia dirigista, centralizadora e salvacionista de que o governo tem a função de promover o bem-estar e de reduzir o nosso desconforto. Então se determinados discursos incomodam, se ofendem, então o seu silenciamento seria uma função legítima do estado. A segunda razão é o desconhecimento mesmo: muita gente simplesmente não sabe que proibir discurso de ódio não só não é muito eficaz, como também produz uma série de consequências indesejáveis (como a criação de mártires e o aumento dos riscos de tirania).

O Monark foi muito mal compreendido quando falou que o Partido Nazista deveria ser permitido no Brasil. Muitos de seus críticos esqueceram que uma marcha nazista foi realizada nos EUA com a ajuda jurídica de um judeu. Do ponto de vista da liberdade de expressão, o Brasil deveria permitir um Partido Nazista ou aproveitar e também proibir o Partido Comunista, já que ambos defendem ideologias assassinas?

Por uma questão de isonomia, ou você proíbe os dois, ou você permite os dois. E a isonomia é fundamental para que as regras sejam legítimas (do contrário, muitos começam a pensar que a justiça é parcial e tem partido). Agora, é sempre bom lembrarmos do seguinte: todos nós somos contrários a essas ideologias extremistas e assassinas; a questão é saber qual a melhor maneira de as combater, em especial tomando o cuidado de não dar poder demais ao governo para definir o que podemos e não podemos dizer. Na visão que defendo no livro, dar poder ao governo é uma solução pior do que o problema que se busca resolver.

Por que o “Paradoxo da Tolerância” de Karl Popper é tão citado e ao mesmo tempo tão pouco compreendido? O que ele realmente quer dizer?

Ele é muito citado porque tem uma descrição simples (não se pode tolerar a intolerância, sob risco de perdermos a tolerância), foi descrito por um filósofo consagrado e, ainda, porque serve de álibi ao ímpeto censório: basta eu tachar alguém de “intolerante” que aí passo a ter a licença moral para censurá-lo à vontade. O problema é que Popper foi muito ambíguo na descrição do paradoxo, e não dá para concluir com exatidão o que ele quis dizer com “intolerância”. Ou seja, o paradoxo da tolerância é uma mistura de ambiguidade de Popper e de álibi dos autoritários.

Deve existir algum limite para a liberdade de expressão? As pessoas deveriam ter o direito de fazer apologia a crimes ou até mesmo gritar “fogo” dentro de um cinema lotado, podendo causar tumulto e até ferimentos e mortes?

Mesmo os defensores da ampla liberdade de expressão admitem diversos limites, como por exemplo divulgar pornografia infantil, mandar matar alguém, incitar à violência direta, fazer ameaças, e assim por diante. Quando se analisam os detalhes e as situações extremas, vemos que há vários limites sim. A proibição de se gritar “fogo” dentro de um cinema lotado seria também um caso de proibição, pois se trata da criação de um dano iminente a partir da provocação deliberada de um pânico imediato (corre-corre, empurra-empurra, pisoteamentos etc).

Se convencionou atualmente entre setores mais progressistas da sociedade que as palavras podem ferir. As pessoas devem ir presas pelo que dizem, por mais insensíveis ou violentas sejam as palavras proferidas?

Como já mencionei, a incitação à violência direta (“vamos ali bater naquele cara”) deve sim ser proibida. Mas a mera ofensa, por mais insensível e grosseira que seja, não deve ser proibida, porque num país populoso e diverso como o nosso, sempre haverá alguém ofendido por algo que dissemos (isso quando não se ofendem com a nossa própria existência). Cristãos não se sentiriam ofendidos com piadas com Cristo? Feministas não estariam ofendidas com letras de funk que sexualizam e objetificam a mulher? Pessoas que perderam parentes para o vício não se ofenderiam com campanhas pela legalização das drogas? Gordos não se ofenderiam com recomendações médicas de perda de peso? Um nacionalista não poderia se ofender por xingamentos à pátria? E charges, não são ofensivas – praticamente todas elas? Deveríamos proibir então a profissão de chargista? Não faz o menor sentido. Admitir a existência de ofensas é o preço que pagamos para manter a nossa própria liberdade.

O STF popularizou o termo “ataque às instituições”. Também se popularizou o termo “negacionismo” para se referir a pessoas que muitas vezes não estão negando a ciência, apenas a questionando. Os dois termos refletem uma sofisticação da censura, que agora se reveste de “proteção à democracia, à ciência e à sociedade”?

Todo censor vive um dilema: ele quer censurar, mas ele sabe que o que faz é ilegítimo. Então ele precisa inventar um pretexto que o faça parecer que age em nome “do bem”: estou silenciando para proteger as minorias, a saúde pública e as instituições contra as forças do atraso, do mal, do ódio! De certa maneira isso sempre ocorreu: antigamente o pretexto do censor era o de combater a heresia ou de promover “a moral e os bons costumes”, e hoje ele se refere a combater as “fake news” ou a “defender a democracia”. Mas concordo que há maior sofisticação, ou pelo menos maior variedade de argumentos que os autoritários têm utilizado para buscar silenciar as opiniões (e os grupos) indesejáveis.

A censura e os limites impostos à liberdade de expressão não fazem prevalecer uma visão de que as pessoas não podem confiar nos outros e isso, por consequência, não acaba erodindo os pilares básicos da sociedade?

A censura comunica que se você sair da linha, se você não tiver ideias aceitáveis, você poderá ser processado e punido. Isso mina a legitimidade da democracia, pois muitos começam a pensar que talvez ela não seja um regime realmente do povo e para o povo, um regime que realmente permita a participação de toda e qualquer opinião no mercado de ideias. E isso é o oposto do que precisamos: se queremos preservar a democracia, precisamos manter firme o nosso ímpeto de a defender; e esse ímpeto somente é mantido quando temos a certeza de que somos livres e de que temos plena participação na definição dos rumos da democracia. Isso é a verdadeira democracia, e não a democracia tutelada que os donos da verdade insistem em nos impor.


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