Terrorismo

Por
Filipe Figueiredo


Ayman al Zawahiri, morto no fim de semana em uma operação com drone no Afeganistão, era o número 2 do grupo terrorista em 2001 e substituiu bin Laden| Foto: Reprodução/Fox News

Em um vídeo, Joe Biden anunciou a morte de Ayman al-Zawahiri, líder da Al-Qaeda. Ele foi morto em um ataque aéreo na manhã de domingo, em Cabul, capital do Afeganistão. al-Zawahiri foi um dos mentores dos atentados do 11 de Setembro de 2001. Na época, ele era o segundo em comando da organização jihadista, atrás de Osama bin Laden. O que a morte de al-Zawahiri nesse momento pode significar?

Segundo informações do governo dos EUA, a operação foi resultado de meses de trabalho de inteligência. O primeiro passo foi a identificação do terrorista e de sua família em Cabul, reconstruindo seus padrões de comportamento, incluindo “períodos prolongados” na varanda da residência onde ele estava. Também foram feitos modelos da residência e avaliação da melhor maneira de atingi-lo.

A autorização do plano avaliado veio no dia 25 de julho, com o uso de um drone munido com dois mísseis Hellfire R9X, uma nova variante do armamento produzida para atingir pessoas. O míssil, de conhecimento público desde 2019 apenas, não possui carga explosiva, confiando em sua força cinética e no uso de lâminas para tirar a vida do alvo. Finalmente, no dia 30, a missão foi executada.

Confiar no Talibã 

Tem-se aqui o primeiro ponto de análise. Na véspera de um ano do aniversário do retorno do Talibã ao poder no Afeganistão, al-Zawahiri esteve em Cabul por meses. E não foi em um complexo remoto de cavernas ou em alguma casa abandonada, mas ele residia em uma casa confortável no centro da capital, perto do palácio presidencial. Algo inimaginável sem o apoio explícito do Talibã.

O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, afirmou que o Talibã violou o Acordo de Doha ao abrigar o terrorista. Pelo Acordo para Trazer a Paz ao Afeganistão, assinado em fevereiro de 2020, o Talibã rejeitava todo tipo de cooperação com grupos como Al-Qaeda. E, como avisado diversas vezes aqui em nosso espaço, se uma coisa era provada na História recente, é que o Talibã não é um ator de boa-fé.

O grupo diversas vezes quebrou acordos assinados e usou de perfídia durante as guerras no Afeganistão. Aceitar negociar com o Talibã e assinar o acordo de Doha foi um dos principais erros da política externa do governo Donald Trump. Não era necessária uma “bola de cristal”, apenas notar o histórico recente do grupo, cuja cooperação com a Al-Qaeda, além de notória, era marcada pelos benefícios econômicos ao Talibã.

Jihadismo 

Mesmo com a morte de al-Zawahiri, o indício agora é de que o grupo voltou a contar com um refúgio, um espaço físico de onde pode operar e se reorganizar. Quem sabe, até, brigar pelo protagonismo entre os grupos jihadistas, já que a Al-Qaeda perdeu espaço, principalmente para o Daesh, o chamado Estado Islâmico. O Daesh, inclusive, também é rival do Talibã.

O próximo ponto é o que isso significa para o jihadismo internacional. Na prática, não muito. O médico al-Zawahiri era um teólogo, uma simbólica liderança “espiritual”, não um combatente ou articulador de paixões extremistas. Também não era abastado como bin Laden. Inclusive, nos últimos anos, a Al-Qaeda progressivamente tornou-se mais regionalizada, com diferentes grupos locais com autonomia, do Sahel ao Iraque.

A morte do teólogo pode representar, então, uma de duas coisas. Ou uma nova liderança do grupo emerge e volta a centralizar a Al-Qaeda, pensando em grandes atentados, ou o modelo atual de grupos regionais operando de acordo com seus contextos locais é consagrado, fazendo da Al-Qaeda uma espécie de aliança internacional de grupos jihadistas variados.

Folga para Joe Biden 

Finalmente, temos o maior vencedor nessa situação toda, o governo Joe Biden. Em meio uma inflação recordista nas últimas quatro décadas e uma economia em recessão, após dois trimestres de encolhimento, Biden conseguirá uma “trégua” no noticiário. A inflação será alternada nos noticiários com gráficos espetaculares reconstituindo a operação, com mais uma declaração de “vitória” na Guerra ao Terror.

Não é muito diferente do que seus antecessores fizeram. Barack Obama garantiu sua reeleição anunciando a morte de Osama bin Laden em 2011. Biden, então vice-presidente, está na famosa foto tirada na Casa Branca durante a operação. Em 2019 foi a vez de Trump transmitir um pronunciamento, agora sobre a morte de Abu Bakr al-Baghdadi, líder do Daesh, morto na Síria.

A vitória do governo Biden, entretanto, não durará muito. Em alguns dias já terá desaparecido do noticiário e os problemas econômicos retomarão seu protagonismo. O que é sintoma de outro problema. O acúmulo de pequenas vitórias táticas pelos EUA nas últimas décadas, eliminando seus inimigos, mas, estrategicamente, não sabe para onde ir e não consegue estabelecer uma política de longo prazo. Até o próximo al-Zawahiri.


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