Por
Paulo Polzonoff Jr.


Sobre a entrevista do presidente Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional, fica a dúvida: será que o telejornal mais importante do país se comunica com o povo?| Foto: Reprodução/ Globoplay

Dizer que Jair Bolsonaro e Jornal Nacional são como água e azeite seria um eufemismo. Os dois estão mais para ácido e base mesmo. Desde 2018, ou antes, o telejornal que ao longo de décadas informou o Homer Simpson brasileiro optou por fazer uma oposição inflexível ao atual presidente. Assim, acabou por alienar uma parcela do público – justamente o homem comum com o qual tão bem se comunicava.

Daí porque a entrevista do candidato à reeleição era tão aguardada. Eu, de minha parte, preparei uns sanduichezinhos de bolacha Maizena com um Toddy bem quentinho para enfrentar o frio e a peleja entre a dupla William Bonner & Renata Vasconcellos e Jair Bolsonaro. Até criei um bolão no grupo Bilionários do Zap para apostarmos em quantas vezes o presidente falaria “talquei” e quantas vezes os apresentadores revirariam os olhinhos.

Antes de falar da entrevista propriamente dita, vale um comentário sobre a suposta desimportância do evento. Ora, se o próprio presidente se dispôs a sair de Brasília para ser entrevistado nos estúdios da emissora é porque reconhece o poder da Rede Globo. Cotidianamente, o Jornal Nacional talvez tenha abandonado o Homer para falar apenas com as Lisas Simpsons da vida. Mas pode apostar que, na hora de conversar com o líder máximo da nação, até o mais alienado Homer Simpson larga o YouTube para se sentar no velho sofá surrado diante da TV de tubo.

Agora silêncio que a entrevista vai começar.

E começou pesado (mas sem panelaço, como esperavam alguns). Um William Bonner com a barba por fazer, o que era impensável há alguns anos, foi logo perguntando sobre golpe. Mas não foi num tom ameno, nem lá muito educado. Bonner perguntou retratando Bolsonaro como um vilão de história em quadrinhos. O presidente respondeu expondo suas dúvidas (aquelas que já está todo mundo cansado de saber) sobre o sistema eleitoral e insistindo no discurso de que só quer mais transparência.

Com voz mansa, lá veio a réplica citando todas as instituições que “atestam a segurança das urnas” e falando em “orgulho” das urnas eletrônicas. Daí veio o sorrisinho e aquilo, confesso, me desmontou. Se ainda restavam ilusões, elas se perderam de vez com esse sorrisinho. Mas eu não sou o assunto deste texto, e sim a entrevista de Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional. Diante do sorriso condescendente, Bolsonaro interrompeu o discurso de Bonner para dizer “Fique tranquilo. Teremos eleições”.

Mais golpe. Bonner critica os apoiadores de Bolsonaro, chamando-os (uma ênclise!) de golpistas e alienando parte de seu público. Mas acho que já falei disso lá na introdução. Bolsonaro insiste na defesa da liberdade e até critica o AI-5. Bonner interrompe e fala em “tirar esse estresse” e exige o compromisso de que Bolsonaro respeite o resultado das urnas. Mais do que isso, cobra que Bolsonaro contenha os apoiadores.

“Pandemia, candidato”, diz Renata Vasconcellos antes de elencar os pecados do presidente Jair Bolsonaro: a postura pessoal contra a vacina, o uso de hidroxicloroquina, o jacaré. “O senhor desestimulou a vacinação. Isso não tem nada a ver com liberdade”, disse a sofista, digo, jornalista. “Figura de linguagem?”, pergunta a jornalista, e tem início um debate surreal sobre a famosa história de virar jacaré. Estou mesmo assistindo a isso?

Renata Vasconcellos insiste na pandemia e repete a ladainha da CPI da Covid. “Muitos viram isso como sinal de falta compaixão”, diz a jornalista sobre algumas posturas do presidente durante a pandemia. “Você se arrepende?”, insiste ela. Bolsonaro se sai com auxílio emergencial e com a solidariedade que ele vê como real, e não a simbólica e politicamente correta cobrada por Vasconcellos. “Então você chama isso de ‘politicamente correto’?”, pergunta espertamente a jornalista.

Começa a parte da entrevista que fala sobre economia. Bonner pinta um cenário de desastre e, nas entrelinhas, acusa o presidente e a equipe econômica de incompetência. Mais sorrisinhos. “A grande vacina da economia foi feita em 2019”, responde Bolsonaro, citando por alto a melhora no índice de desemprego. Ele diz ainda que o mundo inteiro passa por dificuldades. Percebendo que economia não prejudicaria Bolsonaro, Renata Vasconcellos vem com o papo de “incentivo ao desmatamento”.

“Uma coisa é incêndio natural e outra coisa é o desmatamento”, diz Vasconcellos quando Bolsonaro menciona incêndios florestais na Europa e Estados Unidos. Uau. “A quem interessa proteger um trator usado para derrubar árvores?”, pergunta um indignado Bonner, ao que Bolsonaro tenta, sem sucesso, explicar que a Amazônia é enorme, do tamanho da Europa Ocidental, e que ele apenas cumpre a lei. O “cumpre a lei” incomoda Bonner, que passa a bola para a colega. Vasconcellos então fala que o mundo vê o Brasil como um país destruidor de florestas. Imagem, imagem, imagem. Bolsonaro responde dizendo que a Alemanha voltou a usar combustíveis fósseis e fala que há uma diferença entre a realidade e a “imagem”. Será que cola entre o povão?

Aliás, me dou conta de que falta à entrevista perguntas voltadas para o Homer Simpson. Será que isso tudo tem alguma relevância para o homem comum? Enquanto estou pensando nisso, Bolsonaro começa a falar sobre o agronegócio. “Vamos ver se o Brasil começa a mudar essa imagem”, diz William Bonner, mudando de assunto. E lá vem papo sobre política, Centrão, base do governo e outros assuntos de elite. Hora de abrir mais um parágrafo.

“Por que eleitores traídos deveriam acreditar no senhor?”, pergunta Bonner, que ouve um petardo. “Você está me estimulando a ser ditador”, solta Bolsonaro, sua única frase de efeito até agora, explicando que os acordos políticos são necessários para o avanço das reformas. Bolsonaro fala em Auxílio Brasil e diz que o PT votou contra a PEC dos Precatórios que permitiram o pagamento de R$600 do programa. Ao ouvir “o PT votou contra”, Bonner faz questão de corrigir o presidente.

Bonner não fala em PT. Fala em “governos anteriores”. E volta a mencionar o bicho-papão chamado Centrão. “O senhor sempre foi do Centrão ou nunca foi do Centrão?”, pergunta Bonner. Bolsonaro se enrola, diz que no tempo dele não havia Centrão e emenda: “O que importa é que estamos sem corrupção”. À medida que Bolsonaro vai citando a equipe de governo, Renata Vasconcellos o interrompe. “Vou falar de um assunto importantíssimo para o futuro do Brasil: a educação”, diz a jornalista, fazendo uma grave acusação de corrupção envolvendo o ex-ministro Milton Ribeiro e pastores.

Bonner começa a falar sobre interferência na Polícia Federal. O cinegrafista dá um close no presidente, que mostra sinais de irritação. Bolsonaro menciona Moro e diz que ninguém comanda a PF dessa forma. William Bonner menciona uma associação de delegados da Polícia Federal falando no desgaste à imagem da instituição. Uma associação de delegados da Polícia Federal. “Já acabou?”, pergunta Bolsonaro quando Renata Vasconcellos anuncia que o presidente tem um minuto para as considerações finais.

Com uma calma surpreendente e alguns níveis acima da dos entrevistadores, Bolsonaro faz as considerações finais. “Fizemos o possível para que a população sofresse o menos possível”, diz. E começa a citar os feitos do governo. Fizemos isso e fizemos aquilo. O esperado que ele diga nessa hora. Consulto o relógio. Faltam 10 segundos. Nove, oito, sete… “Acabou?”, pergunta Bolsonaro. “Eu poderia ficar aqui horas conversando”.


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