Para ser culto
Leandro Karnal, O Estado de S.Paulo
A ideia é de Eugène Ionesco. Dois amigos conversam. Jean tenta corrigir maus hábitos de Bérenger, bebedor inveterado. A solução para uma vida melhor estaria em passar os momentos disponíveis de “uma maneira inteligente”. Como? Jean dá a fórmula: “Visite os museus, leia revistas literárias, assista a conferências. Isso acabará com suas angústias e formar-lhe-á o espírito. Em quatro semanas, você será um homem culto”.
Citei O Rinoceronte, obra de referência do chamado teatro do Absurdo. “Rindo se corrigem os costumes”, diziam os antigos romanos. O humor é uma forma de escola moral. O humor estaria no tempo curto: quatro semanas?
Vou misturar Maquiavel e Machado (Teoria do Medalhão). Só precisa parecer culto, não ser. Estando em São Paulo em 2022 (meu ponto), no ano de 1959 em Paris (Ionesco), na Florença do Renascimento (Maquiavel) ou no Rio de Janeiro do fim do Império (Machado), parecer seria superior a ser no mercado de consumo social.
As fórmulas são universais. Vista-se inteiramente de preto e parecerá mais magro. Poste fotos com muitos filtros e perceberão seu ser um pouco mais jovem. Jesus condenou, e Maquiavel exaltou: o sepulcro pode estar caiado de branco, mas… quem irá cavar em busca da podridão do conteúdo? Importa o túmulo alvo e público, bem cuidado e exuberante. Os cemitérios foram a primeira rede social do mundo. Lá estavam informações positivas e flores, e homens insuportáveis, e mulheres abomináveis passaram à eternidade com frases motivacionais: saudades eternas, pai exemplar, mãe extremosa…
Tumbas são construídas sobre solo consagrado. Vamos ao profano mesmo. Em um mês, você pode ter frequentado (em caráter intenso e excepcional) quatro museus. Conseguiria, graças ao recurso das redes com que Ionesco não contava, acessar quatro palestras boas. Conseguiria ler, com proveito, talvez duas revistas literárias. Se iniciar o programa que a personagem Jean indica, talvez consiga um recorte curatorial: buscar apenas imagens de mulheres nos museus, ler atentamente sobre as obras e, depois, ver as palestras sobre feminismo. Por fim, destacar nas revistas os estudos sobre mulheres na literatura.
Assim, após as semanas iniciais de cultura, se acontecesse de alguém conversar sobre mulheres na arte, você poderia dar dados bem estruturados sobre o tema e, com certeza, pareceria culto e consciente. Maquiavel aprovaria, mas, como você sabe, ele está – sem esperança – no inferno. O cinismo sempre funciona e nunca será louvado em público.