Geopolítica reverberante
Por
Daniel Lopez
Gorbachev junto a Henry Kissinger, um dos cabeças dos “powers at be”.| Foto: Financial Eye
Numa época em que se previa abundância, liberdade e o fim das tiranias, o mundo contempla o surgimento de uma tenebrosa era de escassez, controle e do surgimento de novos tiranetes. A Europa caiu inocentemente (ou propositalmente) na arapuca energética de Putin, o que ficou ainda mais evidente nesta quarta-feira (31), quando Moscou fechou totalmente o fornecimento de gás para a Europa por meio do gasoduto Nord Stream 1, ainda que por apenas 4 dias, segundo informações oficiais.
Dependência gera controle e controle gera poder. E a Europa está completamente nas mãos de Putin em termos energéticos. Agora, os componentes do “the powers at be” (“os poderes constituídos”, na expressão idiomática inglesa) querem submeter não apenas a Europa, mas todo o planeta, a uma dependência alimentícia. Para isso, precisam destruir os “celeiros” mundiais. Já desmantelaram a Ucrânia e a Rússia. Nos Estados Unidos, até fórmula para bebês está faltando. Agora, o plano é derrubar o maior produtor de comida da Europa: a Holanda. Se não fosse a resistência dos fazendeiros, os holandeses estariam já numa situação muito triste. Obviamente, o seguinte na lista é o Brasil.
A melhor pergunta que podemos fazer hoje é: se o desmantelamento da URSS foi proposital, seria possível que, hoje, estejam desmantelando propositalmente os EUA, a Europa, a segurança energética e alimentar do mundo.
Ontem (30), morreu Mikhail Gorbachev, último líder da União Soviética. Ele acabou se tronando um símbolo do fim da Guerra Fria, com a dissolução da URSS e a queda do muro de Berlim. Um momento que trouxe grande esperança à humanidade, com a sensação de que a fase mais obscura da ameaça de uma Terceira Guerra Mundial havia passado. Entretanto, a morte de Gorbachev parece ter prenunciado o fim dessa era de esperança. Vejam que aqui estamos nós, 33 anos após a queda do muro, novamente debaixo da sombra de uma nova guerra de proporções globais.
No dia 28 de dezembro de 2021, escrevi um artigo aqui na Gazeta do Povo chamado Putin e o “Apocalipse por Engano”, onde resumi o tamanho do problema que estava por vir. E parece que as análises que realizei no final do ano passado começaram e se tornar realidade. Na ocasião, eu lembrei que, no dia 8 de dezembro de 2021, completaram-se 30 anos desde o fim da União Soviética. Mas aproveitei para trazer uma questão vital para todos que perceberam a seriedade do que está sendo programado para o mundo hoje. Temos o costume de falar sobre o “fim da União Soviética”. Entretanto, para muitos autores, a URSS não caiu por conta própria, mas foi estrategicamente desmantelada, dentro de um plano muito bem arquitetado.
Reforcei que livros como Meias Verdades, Velhas Mentiras (do ex-agente da KGB Anatoliy Golitsyn), Desinformacão (do General Ion Mihai Pacepa, ex-chefe do serviço de espionagem romeno) e KGB e a Desinformação Soviética (de Ladislav Bittman, ex-integrante do serviço de inteligência tcheco) reforçam esta opinião. E entretanto, foi o jornalista e apresentador russo-americano Vladimir Pozner que trouxe a melhor análise. Em 2018, numa palestra na Universidade de Yale intitulada “Como os EUA criaram Vladimir Putin”, ele explicou como aconteceu a suposta queda de Gorbachev e a dissolução da Cortina de Ferro. Citando os Acordos de Belovezh, celebrados em 8 de dezembro de 1991, Pozner explicou que Gorbachev chegou ao poder em março de 1985, mas em dezembro de 1991, não havia mais União Soviética.
E foi tudo orquestrado. Pozner citou a misteriosa reunião entre os presidentes da Ucrânia, da Bielorrússia e da Rússia, Boris Yeltsin, que produziu os Acordos de Belovezh, celebrados em 8 de dezembro de 1991, quando estes, sem a participação de Mikhail Gorbachev, decidiram desmembrar a União Soviética. Cada líder tinha uma motivação muito clara nessa jogada. No caso de Yeltsin, ele era o presidente da Rússia, enquanto Mikhail Gorbachev era o líder de toda a URSS. Então, Yeltsin era o número dois. Livrando-se de Gorbachev, assumiria a primazia em toda a Rússia. E foi exatamente o que aconteceu.
O que eles estão tentando esconder?
O detalhe é que, segundo Pozner, quando eles estavam negociando a queda do Muro de Berlim e a reunificação alemã, James Baker, então secretário de Estado americano, teria assegurado a Mikhail Gorbachev que, caso cedesse, a OTAN não se moveria uma polegada em direção à Rússia. Muitos dizem que essa promessa nunca aconteceu. Mas, em 2017, a Universidade George Washington desclassificou a ata da conversa entre ambos. E assim foi.
Como sabemos, o Pacto de Varsóvia foi desfeito, mas a OTAN continuou existindo e continuamente descumpriu sua promessa de não se expandir em direção à Rússia, o que acabou levando ao atual conflito na Ucrânia, que tem tudo para ter sido propositalmente iniciado. Putin afirmou que se o Ocidente insistisse no convite a Kiev para se juntar à aliança do atlântico ele tomaria uma decisão drástica. Mas eles insistiram mesmo assim. Então, fica claro que o acirramento da relação foi proposital.
Em minha humilde opinião, a melhor pergunta que podemos fazer hoje é se o desmantelamento da URSS foi proposital, seria possível que, hoje, estejam desmantelando propositalmente os EUA, a Europa, a segurança energética e alimentar do mundo, e talvez, no final das contas, a própria ordem mundial neoliberal globalizada sob a liderança de Washington e do dólar? Estaríamos diante da reconstrução da União Soviética? Diante do questionamento, recordo a frase atribuída a Franklin D. Roosevelt: “Em política, nada acontece por acaso. Se isso acontecer, é porque assim foi planejado”.
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