Agenda social
Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília
Bolsonaro durante entrega simbólica do cartão do Auxílio Brasil, em fevereiro: programa é a principal aposta para o combate à fome e à miséria.| Foto: Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem sido confrontado com a informação de que 33,1 milhões de brasileiros passam fome – tecnicamente, situação de insegurança alimentar. Bolsonaro não reconhece esses dados; diz que são inflados. Mas, durante a campanha, ele vem afirmando que a insegurança alimentar e a extrema pobreza serão enfrentados com a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023.
O projeto de lei orçamentária para 2023, apresentado na quarta-feira (31) pelo governo, prevê R$ 405 para o Auxílio Brasil. Mas Bolsonaro garante que o valor de R$ 600 será mantido. Em entrevista na quinta-feira (1.º) à RedeTV, o presidente que pode haver taxação de lucros e dividendos de quem ganha acima de R$ 400 mil mensais para manter o valor mais alto. Também na quinta, numa live, disse que outra possibilidade é estender a vigência do decreto de calamidade pública caso a guerra da Ucrânia continue – isso abriria permitiria que a despesa adicional sem ficar limitada ao teto de gastos determinado pela Constituição.
Em entrevista na sexta-feira (26) ao programa Pânico, da Jovem Pan, Bolsonaro respondeu que os 33 milhões de pessoas em situação de fome “podem buscar o Auxílio Brasil” e associou os dados de insegurança alimentar à extrema pobreza. Também sinalizou o pagamento do benefício em R$ 600 como forma de enfrentar tais desafios.
Considera-se em situação de extrema pobreza o lar com rendimento médio mensal inferior a R$ 105 per capita ou a pessoa com renda individual diária menor que US$ 1,90 (atualmente, cerca de R$ 9,80 por dia ou R$ 294 mensais). “O Auxílio Brasil paga, hoje, R$ 20 por dia”, comentou Bolsonaro ao calcular que, em uma média diária, o beneficiário do programa social recebe aproximadamente o dobro da faixa de renda de alguém considerado extremamente pobre.
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que atua como um dos coordenadores eleitorais da campanha de Bolsonaro, é outro a defender o programa social como resposta aos mais pobres. Em aceno a esse grupo, ele destacou o Auxílio Brasil e criticou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O ministro da Casa Civil diz que Lula falou a palavra “pobre” uma única vez e “no minuto final” durante a sabatina promovida pelo Jornal Nacional, no dia 25. “Esse é o ‘pai dos pobres’. Bolsonaro não apenas fala: fez e faz. O maior programa social da história do Brasil, o Auxílio Brasil, de R$ 600. Lula antes falava da pobreza. Agora, nem isso faz. Prefere atacar o que está certo e elogiar o que está errado. O futuro vai vencer o passado e o atraso”, disse.
A comunicação sobre o Auxílio Brasil faz parte da estratégia da campanha de Bolsonaro em assumir a “paternidade” do programa social. O benefício foi protagonista das primeiras propagandas do presidente no horário eleitoral do rádio e da TV.
Em uma das propagandas, é veiculado um jingle que diz que o Bolsa Família “não existe mais”. “Agora é Auxílio Brasil de no mínimo R$ 600”, diz a propaganda. A referência ao “mínimo” é atribuída ao fato de que, além benefício, as famílias ainda podem receber recursos de outros programas sociais.
Em outra propaganda, Bolsonaro diz que o Bolsa Família pagava, em média, R$ 192, e que, segundo ele, algumas famílias recebiam apenas R$ 80 por mês. Ele comenta que, no fim do ano passado, foi criado o Auxílio Brasil e que cada família passou a receber, no mínimo R$ 400. O presidente ainda destaca na propaganda que, com o apoio do Congresso Nacional, o valor do Auxílio Brasil foi elevado para R$ 600. E prometeu manter esses recursos em 2023. “Esse valor será mantido a partir do ano que vem dentro da responsabilidade fiscal”, diz Bolsonaro. O benefício no patamar atual vai até dezembro.
Bolsonaro e Ipea contestam dado de que há 33 milhões de pessoas com fome
O presidente Jair Bolsonaro não reconhece os dados de que 33 milhões de pessoas estejam em situação de fome no Brasil. Os 33,1 milhões de pessoas em situação de fome foram apontados em junho pelo último Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (Vigisan), divulgado por uma ONG – a Rede Penssan (Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).
Ao programa Pânico, Bolsonaro foi informado que a presidenciável do MDB, Simone Tebet, citou os dados sobre a fome no país. Em resposta, o presidente disse que ela “falou besteira”. Ele admitiu, porém, “que deve ter gente passa fome” e recomendou que se cadastrem no Auxílio Brasil “quem, porventura, está na linha da pobreza, passando fome”.
Além de Tebet, Lula e o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, também tem falado sobre as 33 milhões de pessoas em situação de fome.
Em resposta, o coordenador da campanha de Bolsonaro no Nordeste, Gilson Machado, candidato ao Senado por Pernambuco, disse em publicação no Twitter que é “desonestidade” usar o dado como base para falar sobre a fome no Brasil. “Estudos fraudulentos encomendados por ONGs de esquerda agora são sumariamente desmascarados. Mais uma narrativa que cai por terra. A verdade é que os índices de pobreza caem no Brasil, enquanto sobem no mundo”, comentou.
Machado usou dados divulgados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para rebater o dado de que 33 milhões de pessoas passam fome. Segundo o Ipea, em função da criação do Auxílio Brasil e do aumento do número de beneficiários em relação ao Bolsa Família e do valor médio pago aos beneficiários, o país encerrará 2022 com 4,1% da população brasileira em situação de extrema pobreza. O cálculo é baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Confirmado o índice de 4,1% de pessoas extremamente pobres no Brasil ao fim de 2022 – que seria o menor desde 2015, quando ficou em 3,3% –, o Ipea estima que isso equivaleria a 2,9 milhões de famílias, ou aproximadamente 8 milhões de pessoas. O dado ainda pode ser alterado à medida em que mais pessoas sejam incluídas no Auxílio Brasil.
Pesquisador da área de pobreza desde 2003, o presidente do Ipea, Erik Figueiredo, questiona os dados de 33 milhões de pessoas passando fome e aponta a falta de transparência como uma justificativa. “Estaria tudo certo se fossem divulgados os microdados da Vigisan, mas não divulgam. Não há clareza sob o ponto de vista metodológico”, afirma à Gazeta do Povo.
Sem o acesso aos microdados, Figueiredo questiona, por exemplo, como o índice de insegurança alimentar da Penssan cresceu 3,2 pontos percentuais entre 2018 e 2020, enquanto o indicador de extrema pobreza divulgado pelo IBGE caiu 1,9 ponto percentual no mesmo período. “Os dados se conflitam e se deslocam de um histórico amplamente documentado. Como a extrema pobreza cai, é de se esperar que a insegurança alimentar também esteja caindo”, diz.
Entre 2004 a 2018, existia uma diferença de 2,1 pontos entre o índice de insegurança alimentar captado pela Penssan com o indicador de extrema pobreza registrados pelo IBGE. Entre 2018 e 2021, a diferença média salta para 13,8 pontos percentuais. Por esse motivo, Figueiredo questiona a hipótese de 33 milhões de pessoas em situação de fome e entende que o número não se confirma.
Em 2020, Figueiredo destaca ainda que foram gastos quase R$ 300 bilhões com o pagamento do Auxílio Emergencial, “em um valor sete vezes superior ao gasto com o Bolsa Família na época”. “Se focarmos apenas nos beneficiários do programa social da época, o Bolsa Família, esse gasto propiciou um aumento na renda média recebida por essas famílias de mais de 480%, passando de um tíquete médio de R$ 189 para R$ 908, o que pode ser atestado pelos dados da PNAD Covid. Em resumo, a redução da extrema pobreza e o ganho de renda propiciado pelo auxílio emergencial não são compatíveis com o aumento da insegurança alimentar”, diz ele.
Em 2021, os dados da Penssan apontam um crescimento de 6 pontos percentuais do índice de insegurança alimentar. Para Figueiredo, a alta se desloca ainda mais dos indicadores de pobreza extrema. Para o presidente do Ipea, chama ainda mais atenção os argumentos que sustentam o crescimento da insegurança alimentar nesse período.
Relatório do Vigisan aponta que houve “piora significativa dos índices” com o desemprego. Porém, Figueiredo destaca que, entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021, o desemprego apresentou uma trajetória de queda, de 15% para 11,5% (atualmente, está em 9,3%). O presidente do Ipea pondera que, no meio acadêmico, o questionamento a um resultado de uma pesquisa faz parte do “dia a dia” e defende suas contestações.
“A conta não fecha e, curiosamente, a insegurança alimentar se descolou da extrema pobreza justamente após 2018 sem correspondência com outras estatísticas econômicas. Para um pesquisador, isso deveria levantar dúvidas”, diz. “Não digo que a pesquisa está errada, mas falamos de um salto médio de 2 pontos percentuais para 14 pontos entre os índices de insegurança alimentar e pobreza extrema [em 2021]”, complementa.
O relatório Vigisan fez a pesquisa em 12.745 domicílios fisicamente com adultos nas 27 unidades federativas em regiões rurais e urbanas. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2021 e abril de 2022, com a utilização de questionário contendo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).
Há outros dados que apontam o aumento da pobreza. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social divulgou um relatório em junho que aponta que a pobreza extrema subiu de 4,2%, em 2020, para 5,9%, em 2021. Os dados também são contestados por Figueiredo. O presidente do Ipea diz que, quando se toma por base uma comparação de 2020, quando havia o auxílio emergencial, com 2021, quando o principal programa social era o Bolsa Família, é natural que os dados de pobreza sejam puxados para níveis “muito baixos”. “Deveríamos ter uma comparação mais honesta”, afirma.
Quais são as outras propostas para combater a extrema pobreza
Embora a manutenção do pagamento do Auxílio Brasil em R$ 600 seja o “carro-chefe” da campanha de Bolsonaro para o combate à fome e a miséria, o plano de governo apresenta outras medidas. Uma das medidas destacadas é manter a Atenção Primária como um “foco importante” e assegurar que nutrólogos e nutricionistas sejam ouvidos a fim de contribuir na segurança alimentar da população.
O objetivo é que esses especialistas proponham alimentos “adequados” e “compatíveis” com cada região do país, a fim de diminuir a pressão sobre o sistema de saúde “na medida que a boa alimentação inibe o aparecimento de doenças”.
Outra medida citada é o fortalecimento de programas como o Alimenta Brasil, que se baseia nas compras públicas da produção do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e na doação de alimentos adquiridos. O objetivo é contribuir de maneira paralela para a “emancipação econômica” dos agricultores familiares e para a segurança alimentar e nutricional de grupos socialmente vulneráveis.
O plano de governo de reeleição de Bolsonaro também assume o compromisso de garantir a “integração das políticas de segurança alimentar e a econômica, aumentando a eficiência da alocação de recursos”. Para isso, é apontado como “atividade estratégica” a produção de alimentos com o incremento do uso de “tecnologia de ponta, pesquisas e respeito ao meio ambiente”.
O combate à pobreza também é destacado em diversos trechos do plano de governo, principalmente na introdução. O texto diz que o modelo de gestão implantado no Brasil favoreceu a “proliferação da pobreza” ao mesmo tempo em que “impediu a implementação de um desenvolvimento econômico seguro, próspero e sustentável a longo prazo”.
A proposta de reeleição fala que o “novo modelo de gestão” proposto por Bolsonaro “produz e distribui riqueza” e “proporciona ao Brasil bater recordes na geração de empregos” e “o aumento de benefícios sociais para os mais vulneráveis”.
Também é destacada como prioridade a meta de ampliar e aprimorar “um sistema de proteção social efetivo e sustentável”. Há ainda uma referência sobre a água como “vetor de desenvolvimento econômico” para a redução da pobreza, com um destaque para a conclusão das obras da transposição do Rio São Francisco, um dos principais pontos explorados pela campanha de Bolsonaro no Nordeste.
Outro ponto destacado no plano de governo é a liberdade como meio para a “prosperidade individual e social”. “Ela é atingida ao se integrar políticas públicas direcionadas às famílias, em especial àquelas em situação de pobreza e extrema pobreza, com a transferência direta e indireta de renda”, diz trecho do plano de governo.
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