Editorial
Por
Gazeta do Povo


Auxílio Brasil de R$ 600 não está previsto na PLOA de 2023.| Foto: Divulgação/Governo Federal


O presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula, e a emedebista Simone Tebet já prometeram manter o Auxílio Brasil em R$ 600 no ano que vem caso sejam eleitos – o petista ainda afirmou que o benefício, que voltaria a se chamar Bolsa Família, incluiria R$ 150 adicionais para cada criança de até 6 anos. Ciro Gomes foi além e fala em renda mínima de R$ 1 mil. Além disso, Bolsonaro também prometeu que, em 2023, atualizará a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física – “está garantido já”, afirmou a uma rádio gaúcha no início de agosto. No entanto, nem o Auxílio Brasil maior, nem a mudança na tabela do IR constam nos números do projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional no último dia 31 de agosto.

O texto da PLOA cita, no entanto, ambos os objetivos, descritos como “prioridade” do governo. Para o Auxílio Brasil, o projeto fala em “esforços em busca de soluções jurídicas e de medidas orçamentárias que permitam a manutenção do referido valor no exercício de 2023 mediante o diálogo junto ao Congresso Nacional para o atendimento dessa prioridade”; quanto à tabela do IR, a PLOA afirma que “se buscará construir consenso com o Parlamento e a sociedade para efetivação da reforma e a respectiva correção da tabela do imposto de renda”. No caso do Auxílio Brasil, haja diálogo, pois seria preciso encontrar mais R$ 54 bilhões, já que o benefício de R$ 600 custaria R$ 160 bilhões e a PLOA reserva R$ 105,7 bilhões para este pagamento.

Se um governo que tira cerca de um terço de tudo o que se produz no país encontra problemas para bancar um benefício de R$ 600 aos brasileiros mais vulneráveis, é porque o orçamento padece de disfunções graves

Como os principais candidatos pretendem cumprir, então, as promessas que não estão previstas na lei orçamentária? Quanto a Lula, o Brasil já conhece bem a maneira como ele “dialoga” com o Congresso e a solução que ele propõe: a abolição pura e simples do teto de gastos, caso o petista consiga maioria parlamentar suficiente para aprovar reformas constitucionais. Se não for possível realizar este trabalho de demolição, Lula já afirmou que pretende recorrer a truques de palavras, qualificando certas despesas como “investimento” em vez de “gasto” para retirá-las da limitação imposta pela Carta Magna e poder, assim, gastar mais. E todos sabemos como isso termina, pois a recessão de 2015-16, consequência da política de gasto ilimitado do lulopetismo, ainda está suficientemente fresca na memória da nação.

Isso não significa que as soluções adotadas até agora pelo governo Bolsonaro tenham sido as melhores. Tanto a PEC dos Precatórios quanto a PEC dos Benefícios foram gambiarras fiscais que deram verniz de legalidade ao que, na prática, era uma desmoralização do teto de gastos, pois, se se permite ao governo realizar despesas acima da correção permitida pela Constituição, a regra constitucional é ignorada, como o próprio ministro Paulo Guedes já chegou a admitir. O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, afirmou que o governo buscará “criar as condições fiscalmente responsáveis” para cumprir as promessas de elevar o Auxílio Brasil e reajustar a tabela do IR; ele não deu maiores detalhes, mas a retomada da responsabilidade fiscal é extremamente necessária para que o Brasil possa ter um 2023 menos conturbado diante da possibilidade de recessões no mundo desenvolvido e que podem ter reflexos por aqui.

A grande questão, aqui, é que não basta simplesmente aumentar a receita para poder pagar o Auxílio Brasil de R$ 600, como Bolsonaro deixou subentendido em entrevista ao citar a taxação sobre lucros e dividendos como possível fonte de recursos para o benefício social. O limitador está no teto de gastos, que em 2023 deve ser de R$ 1,8 trilhão. O país poderia instituir novos impostos, arrecadar centenas de bilhões de reais com privatizações, e ainda assim esse será o valor máximo que o governo pode gastar. Este, aliás, é um dos méritos do teto: impede que tempos de bonança e receitas extraordinárias transformem governantes em esbanjadores do dinheiro público. E o secretário Colnago já deixou claro que, hoje, o Auxílio Brasil de R$ 600 não cabe no teto – a não ser, claro, que outras despesas sejam cortadas para abrir espaço.


Um governo que tira cerca de um terço de tudo o que se produz no país, na forma de impostos pagos por pessoas físicas e jurídicas, não deveria encontrar problemas para bancar um benefício de R$ 600 aos brasileiros mais vulneráveis, mesmo com o limitador do teto de gastos. Se é difícil tornar realidade um programa social destas dimensões, é porque o orçamento brasileiro tem dois problemas graves: o primeiro é o excesso de despesas claramente imorais, como o financiamento público de partidos e campanhas políticas, ou as emendas de relator. Mas, mesmo que por um milagre o Congresso abrisse mão desses bilhões, a conta ainda não fecharia, e aqui chegamos ao segundo problema, que é estrutural: o engessamento do orçamento e a falta de reformas que otimizem o gasto público.

Nestes quatro anos, o país teve a expectativa de uma reforma administrativa que racionalizasse os gastos com o funcionalismo, da implantação dos “três Ds” (desindexar, desobrigar e desvincular) que dariam ao governo maior margem de manobra no uso do dinheiro, da PEC que permitiria o uso de dinheiro parado em fundos públicos para abater a dívida. Nada disso se tornou realidade porque à classe política não interessa ter de fazer escolhas racionais a respeito do bom uso do dinheiro do contribuinte, mas que certamente desagradam lobbies, grupos de pressão e bases eleitorais; muito mais simples é apenas encontrar uma forma de permitir mais despesas.

O brasileiro pobre e vulnerável precisa do dinheiro na mão. Mas ele tem ainda mais a ganhar com uma economia em ordem. A gastança ilimitada termina em recessão, como o petismo já nos mostrou; as gambiarras erodem lentamente a confiança na saúde fiscal do país no médio e longo prazo. Mas um governo responsável mostra ao investidor que ele pode confiar no Brasil e colocar aqui seu dinheiro para gerar emprego e renda. A agenda reformista e a racionalização do orçamento são imprescindíveis e precisam ser retomadas a partir de 2023.


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