Decisão monocrática

Por
Thaméa Danelon – Gazeta do Povo

A deputada Carmem Zanotto, primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro, o presidente da República, Jair Bolsonaro e a presidente do Conselho federal de Enfermagem, Betânia Maria dos Santos, durante sanção projeto do piso salarial dos enfermeiros


Bolsonaro durante a assinatura da sanção do projeto do piso salarial dos enfermeiros.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil.

No dia 4 de maio de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) originário do Senado que criou o piso nacional da enfermagem, com o voto favorável de 449 deputados federais. Seguindo-se o rito do processo legislativo, o PL foi encaminhado ao presidente da República que o sancionou, e a Lei 14.434/2022 foi publicada em 5 de agosto de 2022.

O piso salarial foi fixado em R$ 4.750 para enfermeiros, sendo 70% desse valor para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares de enfermagem e parteiras, e teria aplicabilidade a partir do próprio dia 05 de agosto. Contudo, no dia 4 de setembro de 2022, o ministro do STF Luís Roberto Barroso, de forma liminar, suspendeu os efeitos da lei que fixou esse piso.

A questão foi levada ao Supremo através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), sob alegação de que a lei seria inconstitucional, pois deveria ter sido de iniciativa do presidente da República – uma vez que define remuneração de servidores – e que a norma teria desrespeitado a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais. Acolhendo estes argumentos, o ministro Barroso determinou a suspensão da lei.

De acordo com nosso sistema jurídico, cabe ao Supremo declarar a inconstitucionalidade de eventual lei, entretanto, essa decisão não poderia ter sido proferida de forma monocrática, pois não é isso que está previsto em nossa legislação.

Sem entrar no mérito sobre a correção ou não da fixação do piso salarial, o foco deste artigo é analisar a competência de cada poder da República, e a importância do Princípio da Tripartição dos Poderes. Ao Poder Legislativo compete elaborar as leis, legislar; a função do Executivo é executar as leis feitas pelo Legislativo, administrando o país (Executivo Federal). Por fim, cabe ao Judiciário julgar as demandas trazidas a ele com base nas leis e na Constituição da República.

No caso em análise, o Poder Legislativo cumpriu sua função, pois analisou um projeto de lei apresentado, discutiu a nova proposta no Senado e na Câmara dos Deputados; votou e aprovou o novo projeto (concordemos ou não com ele, foi aprovado pela imensa maioria do Congresso Nacional). Encaminhado o PL ao presidente da República, este sancionou o projeto de lei, e o promulgou, tornando-se uma nova lei. Agora, a pergunta: o Poder Judiciário – no caso o STF – poderia suspender a eficácia de uma lei?

De acordo com nosso sistema jurídico, cabe ao Supremo declarar a inconstitucionalidade de eventual lei, entretanto, essa decisão não poderia ter sido proferida de forma monocrática, pois não é isso que está previsto em nossa legislação. De acordo com a Lei 9.868/99, que trata sobre a Ação Declaratória de Constitucionalidade, e o próprio Regimento Interno do STF (RISTF), não há a possibilidade legal de um único ministro do Supremo declarar a inconstitucionalidade de uma lei, ou suspender seus efeitos. Segundo as normas trazidas acima, há todo um rito previsto para a análise da alegada inconstitucionalidade. A lei e o RISTF determinam que antes do Supremo decidir se uma lei é ou não inconstitucional, o ministro relator do caso pedirá informações ao Congresso Nacional; e o advogado Geral da União (AGU) e o Procurador Geral da República (PGR) deverão se manifestar em 15 dias.

Após essas providências, o relator emitirá um relatório – e não uma decisão monocrática – e o relatório será encaminhado para todos os ministros do STF. De acordo com o artigo 143 do RISTF, o quórum necessário para a votação será de 8 ministros. Essas normas também preveem a admissibilidade de uma análise cautelar, ou seja, o julgamento urgente de uma ADI, contudo, nem na Constituição, nem na Lei 9.868/99 e nem no RISTF há a previsão da possibilidade de um único ministro, de forma monocrática, determinar a suspensão de uma lei supostamente inconstitucional.


Ainda assim, essa medida já foi adotada outrora por outros ministros de forma igualmente monocrática. Mas decisões proferidas sem base legal ou constitucional não podem se tornar apenas por conta de sua repetição ou reiteração legais ou constitucionais. A legislação prevê que havendo urgência na apreciação de eventual constitucionalidade de uma lei, há a necessidade de decisão da maioria absoluta do STF, não sendo estabelecida a possibilidade de um único ministro suspender a eficácia de uma lei.

Devemos salientar ainda que o piso da enfermagem foi aprovado pelo voto de 71 senadores e 449 deputados federais, e contou com a sanção do presidente da República, sendo estes 521 agentes públicos representantes do povo que os elegeu. O voto dos parlamentares eleitos democraticamente pela população foi desconsiderado pela decisão de um único ministro, através de uma decisão monocrática, em liminar, e sem que todos os membros da Suprema Corte tenham se manifestado.

Na minha análise, isso caracteriza uma não observância da lei, e também o não respeito ao Princípio da Tripartição dos Poderes, cuja harmonia foi prejudicada diante de uma decisão judicial em desrespeito à atividade legislativa e à sanção presidencial. Aguardemos como irão se posicionar os demais ministros do STF.


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