Reino Unido

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Mariana Braga – Gazeta do Povo


A premiê Liz Truss e o rei Charles III, um dia após a morte de Elizabeth II.| Foto: EFE

A morte de Elizabeth na quinta-feira (8), apesar de gerar comoção, aumenta as tensões sobre o Reino Unido e a preservação da monarquia, especialmente na organização intergovernamental chamada de Commonwealth, que reúne 56 países de influência britânica, quase metade deles na África.

Elizabeth II faleceu dois dias após aceitar oficialmente a renúncia do ex-primeiro-ministro Boris Johnson e de aprovar a eleição da nova premiê britânica, Liz Truss. Johnson e Truss foram até o Castelo de Balmoral, na Escócia, onde se encontrava a rainha, na terça-feira (6), marcando um novo momento do governo britânico, que passa por crises econômicas e sociais.

Algumas ex-colônias, como a Austrália, já vinham intensificando o debate sobre a saída da monarquia. De acordo com uma pesquisa feita pelo ABC’s Vote Compass em maio, 53% dos australianos não aprovavam o então príncipe Charles (agora rei Charles III) como chefe de Estado da nação. Anthony Albanese, primeiro-ministro do país, investiu em uma pasta no governo responsável pela República, preparando a saída da monarquia.

Em entrevista ao jornal francês Le Monde, a historiadora Virginie Roiron, especialista na sociedade britânica do Instituto de Estudos Políticos de Estrasburgo, aponta que a “manutenção do Commonwealth será a grande obra do reinado” de Elizabeth II.

Quando se tornou monarca, o Império Britânico estava em declínio. Sob Elizabeth, as ex-colônias se tornaram independentes e foi se criado o modelo que conhecemos hoje. “A rainha acompanhou o desenvolvimento da Commonwealth na organização global atual. A preservação desta ‘família’, como Elizabeth II a chamou, será o grande trabalho de seu reinado”, reforçou Roiron.

Robert Lacey, historiador e conselheiro dos autores da série inspirada na realeza, “The Crown”, concorda sobre o papel importante de Elizabeth para a união das ex-colônias. “Índia, Paquistão, todos esses países, sentem-se pertencentes a esse grupo de nações graças à rainha”, destaca Lacey em outra entrevista ao periódico francês.

Tornando-se popular, Elizabeth II manteve a tradição do reinado à modernização da comunicação da realeza com a população. Aos 86 anos, em 2012, ela serviu de inspiração para a criação de um vídeo simulado em que a soberana saltava de paraquedas, pousando no Estádio Olímpico de Londres. Uma rainha carismática consegue manter a monarquia com menos questionamentos e críticas.

Diante da ascensão do sucessor, Charles III, a influência internacional britânica pode ficar fragilizada, assim como a permanência do modelo de governo. “Com a morte da rainha, sem dúvida veremos mais países seguirem o caminho de Barbados, que se tornou República em 2021. A rainha terá sido a última monarca planetária. Ela já era uma anomalia. Acho que o Canadá vai manter a monarquia britânica até o fim, porque é isso que o distingue dos Estados Unidos. Mas e os outros países?”, pondera o historiador Lacey.

Essa instabilidade se reflete especialmente na crise que enfrenta o Reino Unido. Ao ter que fazer pequenas (mas importantes) mudanças no Estado, como reimpressão de notas com a figura no novo rei, modificação do hino real – que é também o hino oficial de outros países do Commonwealth -, abre-se uma brecha para questionamentos: por quanto tempo o Reino Unido quer prolongar a monarquia? Essa é mesmo uma prioridade diante da crise? Qual será a influência do rei nas decisões do governo?

Influência do reinado na chefia de governo
A recém-nomeada chefe de governo do Reino Unido, Liz Truss, abriu as homenagens à soberana em uma sessão especial da Câmara dos Comuns nesta sexta-feira. Em discurso, a nova premiê ressaltou que Elizabeth II “foi uma das grandes líderes que o mundo conheceu” e “reinventou a monarquia” para adequá-la à modernidade.

Ela destacou que a monarca demonstrou sua devoção à “união” entre Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. A líder conservadora também lembrou que Elizabeth II, que conviveu com 15 primeiros-ministros britânicos, manteve reuniões semanais com eles até o fim da vida, estando estreitamente ligada às decisões do Parlamento.

A crise econômica gerada pela saída do Brexit, reforçada pela guerra na Ucrânia com aumento de preços e crise energética, resultam em uma inflação que passa de 10% no Reino Unido. Por isso, no discurso de posse de Truss, a economia entrou como um dos assuntos centrais do novo governo, com um programa de recuperação previsto para ser apresentado em menos de uma semana.

Mesmo que o Parlamento tenha liberdade política, e o rei tenha um poder simbólico e cerimonial, o impacto da sucessão na monarquia pode se refletir na economia. Priscila Caneparo, professora de Relações Internacionais do Unicuritiba, destaca que os cofres públicos alimentam a monarquia e isso pode gerar uma demanda maior para o fim desse modelo.

“Muito do turismo inglês vem do contexto de estrutura monárquica, o que também pode afetar a economia britânica”, ressalta a professora.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o economista Igor Macedo de Lucena, doutorando em relações internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política, lembra que Elizabeth soube trabalhar com o primeiro-ministro do início de seu reinado, Winston Churchill, para unir o povo britânico e superar as adversidades do pós-guerra.

“O Reino Unido está passando por um momento de greves, de aumento da inflação, sofre os reflexos de uma guerra, o que vai exigir que decisões sejam tomadas pela nova primeira-ministra (Liz Truss) e com o rei Charles III no trono. Os desafios que são colocados hoje são tão grandes quanto os que Elizabeth II enfrentou”, destaca Lucena.

Além disso, existe o risco de uma quebra da unidade nacional. A Escócia quer realizar outro plebiscito de independência em 2023. Em entrevista à Gazeta do Povo, Wilson Maske, professor de história da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirma que Charles III seguiria sendo monarca inglês e escocês ao mesmo tempo, ainda que seja aprovada a separação. Ele também é otimista sobre a forma como o governo contornará as crises.

“Os britânicos têm muita habilidade para resolver esses assuntos em termos aceitáveis, porque devido ao sistema parlamentarista muito sólido, desde que se estabeleceu a monarquia limitada com o Parlamento, em 1688, a Inglaterra não teve mais revoluções, e não por não haver situações de crise social que poderiam levar a isso, mas sim porque o regime parlamentarista criou situações que possibilitaram reformas. Os problemas atuais não ameaçam o Reino Unido e a monarquia, que já enfrentaram momentos mais difíceis, como a Segunda Guerra Mundial”, argumenta.

À nova premiê, Liz Truss, caberia manter essa força do Parlamento para domar a crise econômica e social, especialmente no próximo inverno, quando a crise energética deverá atingir o ápice na Europa. Ao novo rei, Charles III, fica o desafio de manter a influência da realeza conforme ensinou sua mãe, com a evolução (da monarquia) para evitar a revolução.


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