Posse no Supremo

Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília


Ministra Rosa Weber ficará no comando do STF até outubro de 2013, quando se aposenta| Foto: Fellipe Sampaio/ STF

A ministra Rosa Weber tomou posse nesta segunda-feira (12) como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) com uma defesa enfática da Corte, do Judiciário e da democracia. No discurso, disse que “sem um Judiciário forte e independente, sem juízes independentes, e sem imprensa livre, não há democracia”.

Já no início do discurso, manifestou “rejeição ao discurso de ódio e repúdio a práticas de intolerância, enquanto expressões constitucionalmente incompatíveis com a liberdade de expressão e manifestação do pensamento”. A democracia, disse ela, “pressupõe diálogos constantes, tolerância, compreensão das diferenças e cotejo pacifico de ideias distintas e até mesmo antagônicas”.

“Maiorias e minorias, como protagonistas relevantes do processo decisório, hão de conviver sob a égide dos mecanismos constitucionais destinados, nas arenas políticas e sociais, à promoção de amplo debate, com vistas à formação de consensos, mantidos sempre no mínimo o respeito às diferenças e às regras do jogo, além de assegurar a todos os cidadãos, um núcleo essencial de direitos garantias que não podem ser transgredidos nem ignorados.”

Depois, disse que o país vive “tempos particularmente difíceis”, com “ataques injustos e reiterados” ao STF, “inclusive sob a pecha de um mal compreendido ativismo judicial, por parte de quem a mais das vezes desconhece o texto constitucional”. Afirmou, porém, que cabe ao STF a última palavra na interpretação constitucional, por imposição da própria Constituição, que a Corte não age de ofício e que cabe a ela garantir os direitos fundamentais.

“Com esse enfoque e finalidade, em absoluto pode se falar em ofensa à separação de Poderes. Em matéria de interpretação constitucional, o STF detém o monopólio da última palavra. Em um regime democrático, todos podem debater e defender a interpretação que lhes pareça mais correta, merecendo repulsa apenas as distorções de sentido, a deformação maliciosa de conceitos”, afirmou.

Eventuais reformas políticas, quando necessárias, disse a ministra, “hão de ser implementadas, com o superior propósito de aperfeiçoamento das instituições, jamais para inibir o dissenso e excluir forças políticas com ideologia diversa. A democracia repele a noção autoritária do pensamento único”.

“Ao Judiciário compete por imposição institucional a garantira da higidez do jogo democrático, por meio da proteção de todos os seus participes”, acrescentou depois.

“Momento cobra decoro e República demanda compostura”, diz Cármen Lúcia
Primeira a se pronunciar na posse, a ministra Cármen Lúcia disse que Rosa Weber é a pessoa “adequada” para assumir a presidência do STF, pois, segunda ela, o “momento cobra decoro e a República demanda compostura”. “Tudo o que Vossa Excelência tem para servir de exemplo, em tempos de desvalores, muitas vezes incompreensíveis”, disse.

“Não se há de admitir práticas voltadas à desqualificação agressiva de instituições e de cidadãos, num indesejável Estado hobbesiano […] Não se promove a democracia com comportamentos desmoralizantes de pessoas e instituições. A construção dos espaços de liberdades não se compadece com desregramentos nem com excessos”, afirmou.

Antes, disse que o momento não é de “tranquilidade social” e “calmaria política”. “Os tempos são de tumulto e de desassossego no mundo e no Brasil”, afirmou, elogiando, em seguida, a “decência”, a “prudência”, a “solidez de posições combinada com especial gentileza de trato” de Rosa Weber.

Diversas autoridades prestigiaram a posse da nova presidente do STF. Entre elas, os presidentes do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o procurador-geral da República, Augusto Aras. O presidente Jair Bolsonaro (PL) não compareceu.

Gaúcha, Rosa Weber iniciou a carreira como juíza trabalhista em 1976. Em 1991, tornou-se desembargadora no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que presidiu de 2001 a 2003. Em 2006 assumiu o cargo de ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TSE) e, em 2011, foi escolhida para o Supremo Tribunal Federal pela então presidente Dilma Rousseff. Rosa presidiu o Tribunal Superior Eleitoral entre 2018 e 2020.

O que esperar da presidência de Rosa Weber no STF
Rosa Weber ficará no cargo só até outubro de 2023, quando completa 75 anos e se aposentará compulsoriamente. Assumirá a cadeira então o ministro Luís Roberto Barroso.

A expectativa entre auxiliares e advogados é que Rosa Weber, no comando da Corte e de todo o Judiciário, mantenha uma postura formal e discreta, avessa a polêmicas, articulações políticas e declarações públicas, especialmente num momento de tensão com o Poder Executivo, sob a presidência de Jair Bolsonaro (PL). A interlocutores, ela já disse que será firme na defesa institucional do tribunal, mas para isso deve se limitar a pronunciamentos sóbrios no plenário. Weber é conhecida por nunca falar fora dos autos, em entrevistas ou eventos.

Em julgamentos, profere votos considerados técnicos, cuidadosos e, em geral, aderentes à jurisprudência do STF. Em suas decisões monocráticas, segue o entendimento firmado pela maioria, mesmo nos casos em que sua posição é contrária à corrente dominante.

Foi assim, por exemplo, durante os três anos em que a prisão em segunda instância era aceita pela maioria dos ministros. Em 2016, quando isso foi permitido pelo plenário, ela votou contra, mas depois, em habeas corpus que chegavam ao gabinete, permitia a medida. Em 2019, quando o tema voltou à pauta do plenário e a permissão foi revertida, ela manteve posição contrária.

Nomeada pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2011, Weber foi escolhida para suceder Ellen Gracie, a primeira mulher a ter assento no STF – por isso, na época, a escolha de uma ministra era considerada simbolicamente importante. Pesou na indicação a carreira de Rosa Weber na Justiça Trabalhista, marcada por posições pró-empregados e pró-sindicatos.

No STF, buscou defender esse ponto de vista. Em 2018, ela votou pela volta do imposto sindical, mas ficou vencida. Em 2020, indicou voto contrário ao trabalho intermitente, mas pediu vista e suspendeu o julgamento. Em 2021, formou maioria para acabar com regras da reforma que restringiam a gratuidade para ajuizamento de ações por trabalhadores de baixa renda e os obrigavam a pagar honorários para advogados do empregador em caso de derrota.

Num recente artigo publicado por ocasião do Bicentenário da Independência, escreveu que “o trabalho cruel, degradante, forçado e estigmatizante, indicativo exatamente da ausência de liberdade e de dignidade, marcou a formação inicial do Estado brasileiro”.

“Urge a busca de modelo em que entidades sindicais tenham legitimidade e efetiva representatividade das categorias profissionais. Está em causa, afinal, a defesa não só do direito de negociação coletiva e da própria liberdade sindical, mas também do direito a condições de trabalho dignas, em reverência ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”, diz outro trecho do texto, intitulado “Duzentos anos de independência do Brasil e a arte de ser livre”.

Processos aguardados que Rosa Weber poderá colocar em julgamento
Ainda é incógnita entre advogados, promotores e juízes da área se, na presidência do STF e com o poder da pauta, Weber marcará julgamentos que possam reverter pontos da reforma considerados importantes para a flexibilização de contratos, num tempo de mudança nas relações entre empregados e empresas, com trabalho remoto e serviços digitais, por exemplo.

Além disso, há grande expectativa em torno da ministra pela possibilidade de submeter ao plenário casos de controversos socialmente e politicamente sob sua relatoria. Mas dentro do STF, é dado como praticamente nula a possibilidade de ela pautar esses casos neste ano, em razão da polarização política em torno das eleições.

O mais antigo e rumoroso caso é uma ação do Psol que pede a descriminalização total do aborto em gestações de até três meses. Ela já está instruída e pronta para julgamento no plenário.

Na atual composição do STF, a tendência é que a ação seja julgada improcedente. Rosa Weber deverá manter a relatoria dessa ação e caberá somente a ela liberar o caso para julgamento e também marcar a data para isso.

No campo político, caberá também a Rosa Weber liberar para a pauta e marcar o julgamento de ações da oposição que buscam derrubar o indulto concedido por Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), perdoando a pena de 8 anos e 9 meses de prisão imposta pelo STF em razão de insultos e ameaças aos ministros. Até hoje, o parlamentar responde ao processo com multas aplicadas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator de seu processo criminal.

Por fim, Rosa Weber é relatora de ações que questionam as emendas de relator, também chamadas de “orçamento secreto”, pelo qual verbas da União são direcionadas por deputados e senadores às suas bases eleitorais sem transparência quanto a destino, montante e autor da indicação. No ano passado, a ministra exigiu que essas informações fossem publicizadas, mas o STF ainda vai julgar o mérito da ação, ocasião em que poderá exigir ainda mais transparência, e com possibilidade de vetar critérios políticos de distribuição, ou seja, conforme alinhamento ao governo.

Planos de Rosa Weber na área institucional

Com pouco mais de um ano de mandato, Rosa Weber não deverá iniciar grandes projetos no Judiciário, como fizeram seus antecessores. No CNJ, a ministra prestigiará a diversidade, nomeando juízas negras e indígenas.

Para o sistema de Justiça como um todo – que envolve Ministério Público, defensorias, advocacia e demais operadores do direito –, a ministra deve chamar a atenção para a necessidade de reforçar a solução de casos de desaparecimento. Ela costuma destacar que, enquanto o número de homicídios no Brasil caiu da casa dos 60 mil para 40 mil por ano, o número de pessoas desaparecidas chegou aos 80 mil por ano.


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