Esperança
Uma coisa bem pomposa e sutil, com um quê de humor e lirismo

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


Essas são as eleições dos girassóis.| Foto: Pixabay

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis (…).

  • Fernando Pessoa

É terça-feira e meu pescoço dói. Com dificuldade e praguejando em idiomas que nem nunca ouvi, me levanto para pegar o celular que vibra insistentemente – e um tanto quanto histericamente, eu acrescentaria. É um amigo e ele está revoltado. Comigo! Pedindo desde já perdão pela hipérbole, direi que aos berros ele reclama da crônica com viagem no tempo. “Que coisa mais infantil, cara! Por que você não escreve um texto sério, de jornalista, sobre as eleições?”, insulta e em seguida pergunta o amigo.

De pronto imagino um artigo, não!, um ensaio com muitas citações e talvez até um latinzinho para enfeitar. O título tem que ser uma coisa bem pomposa e sutil, com um quê de humor e lirismo. “Mas sem mesóclise, né?”, pergunto. Do outro lado da chamada de vídeo, o amigo faz uma cara feia (a única que tem), mas concede: sem mesóclise. “Ordem dada é ordem comprida”, digo, e saio para o escritório tropeçando na ortografia. O erro do corretor automático é, na verdade, um prenúncio.

Porque, depois de passar dois dias pensando na tarefa que o cansaço me obriga a recorrer ao clichê e chamar de hercúlea, desisto da empreitada. Ao bom amigo e demais leitores que anseiam por palavras sérias, compenetradas, todas elas de fraque, com mais de quatro sílabas e enfileiradas na frase, peço desculpas. Um dia talvez, mas não hoje. Porque hoje, ah, hoje pretendo que este espaço da Gazeta do Povo seja um porto razoavelmente seguro para espíritos atribulados. Um local onde os leitores possam encontrar a esperança que é hoje um fiapinho branco perdido no grande tecido negro da política nacional.

“Meu ser cansado e humano”
Se fosse escrever um artigo sério, me veria obrigado a falar, por exemplo, das suspeitas que pairam sobre as eleições. Sendo mais preciso: sobre a apuração dos votos. Você já deve ter recebido um dos muitos vídeos que mostram a estranha simetria dos gráficos e outros indícios que, num contexto bem diferente, isto é, num contexto de democracia e liberdade franca, passariam despercebidos, mas que chamam a atenção por causa da arrogância tecnocrata de Alexandre de Moraes, Barroso, Cármen Lúcia et caterva.

Mas de que serviriam argumentos habilmente costurados em parágrafos que se sucedem até o clímax do aforismo improvável ? Para nada. Os leitores ficariam ainda mais nervosos. E temerosos. Afinal, se há alguma coisa que nos irmana nos dias de hoje é este medo que nasce da sensação de impotência. Lutamos contra um inimigo poderoso, que chega ao campo de batalha numa liteira feita com as consciências mortas do STF e apoiada sobre os ombros da inveja, do ressentimento, da arrogância e da desonestidade.

Eu poderia. Ah, se poderia. Mas não vou. Não vou me lamuriar pelos 57 milhões de eleitores que, por ignorância, fé cega, teimosia ou cálculo maquiavélico, supostamente votaram em Lula no primeiro turno. Lamentarei, sim, o fato de não terem lido nenhum dos textos que compõem a minha humilde Trilogia do Otimismo – “Não parece, mas Lula elegível é boa notícia” (de 2021), “O que você fará se Lula (toc, toc, toc) vencer as eleições?” (2022) e o recentíssimo “O que será de nós se Lula vencer as eleições?”. Mas não me derramarei em lágrimas poeticamente comparadas às pérolas que os suínos distraidamente consomem junto com a lavagem.

Da mesma forma, e embora eu tenha muito a escrever sobre todos esses assuntos sérios, que não admitem metáforas, muito menos referências ao mundo ingênuo e algo ridículo das crianças, me recuso a falar do voto nulo. Do cidadão mimado que, entre o sorvete Liberdade e o sorvete Comunismo que lhe oferecem, prefere se jogar no chão do Grande Shopping da Democracia, esperneando e gritando “Baunilha!!! Eu quero sorvete de baunilha!!!!!”.

Em vez disso, prefiro citar um poema (calma, Ewandro!). Talvez intitulado “Poema do Menino Jesus”. Talvez do Fernando. Sim, o Pessoa. Talvez aquele poema lá de cima, da epígrafe que você não leu ou leu sem prestar atenção ou o que é epígrafe? O poema pouco ou nada tem a ver com a política nacional (ainda que em seus piores momentos faça referência a um anticlericalismo tipicamente marxista). Mas termina com uma chamada ao sonho que, pensando bem, talvez seja sentimental demais. Desculpe mais uma vez. É que hoje estou amargo.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar


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