Economia
Hoje, consumo de carne bovina na Argentina é o menor em cem anos
Por
Fábio Galão
Açougueiro no bairro portenho de San Telmo: preço da carne bovina variou menos que a inflação geral em 12 meses, mas ainda ficou no elevado patamar de 67,6%| Foto: EFE/Demian Alday Estévez
O candidato do PT à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, tem utilizado o churrasco como promessa de que a renda e as condições de vida da população brasileira vão melhorar se ele obtiver seu terceiro mandato no segundo turno da eleição presidencial, no próximo dia 30.
“Quando eu falo do churrasco, é porque nós vamos voltar, consertar esse país. E vamos voltar nos finais de semana a comer um churrasquinho e tomar uma cerveja. Eles ficam doidos porque ele [o candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro] pensa que só ele pode. Mas nós podemos e vamos querer comer um churrasquinho”, afirmou, nas considerações finais do debate na Band no último domingo (16).
Em 2019, o então candidato à presidência argentina Alberto Fernández, apoiador de Lula, também utilizou o churrasco como promessa de dias melhores.
Num vídeo da campanha vitoriosa para chegar à Casa Rosada (venceria o então presidente Mauricio Macri), o político peronista e sua candidata a vice, Cristina Kirchner, mostraram um ator de semblante triste olhando uma churrasqueira sem utilização, com latas de tinta e outros objetos dentro dela, empoeirada e cheia de folhas de árvore.
“Olha, a gente tem milhares de problemas, todo dia, mas chegava o final de semana e alguém dizia: ‘Opa, que tal um churrasco?’”, dizia a voz do locutor.
“A verdade é que começar a perder essas coisas… e não estou falando de comida. Fazer churrasco era algo mais, era convidar as pessoas para ir à sua casa, receber seus amigos, rir um pouco. Para que estamos trabalhando se não for para isso?”, acrescentava a propaganda, que terminava com a mensagem: “O bom é que daqui a pouco tudo isso vai melhorar. Há esperança” – antes de mostrar os nomes de Fernández e Kirchner.
Três anos depois, o churrasco prometido pela dupla peronista está cada vez mais distante da mesa dos argentinos. Um informe recente da Bolsa de Comércio de Rosário (BCR) apontou que o consumo de carne bovina foi de 47,8 quilos por habitante na Argentina em 2021, o menor desde 1920.
No ano 2000, a média havia sido de 64,9 quilos de carne bovina consumidos por cada argentino. Naquele ano, a carne de boi representava 65% dos tipos de carne mais consumidos no país; em 2021, ficou em 44%.
Com a inflação engolindo a renda e dificultando a compra do produto, a população do país vizinho tem que recorrer a outros tipos de carne: o consumo de carne de frango passou de 27% para 41% entre 2000 e 2021, e o de carne suína, de 8% para 15%.
“Por muito tempo, a demanda por carne bovina na Argentina caracterizou-se por ter uma baixa elasticidade em relação à renda. Em outras palavras, a população não mudava muito seu consumo de carne quando sua renda diminuía. Assim, ao contrário de outros consumos alimentares, como o de produtos lácteos, o consumo de carne bovina era independente do nível dos salários médios”, apontou o relatório da BCR.
Entretanto, na última década, essa relação se estreitou. “O consumo de carne caiu à medida que caía o poder de compra real da média salarial do país. De fato, se a correlação entre essas duas variáveis for medida retroativamente, 77% da variação do consumo de carne bovina desde 2010 é explicada por variações nos salários reais”, destacou a análise.
Um estudo do Centro de Economia Política Argentina (Cepa) destacou que a diminuição do consumo de carne bovina, devido à substituição por outros tipos de carne, é um dos motivos para que de um ano para cá a inflação do produto tenha ficado abaixo da inflação geral no país, que foi de 83% em setembro no acumulado em 12 meses.
Mas, embora a variação da carne bovina tenha sido menor, ainda ficou num patamar bem elevado: 67,6% em 12 meses.
O vídeo do churrasco da campanha de 2019 virou piada na sociedade e na imprensa argentina. Em fevereiro deste ano, em um noticiário do canal LN+, o apresentador Eduardo Feinmann ironizou quando o analista econômico Willy Laborda informou que o preço do churrasco havia subido mais de 200% na gestão Fernández.
“Pobre homem, ele ainda tem as mesmas latas, as mesmas folhas de árvore dentro da churrasqueira. E não sai churrasco!”, afirmou, ao citar o personagem do vídeo de campanha de 2019.
Apesar das dificuldades para comprar o produto, comer carne bovina é tão importante na identidade local que a Argentina teve no ano passado o maior consumo per capita do alimento, com Estados Unidos e Brasil aparecendo em segundo e terceiro lugar, respectivamente, em levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizado em 35 países.
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