Editorial
Por
Gazeta do Povo


O que acontece no ambiente familiar pode ser determinante para os rumos da sociedade sob diversos pontos de vista.| Foto: Shutterstock

Há temas mais ou menos dignos em época eleitoral? Em um país com tantos desafios socioeconômicos como o Brasil, o debate entre os candidatos aos principais postos do país precisa ser centrado única e exclusivamente na economia e nas políticas de assistência social? Qual é o papel dos demais temas, especialmente aqueles que se convencionou chamar de “pauta moral” ou de “agenda de costumes”? Seriam preocupações supérfluas, de países que já não têm outros problemas a resolver, ou meios de desviar a discussão daqueles temas que “realmente importariam”?

A pauta moral, infelizmente, tem sido vilipendiada na arena pública – às vezes porque parte dos formadores de opinião tem sua própria opinião a respeito desses temas e vê com desgosto que ela não coincide com os desejos da maioria da população, às vezes porque ela acaba tratada com algum sensacionalismo por um ou mais lados envolvidos na disputa eleitoral. No entanto, por mais que desafios como a miséria, a fome ou o desemprego exijam resposta urgente dos governantes em termos de políticas públicas, seja na forma de programas sociais, seja na construção de marcos regulatórios que facilitem a geração de emprego e renda, não faz sentido afirmar que um brasileiro de estômago vazio não pode se preocupar com o que seus filhos aprendem na escola ou sobre quais comportamentos a sociedade deveria aceitar como certos ou errados, como se tais pessoas não tivessem direito a ter seus sistemas de valores – e a votar de acordo com eles.

Os temas morais, no fim das contas, são um indicador importantíssimo a respeito do tipo de país que desejamos

Como negar, por exemplo, que o fortalecimento da família é uma meta que todo governo sinceramente preocupado com sua população deveria buscar? A evidência científica que associa a desagregação familiar a um desempenho escolar mais pobre, à maior dificuldade de ascensão social e a comportamentos de risco, como o uso de drogas, é suficientemente robusta para justificar a implantação de políticas públicas que estimulem a coesão daquela que é a célula básica da sociedade. Até por isso, não é descabido trazer para o debate público e eleitoral os esforços tanto para fortalecer quanto para fragilizar e relativizar a família, inclusive com a própria redefinição do seu conceito, para que o eleitor tome ciência do que é proposto por cada força política que pretende chegar ou se manter no poder e possa endossar ou rechaçar tal ideário.

O mesmo vale para assuntos como o acesso ao aborto, as políticas sobre a posse e o uso de drogas, a legislação penal ou o currículo escolar no que diz respeito a temas morais. Independentemente de perfil socioeconômico, o brasileiro percebe a degradação moral a que o país vem sendo submetido ao longo das últimas décadas e sabe que o poder público – e isso inclui todos os três poderes – pode acelerar ou frear este processo. Considerar que tais temas merecem destaque em uma campanha eleitoral nada tem de extravagância ou de preciosismo em uma nação que também tem outros problemas a resolver; trata-se de perceber que há valores morais que são importantes para o cidadão, que por sua vez gostaria de ver suas concepções refletidas na maneira como o país é governado.


Os temas morais, no fim das contas, são um indicador importantíssimo a respeito do tipo de país que desejamos: um país que cuida dos seus membros mais vulneráveis – não apenas os mais pobres, miseráveis e famintos, mas também os inocentes e indefesos – ou que os despreza, deixando-os à própria sorte? Um país que busca unir seus cidadãos, ou que os separa de acordo com categorias as mais diversas para depois colocá-las umas contra as outras? Um país onde comportamentos que degradam o ser humano e reduzem sua capacidade de autonomia são coibidos ou encorajados? Um país onde o bem é recompensado e o mal é coibido, ou onde os violentos e corruptos são acobertados e protegidos? Não querer que tais perguntas sejam feitas no exato momento em que o Brasil elege seus governantes, ou negar que elas sejam importantes, demonstra um paternalismo que reduz tudo ao palpável ou ao econômico, e ignora que os valores de um povo importam.


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