Campanha nas redes
Por
Renan Ramalho
Brasília
Plenário do TSE na última quinta (20), quando maioria dos ministros referendou censura a documentário da Brasil Paralelo| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE
Não é apenas a censura prévia à exibição de um documentário da Brasil Paralelo que o PT buscou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na ação ajuizada na Corte no último dia 16, contra o que a coligação de Lula chama de “ecossistema de desinformação bolsonarista”, o objetivo vai muito além. No curto prazo, até o segundo turno das eleições, a pretensão é bloquear mais de 100 perfis, contas ou canais em diversas redes sociais, incluindo aí políticos da direita eleitos com ampla votação, jornalistas e influenciadores digitais com grande número de seguidores no campo conservador, e até mesmo cinco portais de notícias e opinião.
No médio prazo, após as eleições, o plano é fazer uma devassa nas finanças e contratações dos donos da produtora e de responsáveis por outros canais populares da direita no YouTube, como Folha Política, Foco do Brasil, DR News, e os de Kim Paim e Gustavo Gayer, por exemplo – há pedido para que todos eles tenham quebrados os sigilos bancário, telefônico e telemático, o que daria ao TSE amplo acesso às suas transações e comunicações, inclusive por meios digitais (e-mail, mensagens, etc.). A ideia aqui é investigar se esses produtores de conteúdo estariam ganhando e investindo dinheiro para beneficiar o presidente Jair Bolsonaro na disputa, o que, segundo o PT, poderia configurar abuso de poder econômico.
No limite, essa tese poderia levar o TSE a condenar o próprio Bolsonaro, bem como o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente, punindo-os com a cassação do novo mandato, caso eleitos, e também com inelegibilidade por 8 anos. É esta a finalidade do tipo de processo iniciado pelo PT ao TSE, com a chamada “ação de investigação judicial eleitoral”, mais conhecida no meio jurídico pela sua sigla, “Aije”. Ela visa apurar se houve, na disputa eleitoral, abuso de poder político e/ou econômico, bem como uso indevido de meios de comunicação social – o que, atualmente, segundo a jurisprudência do TSE, também inclui internet, redes socais e aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram.
Ao final do processo, caso o TSE conclua que esses abusos ocorreram e que tiveram “gravidade”, os ministros podem decidir pela condenação e pelas punições. A caracterização da gravidade varia conforme o caso e não depende do potencial daquele abuso alterar o resultado da eleição. Sua capacidade de desequilibrar a disputa de forma significativa, de qualquer modo, costuma ser levada em conta em julgamentos do tipo.
No ano passado, ao rejeitar uma cassação do atual mandato de Bolsonaro, o TSE deixou claro que a propagação massiva de “fake news” na internet pode configurar um abuso grave, portanto passível de punição, levando em conta critérios como 1) o teor das mensagens, se propositalmente enganosas; 2) sua repercussão no eleitorado; 3) o alcance do ilícito; 4) o grau de participação dos candidatos e; 5) seu financiamento por empresas.
O presidente não foi condenado porque nada disso foi provado na Aije apresentada pelo PT na eleição de 2018, que acusava Bolsonaro de se beneficiar de supostos disparos em massa de fake news pelo WhatsApp, com financiamento de empresários que o apoiavam. A denúncia nunca foi comprovada pelo PT e o Ministério Público, que participa de ações do tipo, pediu a absolvição do presidente, o que foi aprovado por unanimidade no TSE em 2021.
A atual ação do PT contra Bolsonaro e seus apoiadores digitais leva em conta esse precedente e agora tenta provar que eles formariam uma rede organizada, que deliberadamente espalham supostas ofensas e mentiras contra Lula para derrotá-lo nas urnas.
Por que o PT pediu e o TSE censurou o filme da Brasil Paralelo
O documentário “Quem mandou matar Jair Bolsonaro”, que seria lançado na última segunda (24) seria, na visão do PT, parte dessa estratégia – ainda que o partido e os ministros que vetaram sua exibição não tenham assistido ao filme.
Na ação, a coligação de Lula afirmou que, com a obra, a Brasil Paralelo criaria teorias “a fim de supostamente solucionar caso encerrado pelo Poder Judiciário” – a afirmação não é precisa, uma vez que ainda tramita na Justiça Federal inquérito para elucidar suspeitas levantadas pela defesa do presidente, como quem pagou os advogados de Adélio Bispo de Oliveira. Um dos motivos apontados pelo PT para censurar o documentário é a campanha publicitária realizada pela produtora, com ao menos R$ 70 mil investidos para promovê-lo no YouTube. Uma das propagandas mostra vídeo de Lula duvidando do atentado.
Ao atender ao pedido do PT para impedir a exibição do filme, o corregedor-nacional de Justiça, Benedito Gonçalves, entendeu que a Brasil Paralelo, bem como as empresas que mantêm canais como Foco do Brasil, DR News e Folha Política “assumiram comportamento simbiótico em relação à campanha midiática de Jair Messias Bolsonaro”.
O objetivo delas não seria informar, educar ou entreter, mas camuflar propaganda política com conteúdo supostamente desinformativo. A suspeita é de que estariam, como empresas, investindo recursos para influenciar o público para votar em Bolsonaro e assim, supostamente cometendo abuso de poder econômico. Por isso, além da censura, o ministro também cortou a monetização dos canais, obtido com anúncios e assinaturas no YouTube, e proibiu que investissem recursos para impulsionar a divulgação de quaisquer conteúdos político-eleitorais, especialmente sobre Lula e Bolsonaro.
“O que se mostra preocupante é que essas pessoas jurídicas, ao produzirem conteúdo ideologicamente formatado para endossar o discurso do candidato que apoiam, têm se valido por reiteradas vezes de notícias falsas prejudiciais ao candidato Lula, com significativa repercussão e efeitos persistentes mesmo após a remoção de URLs. Além disso, movimentam vultosos recursos financeiros, tanto arrecadados junto a assinantes e via monetização, quanto gastos em produção e impulsionamento de conteúdos”, afirmou o ministro.
A Brasil Paralelo refuta essa acusação. Sustenta que é uma empresa de mídia independente, que produz jornalismo, entretenimento e educação, com conteúdo que promove valores conservadores, e que isso não pode ser confundido com atuação eleitoral em favor de qualquer partido ou político. Por meio de sua assessoria, a empresa afirmou que está preparada para demonstrar a licitude de suas atividades e de suas finanças à Justiça.
Por que o PT quer suspender perfis de direita nas redes
Boa parte da ação do PT concentra-se em apontar a existência de um “ecossistema de desinformação” que seria operado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente e que lideraria um grupo de pessoas para produção e difusão de notícias sabidamente falsas destinadas a atacar a candidatura de Lula. A consequência seria a geração de um “caos informacional” com o propósito de usurpar o debate público e favorecer a campanha Bolsonaro.
Para embasar essa tese, a coligação de Lula monitorou as redes sociais e verificou intensa interação entre políticos, influenciadores de direita com grande número de seguidores e usuários das redes que compartilham suas postagens. Para denunciar o suposto caráter ilícito desse conteúdo, a ação agrupa o material em quatro grupos temáticos: violência e criminalidade, religião e costumes, descredibilização do sistema eleitoral e pautas socioeconômicas. Assim, junta exemplos de ilações espalhadas em cada um desses grupos envolvendo Lula, seja ligando-o ao crime organizado, ao satanismo, à participação numa fraude às eleições, ou a medidas radicais na economia, por exemplo.
Na ação, o PT juntou decisões do TSE que caracterizaram postagens assim como sabidamente inverídicas ou gravemente descontextualizadas. Elas poderiam servir de provas da desinformação promovida pelo grupo, o que caracteriza o uso indevido dos meios de comunicação.
“Os investigados conseguem a predominância das pautas da comunicação social (PCC, fraude nas urnas, religião e costumes etc.) a partir da ampla divulgação de desinformação, valendo-se de conteúdos sabidamente inverídicos, com requintes de apelos emocionais, além da sua ampla rede de seguidores, chegando a formar uma estrutura de monopolização do território virtual”, diz um trecho da ação, destacado por Benedito Gonçalves em sua decisão.
Nela, o ministro reconheceu haver “indícios de uma atuação concertada para a difusão massificada e veloz de desinformação” que tem Lula como principal alvo. Ele, no entanto, não atendeu ao pedido de liminar para suspender esses perfis das redes sociais. Disse que o mais comum na Justiça Eleitoral é remover postagens específicas, não suspender perfis. Optou, assim, por dar a Carlos Bolsonaro a oportunidade de se defender no processo. A reportagem buscou falar com o vereador e com sua defesa, mas não conseguiu contato por seu gabinete na Câmara Municipal do Rio.
Advogado de Bolsonaro nessa campanha, o ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira Neto diz que a rede de apoiadores do presidente não tem essa organização apontada pelo PT. Segundo ele, ela é natural e não artificial. Ele sustenta que quem age de forma estruturada para espalhe mentiras é a campanha do PT com o deputado federal André Janones (Avante-MG) – a defesa de Bolsonaro já apresentou outra Aije no TSE para cassar seu mandato.
“Uma coisa é fazer espalhamento orgânico, socialmente tolerável, outra coisa é fazer esses canhões de comunicação. Aí a diferença entre uso e abuso”, diz Tarcísio.
Por que o PT colocou políticos aliados de Bolsonaro na ação
Além de Bolsonaro e Braga Netto, o PT também inclui como alvos da ação políticos aliados do presidente, como os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Paulo Eduardo Martins (PL-PR), Caroline de Toni (PL-SC), o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), todos aliados próximos do presidente. O PT pede que eles também tenham os perfis bloqueados nas redes sociais de forma temporária, até o segundo turno das eleições.
Se de um lado o PT acusa a Brasil Paralelo de abuso de poder econômico, de outro acusa os esses políticos de abuso de poder político. A tese aqui é de que, por serem detentores de mandatos públicos e valendo-se da imunidade parlamentar, eles praticariam ações nas redes sociais para incentivar uma “ruptura democrática”.
A ação não apresenta provas dessa acusação, mas pede ao TSE para obter do Supremo Tribunal Federal (STF) material já coletado no inquérito das “milícias digitais”, fruto do inquérito das “fake news”, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. Até o momento, essas investigações não resultaram em qualquer denúncia contra os deputados.
Em relação a Bolsonaro, a ação aponta “conduta reprovável e antidemocrática”, porque, segundo o PT, ele não buscaria convencer o eleitor “por meios que preservam os preceitos constitucionais”, mas sim com “objetivo de plantar uma ruptura de poderes, numa escalada autocrata de eliminação do instrumento mais essencial do Estado Democrático de Direito: o sistema eleitoral e o voto direto”.
A advogada Karina Kuffa, que chefiou a defesa jurídica de Bolsonaro no TSE em 2018 e hoje defende os deputados Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli e Bia Kicis diz que essas acusações não fazem sentido, porque, como parlamentares, eles têm imunidade justamente para defender, dentro do que prevê a Constituição, mudanças nas instituições.
“A garantia da imunidade é justamente para que o parlamentar critique qualquer órgão, qualquer sistema, qualquer autoridade sem sofrer retaliações. A partir do momento em que se tolhe a imunidade sob o manto de proteger a instituição TSE, tolhe o direito do representante do povo trazer à tona a indignação do povo. Quando um deputado defende uma mudança, pode fazer isso, porque pode mudar o sistema eleitoral, por exemplo. Quando Bolsonaro foi deputado federal, ele apresentou um projeto e aprovou uma lei visando aperfeiçoar a urna eletrônica e esse aperfeiçoamento foi derrubado pelo Judiciário”, diz a advogada.
Kuffa, no entanto, teme as consequências da ação. Lembra que, ao contrário do ocorrido em 2018, na campanha deste ano o PT conseguiu do TSE dezenas de decisões para remover conteúdo postado por apoiadores que podem servir de provas de “fake news”. Ela, no entanto, sustenta que o presidente não pode ser responsabilizado por postagens de eleitores. Além disso, diz que do lado de Lula também há grande disseminação de ataques com mentiras contra Bolsonaro. “Mesmo que não tenham sido ajuizadas tantas ações contra o PT por fake news, o fato é que existem ataques contra Bolsonaro também”, diz.
O que diz a defesa de Lula
À reportagem, o advogado de Lula junto ao TSE, Cristiano Zanin, afirmou que o primeiro objetivo da Aije é frear abusos durante a campanha que possam desequilibrar o pleito.
“A primeira preocupação trazida ao tribunal e que foi acolhida, no primeiro momento pelo ministro relator e agora referendada pelo plenário, é para que esse ecossistema de desinformação cesse sua atuação nociva ao processo eleitoral, através da disseminação de notícias falsas e desinformação”, disse na última quinta (20), logo após o plenário do TSE, referendar, por 4 votos a 3, o veto à exibição do documentário da Brasil Paralelo.
Questionado sobre outras medidas requeridas na ação para o período posterior à eleição – como a cassação de mandatos e a inelegibilidade, Zanin disse que “é algo que vai ter que ser discutido”.
“Há prazo para apresentação de defesa, de informações. E nós também vamos acompanhar o processo de acordo com aquilo que for acontecendo, também vamos apresentar ao tribunal, se for o caso, novos elementos, para reforçar aquilo que já mostramos numa fase inicial”, afirmou.
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