Foto: Maxim Shemetov/Reuters
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Por Thomas Friedman – Jornal Estadão
Presidente russo usa petróleo e gás contra países que apoiam Ucrânia na guerra e deve intensificar pressão no inverno
Conforme o Exército russo continua a fracassar na Ucrânia, o mundo se preocupa com a possibilidade de Vladimir Putin usar uma arma nuclear tática. Talvez — mas por agora acho que Putin está acionando uma outra arma, uma bomba de petróleo e gás natural que ele esta montando bem diante de nossos olhos e com nossa ajuda inadvertida — e ele poderia facilmente detoná-la neste inverno.
Se Putin o fizer, isso poderia mandar para a estratosfera os preços do óleo de aquecimento das residências e da gasolina. A consequência política, Putin certamente espera, dividirá a aliança ocidental e fará com que muitos países — incluindo os Estados Unidos, onde tanto os republicanos trumpistas quanto os progressistas expressam preocupações a respeito do custo cada vez mais elevado do conflito na Ucrânia — busquem um acordo sujo com o homem no Kremlin; prontamente.
Em suma: Putin combate neste momento uma guerra terrestre para romper as linhas ucranianas e uma guerra energética em dois fronts, para quebrar a determinação da Ucrânia e de seus aliados. Ele está tentando aniquilar o sistema de eletricidade ucraniano para impingir um inverno longo e gelado, ao mesmo tempo que se coloca em posição (de maneiras que explicarei adiante) de aumentar os custos de todos os aliados da Ucrânia. E porque nós — os Estados Unidos e o Ocidente — não temos uma estratégia energética em prática para atenuar o impacto da bomba energética de Putin, a perspectiva é assustadora.
Quando se trata de energia, nós queremos cinco coisas que são incompatíveis — e Putin sabe disso.
Nós queremos descarbonizar nossa economia o mais rapidamente possível para mitigar os perigos muito reais das mudanças climática.
Nós queremos os preços mais baixos possíveis de gasolina e óleo de aquecimento, para podermos dirigir nossos carros o quanto quisermos, na velocidade que quisermos, e jamais termos de vestir agasalhos em ambientes fechados ou fazer qualquer coisa para poupar energia.
Nós queremos dizer a petroditadores no Irã, na Venezuela e na Arábia Saudita que é hora de partir.
Nós queremos ser capazes de tratar empresas americanas de petróleo e gás natural como párias e dinossauros, que deveriam garantir nosso lado na atual crise de petróleo e ir se danar depois; e permitir que as fontes solar e eólica tomem conta.
Ah, e não queremos nenhum oleoduto ou gasoduto novo, nem linhas de transmissão de energia eólica ou solar estragando nossos jardins.
Eu entendo por que as pessoas querem essas cinco coisas — e agora. Eu quero todas essas cinco coisas! Mas elas envolvem contrapartidas que poucos de nós querem reconhecer ou debater. Em uma guerra energética, como a que estamos envolvidos neste momento, precisamos ser claros em relação a metas e prioridades. Enquanto país — e enquanto aliança ocidental — nós não possuímos nenhuma escada de prioridades sobre energia, apenas aspirações em competição e pensamentos mágicos de que poderíamos ter isso tudo.
Se persistirmos com isso, viveremos em um mundo de sofrimento se Putin detonar a bomba energética que ele pensa estar montando para explodir no Natal. Veja o que penso ser sua estratégia: Ela começa fazendo os EUA utilizar sua Reserva Estratégica de Petróleo, que é um imenso estoque de petróleo em cavernas gigantescas, que podemos utilizar em alguma emergência para compensar qualquer corte na produção doméstica ou nas nossas importações. Na última quarta-feira, o presidente Joe Biden anunciou a utilização de mais 15 milhões de barris da reserva em dezembro, completando um plano que ele havia delineado anteriormente de utilizar um total de 180 milhões de barris, em um esforço para manter os preços da gasolina ao consumidor o mais baixo possível — previamente às eleições de meio de mandato. (Ele não mencionou esta última parte, nem precisou).
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De acordo com uma reportagem do Washington Post, a reserva continha “405,1 milhões de barris até 14 de outubro. Isso corresponde a cerca de 57% de sua capacidade máxima autorizada de armazenamento, de 714 milhões de barris”.
Em simpatizo com o presidente. As pessoas realmente sofrem com o galão de gasolina a US$ 5 ou US$ 6. Mas usar a reserva — que foi projetada para nos proteger em face a algum corte súbito na produção doméstica ou global — para produzir um desconto de US$ 0,10 ou US$ 0,25 no galão de gasolina antes das eleições é um jogo arriscado, mesmo se o presidente tiver um plano para reabastecer a reserva nos próximos meses.
Putin quer que os EUA esgotem ao máximo sua protetora Reserva Estratégica de Petróleo agora — da mesma maneira que os alemães desistiram da energia nuclear, para depois se viciar no barato gás natural da Rússia. E quando o fornecimento de gás russo foi cortado por causa da guerra na Ucrânia, lares e fábricas da Alemanha tiveram de diminuir o consumo desesperadamente e apelar para alternativas mais custosas.
A seguir, Putin assiste a União Europeia se equipando para banir importações marítimas de petróleo russo, o que começará em 5 de dezembro. Esse embargo — juntamente com o movimento da Alemanha e da Polônia para cessar as importações via oleodutos — deve abranger aproximadamente 90% das atuais importações da União Europeia de petróleo russo.
Conforme notou um relatório recente do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington: “Crucialmente, as sanções também proíbem as empresas da UE de fornecer seguros sobre o frete, intermediar serviços ou financiar exportações de petróleo russo para outros países”.
O Departamento do Tesouro dos EUA e a União Europeia acreditam que, sem esses seguros, o número de compradores do petróleo russo diminuirá dramaticamente — e então dizem aos russos que são capazes de segurar seus navios petroleiros com as poucas seguradoras ocidentais que dominam o setor apenas se a Rússia baixar o preço do petróleo que exporta para um nível estabelecido pelos europeus e americanos.
A Arábia Saudita, parceira da Rússia na Opep+, certamente não está interessada em ver estabelecido um precedente de teto de preços
Minhas fontes na indústria petroleira afirmam duvidar seriamente que esse teto de preços imposto pelos ocidentais vá funcionar. A Arábia Saudita, parceira da Rússia na Opep+, certamente não está interessada em ver estabelecido um precedente de teto de preços desse tipo. Além disso, o comércio internacional de petróleo é repleto de personagens obscuros — o nome Marc Rich lhe remete a algo? — que prosperam sobre as distorções do mercado. Navios petroleiros carregam transponders que rastreiam suas localizações. Mas embarcações envolvidas em atividades obscuras desligam seus transponders e reaparecem dias depois depois de fazer alguma transferência entre navios ou antes de transferir sua carga para tanques de armazenamento em algum ponto da Ásia para reexportação, de fato lavando o petróleo russo que transportam. Apenas um navio petroleiro é capaz de carregar o equivalente a US$ 250 milhões em petróleo, então as motivações desse esquema não enormes.
Agora acrescente mais um jogador esquivo à mistura: a China. Os chineses possuem todo tipo de contrato com preço fixo a longo prazo para importar gás natural liquefeito do Oriente Médio a um valor aproximado de US$ 100 o barril equivalente de petróleo. Mas por causa da tresloucada estratégia do presidente Xi Jinping para conter a covid — nos meses recentes cerca de 300 milhões de cidadãos viveram sob lockdowns totais ou parciais — a economia chinesa diminuiu consideravelmente de ritmo, assim como seu consumo de gás. Como resultado, dizem-me fontes da indústria petroleira, a China está pegando parte do GNL que compra pelos contratos a preço fixo para uso doméstico e revendendo para a Europa e outros países sedentos de gás a US$ 300 o barril equivalente de petróleo.
Agora que Xi assegurou seu terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista, muitos esperam que ele alivie seus lockdowns. Se a China voltar a consumir o gás que consumia normalmente e parar de reexportar excedentes, o mercado global de gás ficará ainda mais assustadoramente aquecido.
Finalmente, como notei, Putin está tentando destruir a capacidade da Ucrânia gerar eletricidade. Hoje mais de um milhão de ucranianos estão sem energia e, conforme tuitou um legislador ucraniano semana passada: “Escuridão total e frio estão a caminho”.
Então some tudo isso e depois suponha: Chega dezembro, e Putin anuncia que está cessando todas as exportações russas de petróleo e gás para os países que apoiam a Ucrânia por 30 ou 60 dias, em vez de se submeter ao teto de preços da União Europeia sobre o petróleo russo. Ele poderia arcar com isso por algum tempo, ainda que curto. Essa seria a bomba de Putin no Natal do Ocidente. Nesse mercado de oferta restrita, o preço do barril do petróleo poderia subir para US$ 200, com elevação proporcional no preço do gás natural. Estamos falando do galão da gasolina a US$ 10 ou US$ 12 para o consumidor americano.
A beleza para Putin de uma bomba de energia é que, ao contrário de uma bomba atômica, cuja explosão uniria o mundo inteiro contra ele, fazer explodir os preços do petróleo afastaria o Ocidente da Ucrânia.
Obviamente, estou apenas tentando adivinhar o que Putin está tramando, e, se o mundo entrar em recessão, a crise poderia fazer baixar os preços da energia. Mas seria prudente termos uma contraestratégia pronta, especialmente porque, ainda que alguns países na Europa tenham conseguido estocar algum gás para este inverno, reconstruir esses estoques para 2023 sem gás russo e com a China voltando ao normal poderia ser muito caro.
Se Biden quer que os EUA sejam o arsenal da democracia, para nos proteger e aos nossos aliados democráticos — e não nos fazer implorar para Arábia Saudita, Rússia, Venezuela ou Irã produzir mais petróleo e gás — precisamos de um robusto arsenal energético tanto quanto do arsenal militar. Porque estamos em uma guerra energética! Biden precisa fazer um grande discurso, deixando claro que no futuro próximo precisaremos de todas as fontes de energia que temos. Investidores americanos da indústria de petróleo e gás têm de saber que, contanto que eles produzam da maneira mais limpa possível, invistam em sequestro de carbono e garantam que qualquer novo oleoduto ou gasoduto que construam seja compatível com transporte de hidrogênio, que provavelmente será o melhor combustível limpo para a próxima década, eles são bem-vindos no futuro energético dos EUA, juntamente com os produtores de energia limpa — solar, eólica, hidroelétrica e de outras fontes — que Biden heroicamente impulsionou com sua legislação ambiental.
Eu sei, não é o ideal. Não é neste ponto que esperei que fôssemos estar em 2022. Mas aqui estamos, tudo mais não passa de pensamento mágico — e a pessoa que menos se engana com isso é Vladimir Putin. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO