Futuro governo
Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília
Representantes do Alto-Comando do Exército participam de cerimônia de promoção de oficiais-generais, em agosto deste ano| Foto: Antônio Oliveira/Ministério da Defesa
Em aceno às Forças Armadas, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende respeitar o critério da antiguidade na escolha dos próximos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, tradição na qual o chefe do Executivo federal indica um dos oficiais-generais com mais tempo no topo da carreira para assumir o comando de sua respectiva instituição.
Lula já deixou claro que seu ministro da Defesa será um civil, mas quer ter uma relação amistosa com a caserna. A opção pelo critério de antiguidade na escolha dos comandantes é o primeiro passo. O gesto foi confirmados por interlocutores que iniciaram um diálogo com o Alto Comando das Forças Armadas.
O general da reserva Gonçalves Dias, ex-chefe da segurança de Lula durante a campanha e também nos oito anos em que o petista foi presidente da República, é um dos nomes escalados para a construção de pontes com as Forças Armadas e para a articulação dos nomes a serem indicados para o comando das instituições militares.
O respeito à tradição da antiguidade é um gesto bem recepcionado pela caserna e a definição dos comandantes costuma ser uma das primeiras decisões na construção do relacionamento entre o presidente eleito e as Forças Armadas. Em 21 de novembro de 2018, por exemplo, o então gabinete de transição do presidente eleito Jair Bolsonaro definiu os três indicados pela adoção do mesmo critério.
Para o Exército, Lula tem quatro nomes para escolher que preenchem o critério de antiguidade. São eles:
General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste;
General Valério Stumpf Trindade, chefe do Estado-Maior do Exército;
General Julio Cesar de Arruda, chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC);
Estevam Theophilo, comandante de Operações Terrestres.
O mais antigo na hierarquia do Exército é o general Arruda – ele chegou ao posto de quatro estrelas (a mais alta patente) em março de 2019. A CNN aponta, porém, que o general Paiva seria o favorito pela proximidade que tem com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB). Paiva foi ajudante de ordens do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O general reformado Paulo Chagas avalia que quaisquer um dos quatro agradaria a caserna. “O melhor critério para Lula é escolher o mais antigo, mas todos os nomes são excelentes”, diz.
A articulação do entorno de Lula tem por intuito quebrar resistências que existem a um terceiro mandato do presidente eleito e a um quinto do PT. A caserna é leal à Constituição e a cúpula demonstra boa disposição em dialogar, mas uma parcela das Forças Armadas vê com desconfiança o governo eleito.
Quais são as resistências das Forças Armadas ao novo governo Lula
O argumento nas Forças Armadas para a oposição a uma nova gestão petista é de que o PT tem uma ideologia “radicalmente” contrária à dos militares. Embora as críticas ao partido sejam mais contundentes aos anos de gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, uma parcela dos oficiais e oficiais-generais da ativa e da reserva contesta o posicionamento de alguns membros da legenda sobre as instituições.
O plano de Lula para os militares e as Forças Armadas não agradou a caserna com sugestões de criação de uma Guarda Nacional e de despolitização das instituições. “Criar uma Guarda Nacional para nós ‘cheira’ a milícia que tem na Venezuela, em Cuba e em outros países”, critica o coronel da reserva Raul Sturari, presidente do Instituto Sagres. “Também é importante destacar que as Forças Armadas se mantiveram afastadas do jogo político e continuaram alheias à política”, complementa.
Desafeto entre os militares, o diplomata Celso Amorim, ex-ministro da Defesa, alimentou ainda mais a antipatia de parte dos militares com o PT quando falou em “despolitizar as Forças Armadas” em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em setembro deste ano. Outro a enfurecer a caserna foi o ex-deputado federal José Genoíno, ex-presidente nacional do PT. Em novembro de 2021, ele defendeu reformas e mudanças em várias diretrizes das Forças Armadas em entrevista ao canal Opera Mundi, do YouTube.
Além da “despolitização” das instituições, Genoíno sugeriu uma integração militar dos países latino-americanos; ajustes na mudança na promoção de militares e reforma dos currículos; e a eliminação do artigo 142 da Constituição, que estabelece o papel das Forças Armadas.
Embora Genoíno não componha mais a cúpula PT, os militares acreditam que as ideias defendidas por ele tenham lastro no partido. “Mexer nessa parte de currículos e promoção de oficiais seria mexer num vespeiro. Sobre essa questão de integração militar, isso seria uma tropa internacional? Isso para nós não dá certo de jeito nenhum. Já mexer no artigo 142 é até estranho, mas eu não diria que isso é uma preocupação imediata nossa”, diz Sturari.
As análises do presidente do Instituto Sagres são endossadas pelo general Paulo Chagas. “O que Lula precisa fazer para se aproximar e construir pontes com as Forças Armadas é não mexer com os militares. São leais à Constituição e vão cumprir o seu dever, não tem o que inventar. Artigo 142, por exemplo: em todas as Constituições as Forças Armadas estiveram subordinadas ao Poder Executivo”, afirma.
Que outros gestos Lula pode fazer para se aproximar dos militares
Além de evitar ajustes em temas sensíveis para as Forças Armadas, militares consideram que Lula pode assumir compromissos adicionais à definição dos comandantes pelo critério de antiguidade. A começar pela escolha de um ministro civil com autonomia e o mínimo de “alinhamento” com a caserna.
Nos 14 anos em que o PT permaneceu no poder, os militares conviveram com sete ministros da Defesa civis. Alguns são mais criticados que outros, como Celso Amorim e Jaques Wagner, apontados como integrantes de uma ala “radical” da esquerda. Outros são apontados como competentes, “mas arrogantes”, como Nelson Jobim.
A fim de construir uma boa relação com os militares, Lula sinaliza nos bastidores com os nomes de Alckmin e do ex-ministro Aldo Rebelo (PDT), que comandou a Defesa no fim da gestão Dilma. O vice-presidente eleito é visto por alguns militares como um perfil mais centrado, mas outros têm suas reservas por declarações ditas por ele em 2017, quando defendeu “unificar tudo” e propor um regime previdenciário para todos o funcionalismo, inclusive as Forças Armadas.
A hipótese de mexer na Previdência dos militares enfrentaria resistência. “Para nós, militares, isso é quase ponto pacífico. Seria mesmo desastroso para as Forças Armadas, porque isso para nós é caríssimo”, sustenta o coronel Raul Sturari.
Entre os militares reformados e da ativa ouvidos em caráter reservado pela Gazeta do Povo, o nome mais bem aceito para a Defesa é Rebelo. “Dos ministros civis, para mim, ele foi o melhor. Conhece bem e nos respeita muito, é um estudioso da história militar brasileira e tem muito orgulho dela. Ele é um cara extremo-nacionalista”, afirma o general Paulo Chagas.
Mesmo tendo sido filiado ao PCdoB, Chagas assegura que as atitudes de Rebelo não são de comunista, socialista ou mesmo petista. “Ele tem perfil de nacionalista”, diz. “O Aldo é um nome muito bem aceito. Embora tenha um posicionamento ideológico diferente, ele é um nacionalista e tem pontes de contato com o Exército”, endossa Sturari.
Outro ponto observado por militares para uma boa relação entre a caserna e Lula é o investimento nas Forças Armadas. “Continuar os investimentos e dar fôlego em projetos estratégicos é um tema bastante sensível. Nos outro governos do Lula, ele fez isso”, destaca o analista político Alexis Risden, consultor especialista em segurança e defesa nacional da BMJ Consultores Associados.
O especialista pondera, porém, que um terceiro governo Lula pode enfrentar dificuldades em assegurar os investimentos dado o comprometimento fiscal com outras pautas prioritárias. “O Lula não teve medo de fazer grandes investimentos para ser amigo e ter bom contato com as Forças. Mas com o rombo que tem pela frente, de onde ele vai tirar dinheiro? Não sei se, agora, ele vai tirar mais da Defesa em comparação ao que Bolsonaro fazia por causa disso”, diz.
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