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Jornais da Alemanha consideram vitória de Lula boa notícia tanto para a proteção climática como para a democracia. Críticas à falha de Bolsonaro em reconhecer derrota, e ao mito de que ele foi bom para a economia.
O Brasil na imprensa alemã (09/11)© Andre Penner/AP Photo/picture alliance
Die Zeit – Floresta e eleição (03/11)
A vitória de Lula é boa para a Amazônia e, portanto, para o mundo. Mas ele também pode curar seu país?
O fato de Lula da Silva, esse velho obstinado da esquerda latino-americana, ter vencido as eleições brasileiras fez grande parte do mundo suspirar aliviada. Esta eleição também preocupava muito o mundo. Pois a vitória de Lula era, sem dúvida, a última chance para a Amazônia, cuja preservação é tão crucial para o clima e a biodiversidade.
O presidente atual, Jair Bolsonaro, havia explicitamente deixado a maior floresta tropical do planeta à mercê da destruição por madeireiros, mineradoras e fazendeiros saqueadores; enquanto Lula assumiu um compromisso sério com a proteção da floresta já na noite da eleição, que pode até chegar ao reflorestamento parcial. Ele também quer exigir fundos internacionais maciços e apoio técnico para isso. É por este motivo que no último minuto se fez convidar para a conferência do clima no Egito.
Pelo menos tão ameaçada como a floresta tropical está a democracia. Mas o mundo democrático pode ter esperanças de obter de Lula um comportamento muito diferente: que ele encontre uma receita para desfazer o dano imposto à democracia brasileira nos últimos quatro anos.
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Os exemplos mostram a velocidade com que um regime de ultradireita pode atualmente erodir uma democracia e suas instituições. Eles também mostram o quão sobre-humanas são as expectativas que pesam sobre Lula: que, com sua mistura de carisma e mentalidade representativa, apelos à reconciliação nacional e negociação paciente na velha tradição sindical, encontre um antídoto para o veneno da era Bolsonaro.
Se ele fracassar, Jair Bolsonaro ou seus imitadores voltarão em breve. Eles vão se vingar. Claro que também na floresta tropical.
Die Tageszeitung – Os vagos dois minutos de Bolsonaro (03/11)
Após 45 horas de silêncio, o presidente do Brasil derrotado nas urnas, Bolsonaro, diz que a transição de governo está prestes a começar. No entanto, ele não admite sua derrota diretamente.
O Brasil debate sobre um discurso de dois minutos. Passadas 45 horas desde sua derrota eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro compareceu diante da imprensa na tarde de terça-feira. Não parabenizou Luiz Inácio “Lula” da Silva pela vitória eleitoral, nem admitiu diretamente a derrota. No entanto, Bolsonaro se comprometeu com a Constituição e anunciou, por meio do chefe da Casa Civil, que a transferência do cargo seria iniciada.
Em seu perfil no Twitter, a Suprema Corte confirmou que, com o anúncio, o governo reconhecera os resultados das eleições. Segundo informações da imprensa, Bolsonaro teria dito em reunião com ministros da Corte: “Acabou”. Em 1º de janeiro, Lula, que foi eleito no domingo e governou o país de 2003 a 2011, toma posse na capital, Brasília.
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O fato de Bolsonaro não estar buscando um grande rompimento também se deve à pressão externa. Vários aliados já reconheceram a eleição, e muitos no exterior também já contam com uma mudança de poder. O presidente dos EUA, Joe Biden, foi um dos primeiros a parabenizarem Lula no domingo.
Bolsonaro também poderia tentar abrir espaço para negociação – porque várias investigações estão em andamento contra o político de ultradireita, o que pode ser perigoso para ele, sem sua imunidade presidencial.
Wirtschaftswoche – Clima ao invés de motosserra (04/11)
O novo presidente do Brasil, Lula, quer reposicionar seu país como pioneiro em proteção climática global. Em Berlim já existem planos concretos de cooperação. Mas o maior obstáculo aguarda Lula em seu próprio país.
Os protetores climáticos do governo alemão voltam a ter esperança. E essa esperança tem sua fonte a vários milhares de quilômetros de distância. Após as eleições presidenciais, o Brasil deve voltar a ser a força motriz, uma potência líder entre os países emergentes no que diz respeito à proteção climática – bem a tempo da cúpula mundial do clima, que começa neste fim de semana na estância balnear egípcia de Sharm el-Sheikh.
“Queremos apertar a mão do Brasil muito rapidamente”, diz o secretário de Estado Jochen Flasbarth, do Ministério do Desenvolvimento da Alemanha. O veterano alemão em cúpulas do clima, que já negociou no encontro várias vezes em nome da Alemanha, já tem um projeto muito específico em mente: o Fundo Amazônia para a preservação da floresta tropical, que Noruega e Alemanha congelaram há três anos. Agora, milhões devem fluir novamente, mesmo que Flasbarth ainda não queira se comprometer com quantias exatas.
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A vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva agrada aos amigos da proteção climática em Berlim e em outros lugares. Lula também tem Marina Silva, sua ex-ministra do Meio Ambiente, de volta a seu lado. E mesmo que o ícone do movimento ambientalista enfrente dificuldades, porque os conservadores ainda têm muito poder no sistema político: no exterior, muitos contam com um recomeço depois da derrota nas urnas do atual presidente Jair Bolsonaro.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – Esperança para o Brasil ( 07/11)
É bom que Lula tenha ganhado a eleição. Mas ele enfrenta tarefas difíceis.
Tem sido uma boa semana desde que o Brasil elegeu um novo presidente. Muitos dizem que os brasileiros tiveram que escolher entre a peste e a cólera. De um lado, o atual presidente populista de direita Jair Bolsonaro; do outro, o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, ex-líder sindical e presidente do Brasil de 2003 até o fim de 2010.
Lula venceu a eleição, embora por pouco, com 50,9% dos votos. Que os brasileiros o tenham escolhido, é uma boa notícia para o Brasil e para o mundo. Porque a suposição de que Lula e Bolsonaro são ambos igualmente ruins não é correta.
Há uma diferença fundamental de qualidade entre os candidatos que nunca deve ser esquecida, apesar de todos os pontos pessoais fortes e fracos: Lula seguiu as regras democráticas durante toda a sua vida. Ele se resignou às derrotas eleitorais: antes de se tornar chefe de Estado pela primeira vez em 2003, perdeu três eleições presidenciais consecutivas. Ele resistiu à tentação de buscar um terceiro mandato ilegítimo em 2011 (a Constituição do Brasil só permite dois mandatos consecutivos) – mesmo tendo quase 90% de aprovação popular na época.
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Mesmo assim, persiste entre os empresários brasileiros o mito de que Bolsonaro fez bem à economia do país. É verdade que ele conseguiu fazer algumas privatizações e pelo menos iniciou uma reforma previdenciária. Mas na verdade Bolsonaro causou danos duradouros ao seu país. Na pandemia, recusou a compra antecipada de vacinas, apesar de seu governo ter recebido tal oferta. Resultado: em quase nenhum outro país do mundo morreram tantos pelo coronavírus como no Brasil.
Bolsonaro assustou investidores internacionais com sua retórica agressiva e não se importou com o livre comércio. E gastou muito dinheiro em caros presentes eleitorais para salvar sua presidência nos últimos metros da corrida. Uma abordagem inteiramente baseada no modelo da esquerda, que Bolsonaro tanto gosta de criticar.