Lúcio Vaz


Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega comanda a repressão a jornalistas.| Foto: EFE/Jorge Torres

Na América Latina, 2022 foi o ano com o maior número de assassinatos de jornalistas nos últimos 30 anos – 35 casos. A metade dos jornalistas mortos em todo o mundo. Mais 340 jornalistas sofreram ameaças. Na Conferência Latinoamericana de Jornalismo de Investigação (Colpin), no Rio de Janeiro, na semana passada, exilados de Cuba e da Nicarágua e repórteres em atuação no México e no Brasil relataram em detalhes as ameaças e perseguições que sofreram.

Na Nicarágua, 54 emissoras de rádio e televisão foram fechadas e 140 jornalistas atuam no exílio. “Em meu país, não há uma separação de poderes. A Justiça é uma extensão do Executivo”, afirmou o nicaraguense Octávio Enríquez. “Há um jornalista que está preso por publicar um twit crítico à ditadura”, completou. Hoje no exílio, ele conquistou o 3º lugar no Prêmio Latino-Americano de Jornalismo Investigativo do Instituto Prensa y Sociedad (Ipys), com a reportagem “Negócios de família: a riqueza dos Ortega na Nicarágua”. O anúncio dos vencedores foi feito na Colpin.

Daniel Ortega foi presidente da Nicarária de 1979 a 1990. Retornou a assumir o cargo em 2006, sendo reeleito em 2011, 2016 e 2021. Na última eleição, houve a prisão de vários de seus opositores. A relação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com Ortega foi explorada pelo presidente Jair Bolsonaro na sua fracassada campanha pela reeleição.

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“Decidimos sair para contar a Nicarágua”
Octávio Enríquez relatou: “Em Nicarágua, não há liberdade de associação. No diário La Prensa há oito trabalhadores que foram condenados por imputações falsas. Não há propriamente casos jurídicos, o que existe são fabricações judiciais. Quando me perguntam: porque saíste do país? eu digo: decidimos sair para seguir contando a Nicarágua num lugar seguro. É o que fazemos há quase um ano e meio. Somos 140 jornalistas no exílio. Falamos pelo digital porque impresso não há mais, também foram fechados pela ditadura”.

“Muita gente pensa: um meio de comunicação pode ter um anúncio, um financiamento, mas não. Isso é para um país normal. Na Nicarágua, isso não existe. E são evacuações de emergência. Há evacuações em salas de redação, há saída de jornalistas com seus familiares. Quem está fora, tem que tomar medidas de segurança porque de alguma forma está vinculado ao seu país, pelos familiares”, contou Enríquez.

O jornalista contou os últimos momentos vividos no seu país: “Em junho de 2021, eu trabalhava num meio que foi confiscado. Nós não estávamos trabalhando numa redação, mas fazendo um jornalismo livre. Havíamos feito uma grande cobertura das eleições. Críamos que seria um momento histórico. Nunca cogitamos que seríamos presos. E também estávamos trabalhando sobre os negócios da família presidencial. Nessa época, já não estava em casa, estava me movendo por diferentes lugares”.

“Mandaram dois policiais em minha casa. Disseram a minha mulher que eu teria que me apresentar imediatamente. Eu publiquei uma coluna falando que não estava mais em Nicarágua. E, finalmente, publicamos a investigação. A partir de então, minha esposa e meus filhos passaram a dormir em casas distintas. Saímos em 24 de junho. Finalmente, nos juntamos em dezembro, estamos em Costa Rica, iniciamos uma nova vida e seguimos trabalhando”.


José Gallego narrou o que ocorre em Cuba. “Nosso país tem a nefasta particularidade de ser a ditadura mais longeva do continente. E parece que vai continuar tendo responsabilidade pela mudança política que vem ocorrendo em outros países na região. Em Cuba temos o totalitarismo, que é diferente do autoritarismo porque totaliza todas as esferas da vida social. Em Cuba há um único partido político, não há separação de poderes. Pela via judicial, não há nada que se possa fazer para enfrentar o Estado. Não existem organizações da sociedade civil. Os meios de comunicação só podem ser do Estado”.

O jornalista detalhou como acontece a perseguição a jornalistas: “Pode ir desde citações policiais, que podem ser oral, interrogatório constante, espionagem eletrônica. O assassinato de reputação é constante nas redes sociais. Há um grupo de servidores que se dedicam a atacar os jornalistas, muitas vezes com conteúdos sexuais, com orientações homofóbicas”.

Disse que os abusos se estendem pelas famílias. “Busca-se a desestabilização emocional da família para que exerçam pressão sobre você para que abandone seu trabalho. São comuns as detenções e os desaparecimentos. Nos translados, há técnicas de tortura comum a outras ditaduras, com o uso de capuz na cabeça. Há um decreto que penaliza a atividade em linha, com multa de mil pesos a quem atente contra a moral e os bons costumes ou passe informações falsas”.

Gallego falou do tratamento dispensado aos presos: “No momento, temos dois jornalistas presos, condenados a 5 e15 anos de prisão. Nas prisões de Cuba não entram as organizações internacionais. Provocam enfermidade e não autorizam o atendimento médico. Não são permitidas colaborações internacionais a jornalistas. Isso é penalizado com 10 anos de prisão”.

Assassinatos de Jornalistas
A jornalista mexicana Adela Navarro afirmou que “o principal problema para o exercício da liberdade de expressão no México é o assassinato de jornalistas. De 36 a 37 jornalistas assassinados do mundo, um terço aconteceu no México. Doze perderam a vida a mando de assassinos que a Justiça mexicana não identifica. No caso da Baixa Califórnia, dois foram assassinados neste ano; entre eles, Lourdes Maldonado. Pagaram US$ 3 mil a cada um dos três assassinos. Não há investigações sobre quem está por trás desses crimes. Nesse caso, entra a política porque Lourdes mantinha um litígio com um ex-governador da Baixa Califórnia. Não sabemos até que ponto está implicado”.

Ela falou do governo de López Obrador, que recebeu Lula em março deste ano, para uma “reunião de amigos”, como disse o mexicano. Navarro fez críticas ao presidente: “Temos um governo que é muito insensível com a liberdade de expressão como exercício de Estado de Direito. Nesse contexto de impunidade, crescem o narcotráfico e o crime organizado. Agora há também o ataque da Presidência da República, que considera os jornalistas de investigação como inimigos. Outra maneira de pressionar é o terrorismo fiscal. Há também espionagem. Espionaram um jornalista e um defensor dos direitos humanos através de sistemas que introduzem nos celulares. Mas temos também organizações civis nacionais e internacionais que nos respaldam”.

“Um tiro na cara”
A jornalista brasileira Juliana Dal Piva, do Uol, falou da violência contra jornalistas no governo Jair Bolsonaro: “A violência contra jornalistas no Brasil está no interior. Não parecia tão grave como ocorreu nos últimos anos no governo Bolsonaro. Um dos trabalhos que fizemos desde o começo do governo foi investigá-lo porque sua família começou a ser investigada por um caso de corrupção. Quando passamos a investigar mais, vimos que Bolsonaro era o líder de sua família. No ano passado, contamos os 30 anos da sua vida pública, com revelações inéditas. Começamos a ter provas diretas de que ele estava envolvido”. O material foi revelado num podcast.

Em 3 de julho do ano passado, ela procurou Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro, para a ter posição do presidente sobre as reportagens que foram publicadas naquela semana. No dia 9 de julho, ele enviou a seguinte mensagem: “Você é comunista? Soldada da esquerda brava? Por que você não vai realizar seu sonho comunista em Cuba? Por que não se muda para a grande China Comunista e vai tentar exercer a sua profissão por lá? Faça lá o que você faz aqui no seu trabalho, para ver o que o maravilhoso sistema político que você tanto ama faria com você. Lá na China você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo”.

Em setembro de 2019, Juliana já havia procurado Wassef para saber se ele concederia uma entrevista para explicar pontos da defesa de Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. O advogado atendeu a chamada por WhatsApp e iniciou um longo monólogo de críticas à imprensa e às reportagens publicadas: “Você aí dentro desse imenso prédio azul do Globo acha que é a toda poderosa Juliana dal Piva, mas quando você sai na rua você é só mais uma que pode tomar um tiro no meio da cara porque a violência no Rio de Janeiro é muito grave”.

A jornalista fez uma denúncia formal à Justiça. “Porém, quando saiu a primeira decisão judicial, o juiz interpretou é que era uma mensagem privada e que não respeitei a privacidade do advogado de Bolsonaro. Essa decisão é uma ameaça a outros periodistas do Brasil. Se outros recebem ameaças por mensagem, essa decisão não os deixa denunciar. Tu não podes publicar a prova de que foi ameaçado. Estamos tentando uma nova análise, recorremos ao Tribunal de São Paulo, mas não saiu decisão”. O blog enviou uma mensagem a Wassef para questioná-lo sobre as mensagens agressivas. Não houve resposta.


Fundação pela Liberdade
Os dados sobre ameaças e assassinatos de Jornalistas na América Latina foram informados ao blog pelo diretor da Fundação pela Liberdade de Imprensa, Jonathan Bock, que participou do debate sobre perseguição a jornalistas na Colpin. “Na América Latina, é geral violência com os jornalistas. Nos últimos dois anos, foram ameaçados 340 jornalistas. A situação é muito grave em algumas regiões, como nas zonas de fronteira ou nas zonas onde há maior produção de narcotráfico”, afirmou.

Ele acrescentou que 2022 foi o ano com o maior número de assassinatos de jornalistas nos últimos 30 anos. Foram 35. “A metade dos jornalistas assassinados em todo o mundo, incluindo países como Ucrânia e outros com conflitos muito intensos. No México a situação é muito grave, assim como no Haiti, onde foram assassinados cinco. Em Honduras, também cinco. A este se soma outro tipo de ataque: jornalistas têm sido presos, há os que estão no exílio, tendo que fazer seus trabalhos de outros países. Os discursos contra a imprensa vêm de governos, que querem instalar uma narrativa de que o jornalismo é inimigo interno e que é preciso impor limites e que há de se derrotá-los”.

Bock acrescentou que, em Cuba, há muitos exilados, que trabalham de outros países. A informação chega pela internet: “Esta é realmente a única maneira de fazer um exercício mais livre de jornalismo. Em Cuba não permite a ninguém manifestar suas opiniões de maneira diferente do que diz o governo”. Sobre o Brasil, comentou: “Durante os quatro anos de governo, muitos ataques em linha promovidos por Bolsonaro acabaram gerando um ambiente muito agressivo e violento para os jornalistas e quem fazia críticas ao governo pelas redes sociais.

A fundação é sustentada por financiamentos de cooperação internacional. A verba parte de diferentes governos como Suécia, Noruega, Alemanha, Reino Unido, além de organizações da sociedade civil como Luminate e Open Society.

Maioria das redações fora de Cuba
As cubanas exiladas Darci Batista, de 28 anos, e Cláudia Cueto, de 30 anos, também participaram da Colpin. Darci falou ao blog sobre a experiência de falar sobre Cuba estando fora do país. Ela trabalha num jornal da Flórida (EUA). “Temos que falar de uma Cuba com sua diáspora de exilados. E estava criada esta plataforma com bastante pessoas de origem cubana. Isso me permitiu ter um maior vínculo com o jornalismo, descobrindo temas de Cuba. Eu havia trabalhado cinco anos desde Cuba, o que me permitiu ter uma renda e acesso a fontes”.

“Esses tempos de pandemia também demonstraram que poderíamos chegar a muitas pessoas através desse acesso tecnológico [Internet]. E me mantive em contatos com meios independentes cubanos. Hoje, a maioria das redações se encontra fora de Cuba. E é claro que o contexto de autoritarismo do país praticamente obriga os jornalistas a sair. Têm a sorte de continuar exercendo o jornalismo… a sorte ou a desgraça”, lamentou.

Darci mantém contatos em Cuba. “Sim, tenho contato permanente com pessoas dentro de Cuba, que tem se fortalecido depois de uma data muito significativa que foi 11 de julho de 2021. Os cubanos da maioria das províncias saíram às ruas a protestar, algo que não havia ocorrido nas décadas anteriores. Isso me possibilitou ter esses contatos de onde eu vivia através da tecnologia. Documentamos a repressão, a violência estatal durante os protestos”.


“Não há informações Públicas”
Cláudia afirmou que há muitos jornalistas cubanos que vivem fora do país. “Muitos tiveram que migrar, pelas pressões, pela perseguição à imprensa independente em Cuba. Eu fui ao México fazer um mestrado numa universidade, mas sempre me mantive fazendo jornalismo sobre Cuba. Por um lado, tem suas dificuldades porque tem histórias que é melhor estar em sua terra, para ter informações em primeira mão, também para ter acesso a fontes”.

Mas ela afirma que, atualmente, “isso é impossível porque o jornalismo independente em Cuba é ilegal. Você não pode, como jornalista, chegar a uma instituição e pedir dados, pedir uma entrevista, porque o que você está fazendo é ilegal. Tu podes ser preso. Essas fontes não se perdem, mas perdemos as fontes comuns, do dia a dia. Você não tem um panorama tão completo como as pessoas que estão dentro do país”.

Cláudia ressalta que “em Cuba não há informações públicas. Não se pode fazer jornalismo econômico, de dados. Fizemos uma série de investigações de funcionários do governo cubano que registram empresas no exterior, como se fossem privadas, mas são do governo cubano, e funcionam como testa de ferro. Esse trabalho eu pude fazer sem estar em Cuba. Outra experiência foi criar alianças colaborativas de jornalistas que estão dentro do país com outros que estão fora”.

Ela começou a trabalhar em Cuba: “Comecei a trabalhar com meios independentes em Cuba. Naquele momento, havia uma pressão menor do que agora. Depois, foi crescendo. Sempre havia o perigo. O governo não permite que saiam do país. Ficamos como presos. Não é permitido contar histórias de serviços nas comunidades marginalizadas. Vi pessoas que o único que tinham era um bico de luz. Não tinham refrigerador, nada para cozinhar, nada, nada. Quando se está fora, se pode contar o que ocorre em Cuba”.

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