Presidente do TSE

Por
Renan Ramalho – Gazeta do Povo
Brasília


Alexandre de Moraes disse que urnas questionadas pelo PL também foram usadas no primeiro turno, para escolha de deputados, senadores e governadores| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE
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O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, rejeitou nesta quarta-feira (23) a ação apresentada pela coligação do presidente Jair Bolsonaro (PL) para invalidar os votos de 59,2% das urnas eletrônicas usadas no segundo turno da eleição. Além disso, condenou a coligação formada pelos partidos PL, PP e Republicanos a pagar uma multa de R$ 22,9 milhões por “litigância de má-fé”.

O ministro considerou que as legendas acionaram a Justiça com o intuito de tumultuar o processo eleitoral já finalizado. A coligação apresentou uma ação no TSE solicitando que os votos computados em 279.336 urnas de modelos anteriores a 2022 fossem invalidados com base em uma auditoria contratada pelo Partido Liberal (PL) de Valdemar da Costa Neto. A auditoria alega ter identificado “fatos e indícios” de problemas nos dispositivos mais antigos.

“A total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e anti-democráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência vem obstruindo diversas rodovias e vias públicas em todo o Brasil, ficou comprovada, tanto pela negativa em aditar-se a petição inicial, quanto pela total ausência de quaisquer indícios de irregularidades e a existência de uma narrativa totalmente fraudulenta dos fatos”, escreveu Moraes na decisão.

No mesmo despacho, o presidente do TSE determinou ainda: 1) o bloqueio e a suspensão dos repasses do Fundo Partidário aos partidos citados até que a multa seja quitada; 2) a abertura de um processo administrativo pela Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar “eventual desvio de finalidade na utilização da estrutura partidária, inclusive de Fundo Partidário”; e 3) a inclusão da auditoria do PL no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga a atuação de uma suposta milícia digital para atacar a democracia e as instituições.

“Os Partidos Políticos, financiados basicamente por recursos públicos, são autônomos e instrumentos da Democracia, sendo inconcebível e inconstitucional que sejam utilizados para satisfação de interesses pessoais antidemocráticos e atentatórios ao Estado de Direito, à Justiça Eleitoral e a soberana vontade popular de 156.454.011 (cento e cinquenta e seis milhões, quatrocentos e cinquenta e quatro mil e onze) eleitoras e eleitores aptos a votar”, escreveu Moraes no despacho desta quarta.

Na terça-feira, logo após o ajuizamento da representação, o ministro havia intimado a coligação a ajustar o pedido para abranger também a invalidação dos votos de primeiro turno registrados nas mesmas urnas. Mas, nesta quarta, a coligação informou ao TSE que manteria apenas os questionamentos aos votos computados no segundo turno. Em despacho, Alexandre de Moraes tinha concedido 24 horas para a coligação aditar a ação (fazer o acréscimo das urnas usadas no primeiro turno). Ao fazer isso, ele buscou desestimular o avanço do processo, mas o partido insistiu na tese da ação.

“O aditamento era absolutamente necessário por uma questão evidente de coerência, com todas as consequências processuais que daí adviriam, inclusive, e no mínimo, a citação de candidaturas outras como litisconsortes passivos necessários. Ademais, ainda que – por hipótese – a discussão pudesse ficar restrita ao Segundo Turno das Eleições 2022, não haveria nenhuma razão para que o alegado vício ou suposto mau funcionamento de urnas eletrônicas – se existisse – fosse discutido apenas no que toca às eleições para Presidente da República”, argumentou o presidente do TSE.

O pedido original do PL pretendia validar somente os resultados gerados por 192.691 mil urnas do modelo mais recente, fabricado em 2020, que correspondem a 40,8% do total das 472.027 máquinas usadas na eleição. Nessas urnas, o presidente Jair Bolsonaro teria vencido a disputa do segundo turno, com 51,05% dos votos, contra 48,95% de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No resultado geral, com todas as urnas, o petista venceu com 50,9% dos votos, contra 49,1% de Bolsonaro.

A coligação de Bolsonaro havia pedido para invalidar parte dos votos sob a alegação de mau funcionamento das urnas dos modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015, que teriam gerado “logs” (arquivos digitais, que registram todas as atividades da máquina) com o mesmo número de identificação, quando deveriam gerar códigos individualizados. A coligação do presidente alegou que essa falha também torna incertos os resultados que apresentaram. Isso não teria ocorrido nas urnas mais novas, de 2020.

Ao rejeitar a ação, nesta quarta, Moraes citou parecer da Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE que diz que todas as urnas são identificadas individualmente por outro número, do “código de carga”. Com base nisso, ele afirmou que  os argumentos da coligação de Bolsonaro “são absolutamente falsos, pois é totalmente possível a rastreabilidade das urnas eletrônicas de modelos antigos”.

“O código da carga é um número gerado a partir do ‘código de identificação da urna’, da identificação da seção, da data e hora da carga da urna, do identificador do conjunto dedados e de um número aleatório; O ‘código da carga’ é o elemento que efetivamente identifica uma urna no processo eleitoral e permite a total rastreabilidade dos resultados produzidos pelo equipamento. Esse código é gravado no arquivo de log da urna eletrônica; O ‘código da carga’ e o ‘ID Urna’ são partes integrantes dos Boletins de Urna. Logo, é descabida a afirmação de ‘incerteza’ quanto a autenticidade do resultado, pois os arquivos estão explicitamente associados”, diz o documento citado.

Com base nisso, Moraes afirmou que “as urnas eletrônicas, de todos os modelos, são perfeitamente passíveis de plena, segura e clara identificação individual, uma a uma” e que os mecanismos de identificação das máquinas são “coexistentes”, “múltiplos” e “redundantes”, para “garantia e resguardo da identificação individual das urnas”. “Também é assim para proteger e resguardar os próprios votos sigilosos depositados nas urnas eletrônicas.”

Ao intimar a coligação de Bolsonaro para incluir no pedido a invalidação dos votos computados nas urnas mais antigas no primeiro turno, Moraes buscou desestimular o avanço do processo. Isso porque, assim, a coligação estaria colocando em risco praticamente toda a eleição, pois as urnas antigas foram distribuídas por todo o país. A invalidação de todos os votos registrados por elas levaria, no limite, a uma nova totalização dos votos para todos os cargos, inclusive dos 99 deputados federais e os 8 senadores eleitos pelo PL, partido de Bolsonaro. Todos eles passariam a fazer parte do processo, inviabilizando-o na prática.

Nos bastidores, porém, dirigentes e parlamentares mais experientes do PL, que não são tão próximos de Bolsonaro, admitem que a ação no TSE tinha poucas chances de prosperar. Eles consideram impossível que a Corte, em sua atual composição e sob o comando de Alexandre de Moraes, atendesse a qualquer pedido que pudesse gerar ainda mais dúvidas sobre o processo eleitoral e tumultue a transição para o novo governo.

O próprio Moraes já disse várias vezes que a eleição acabou, que Lula será diplomado em dezembro e empossado em janeiro. Qualquer avanço no processo estimularia mais desconfiança e protestos contra o resultado da eleição e fragilizaria ainda mais a credibilidade do TSE na condição de organizador das eleições. Por isso a percepção de que o processo não avançaria.

Presidente do PL tenta se equilibrar para agradar a Bolsonaro e ao TSE
Quem assumiu o protagonismo público de questionar as urnas em nome de Bolsonaro foi o ex-deputado e presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto. Valdemar buscou se equilibrar para atender aos desejos de Bolsonaro e contemplar boa parte da bancada mais ligada a ele. Se publicamente é ele quem falou sobre a ação da coligação, em conversas reservadas com os ministros do TSE e do STF, evitava afrontar a Justiça Eleitoral – que tem o poder de fiscalizar as contas do partido e retirar dele fatias dos fundos partidário e eleitoral, caso considere irregulares suas receitas e despesas.

Do ponto de vista formal, a ação da coligação de Bolsonaro era baseada numa norma interna do TSE que permite a entidades fiscalizadoras do processo eleitoral e a partes interessadas realizar uma “verificação extraordinária” dos resultados de uma eleição. A Resolução 23.673/2021 do Tribunal, aprovada em dezembro do ano passado, estabelece que isso é possível, “desde que sejam relatados fatos e apresentados indícios e circunstâncias que a justifiquem, sob pena de indeferimento liminar”.

A resolução diz que uma ação do tipo deve conter um plano de trabalho descrevendo as verificações pretendidas, como serão aferidas e os objetivos a serem alcançados. É possível verificar os sistemas instalados nos computadores do TSE e nas urnas eletrônicas, inclusive com a exibição de logs e a reimpressão dos boletins de urna – arquivos emitidos por cada máquina com a soma dos votos em cada candidato naquela seção e que são a base oficial da totalização dos votos que geram o resultado oficial da eleição. A resolução permite ao partido fazer um espelhamento dos sistemas, de modo a preservar os originais intactos.

A ação da coligação de Bolsonaro anexou esse plano de trabalho, propondo que fosse criada uma comissão técnica de especialistas na área, sem filiação a qualquer partido nem ligados à Justiça Eleitoral, para executar essas tarefas. O partido listou seis etapas de verificação, basicamente para confirmar o mau funcionamento das urnas na geração dos arquivos de log, inclusive um erro, também relatado na ação, que poderia violar o sigilo do voto de eleitores. Auditoria encomendada pelo PL ao Instituto Voto Legal (IVL) identificou nos logs que várias urnas travaram e tiveram de ser religadas, momento em que o log registrou o número do título ou o nome do eleitor que votava no momento da pane.

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Cármen Lúcia é quem ficaria com o caso se não fosse arquivado
Apesar de Alexandre de Moraes ter assumido a condução inicial da ação do PL, o processo havia sido distribuído, por sorteio, para a relatoria da ministra Cármen Lúcia. Em tese, caberia a ela decidir sobre as próximas fases do caso no TSE, se o processo não tivesse sido arquivado.

Durante toda a campanha deste ano, a ministra atuou de forma bastante alinhada com o presidente da Corte e, em alguns momentos, em ações delicadas, não fez objeções quando ele decidiu em seu lugar.

Bolsonaro questionou urnas antes e durante a eleição
Desde antes da eleição, o presidente lançava suspeitas sobre as urnas eletrônicas e mobilizou também as Forças Armadas para analisar a fundo o sistema de votação eletrônico. Após o segundo turno, a Defesa emitiu um relatório em que não apontou fraude na votação, mas não excluiu essa possibilidade, em razão de riscos no processo de preparação das urnas no TSE.

Também por pressão de Bolsonaro, o PL contratou o Instituto Voto Legal (IVL), comandado pelo engenheiro Carlos Rocha, um dos desenvolvedores do primeiro modelo da urna eletrônica, nos anos 90, para uma auditoria no sistema eletrônico de votação. Em setembro, o partido divulgou um resumo da primeira fase do trabalho, em que apontou 24 falhas, especialmente ligadas ao descumprimento de normas de segurança pelo TSE. Neste mês, apresentou ao PL um novo relatório, apontando o problema do número único de identificação na maior parte das urnas, inscrito nos arquivos de log emitidos no segundo turno da eleição.


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