Críticas e reclamações

Por
Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília


O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) e o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) na audiência pública do Senado| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

A Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle do Senado realizou uma audiência pública nesta quarta-feira (30) para discutir um suposto desequilíbrio nas inserções de rádio nas eleições deste ano. A pauta oficial, porém, se transformou em um debate acerca de suspeitas sobre as urnas eletrônicas, o sistema eleitoral e a atuação de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Parlamentares e convidados para falar na audiência, que durou cerca de dez horas, acusaram os magistrados de abuso de autoridade.

Autor do pedido de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que pretende investigar abusos cometidos por ministros do TSE e do STF, o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) avaliou que não há “desculpa” para a Câmara não “começar os trabalhos imediatamente” e até sugeriu transformar a investigação em uma comissão mista (CPMI), com a participação de senadores.

O advogado e jurista Ives Gandra afirmou que a harmonia entre os poderes não tem sido respeitada e manifestou seu entendimento de que, apesar do respeito que tem pelos ministros do STF, “eles têm entrado na competência” dos poderes Executivo e Legislativo, e até do Ministério Público Federal (MPF), ao citar como exemplo o chamado inquérito das “fake news”. “O Supremo investiga e dá início a ações mesmo quando a Procuradoria-Geral da República pede que seja arquivado”, disse.

O presidente do Instituto Voto Legal (IVL), Carlos Rocha, participou da audiência e defendeu a auditoria produzida por sua empresa ao Partido Liberal (PL), que aponta possíveis irregularidades nas urnas eletrônicas. O relatório embasou o ação do Partido Liberal (PL) que pediu a invalidação dos votos de 279 mil urnas. A representação foi rejeitada por Moraes.

Quem também levantou suspeitas foi o fundador da empresa argentina Numen Publicidad, Fernando Cerimedo, que reforçou dados apresentados no início do mês segundo os quais modelos mais antigos das urnas eletrônicas tenderiam a registrar mais votos para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que para o presidente Jair Bolsonaro (PL) na eleição deste ano. Responsável pelo canal argentino La Derecha Diário, ele mantém relação próxima com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

O empresário Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação (Secom) do governo federal, foi o primeiro debatedor a falar e denunciou que a campanha de Bolsonaro não teve exibidas 1,253 milhão de inserções em emissoras de rádio durante as eleições. Pelos cálculos dele, que coordenou o núcleo de comunicação da campanha, isso corresponderia a R$ 38 milhões ao erário em mídia não entregue. Ele citou que as rádios compensam tributos pela veiculação de inserções no período eleitoral.

Na reta final do segundo turno, a campanha de Bolsonaro denunciou ter tido 154 mil inserções a menos que a campanha de Lula nas rádios e acionou o TSE para investigar um suposto boicote de emissoras de rádio na divulgação da propaganda eleitoral. A ação foi rejeitada pelo presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, que ainda pediu à Procuradoria-Geral da República (PGR) para investigar “possível cometimento de crime eleitoral” pela campanha.

O que foi debatido sobre abuso de autoridade de ministros do TSE e STF
Além de reforçar o entendimento de que existe uma invasão das competências do Judiciário sobre os demais poderes, o jurista Ives Gandra Martins ainda que disse que o país vive um “neoconstitucionalismo”, o que denominou como uma “corrente consequencialista” do direito.

O jurista contesta os atos do Judiciário em “corrigir rumos” do Executivo e de legislar no “vácuo” do Legislativo e considera que, muitas vezes, o Congresso não legisla por respeito à vontade do povo. “Quando o Legislativo não legisla, legisla por uma razão, porque sente a vontade do povo. Não legislar, muitas vezes, é respeitar a vontade do povo”, comentou.

Quem também se manifestou sobre abuso de autoridade foi o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Sebastião Coelho, que sugeriu a prisão do ministro Alexandre de Moraes ao discursar num trio elétrico em manifestação em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, pela atuação do magistrado no inquérito das fake news.

O desembargador alertou para o risco de uma convulsão social do país, disse que a ordem institucional está rompida e que Moraes pratica, “reiteradamente”, crimes, e que o magistrado é “antidemocrático”. Sobre a fala de que o magistrado deveria ser preso, Coelho não recuou e reforçou. “Uma filha minha me disse: ‘pai, alguém escreveu que vai dar três dias para você estar em público se retratando’. Eu estou aqui reafirmando em vez de me retratar”, disse.

Coelho acusou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de prevaricar, e disse que a melhor “providência” contra o abuso de autoridade cabe aos senadores. O desembargador sugeriu que os senadores peçam uma reunião com os ministros do STF e o encerramento dos inquéritos da fake news e o que apura supostas milícias digitais”. “Se o Supremo aceitar essa proposta, nós começaremos a ter o processo de pacificação do país. Agora, eles não podem ter o benefício de alegar se o Senado não for até lá”, afirmou.

O que foi dito sobre a contestação ao resultado das urnas
Sobre a contestação do PL ao resultado eleitoral embasada pela auditoria do Instituto Voto Legal, o engenheiro Carlos Rocha disse que o trabalho feito é exclusivamente técnico e que sua empresa segue especificamente as instruções fornecidas pelo TSE na resolução 23.673/21, que dispõe sobre os procedimentos de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação.

“O que temos feito como equipe técnica trabalhando para o Partido Liberal segue exatamente aquilo que foi regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral”, destacou Rocha. O presidente do IVL disse que a resolução traz uma seção específica para a verificação extraordinária após o pleito, com dois artigos que possibilitam uma “verificação extraordinária” do processo eleitoral.

O artigo 51 da resolução diz que “entidades fiscalizadoras poderão solicitar verificação extraordinária após o pleito, desde que sejam relatados fatos e apresentados indícios e circunstâncias” que justifiquem a contestação. Dessa maneira, Rocha disse ter identificado três registros que “conflitam” com as especificações técnicas e com a legislação.


O primeiro ponto apontado por ele é uma “série errada” em todas as séries do logs (registros de eventos) das urnas eletrônicas. Segundo Rocha, é o primeiro indício de mau funcionamento. Outro ponto é o de travamento de urnas desligadas “pela chave” do fiscal de sala, o que sugerem, de acordo com ele, “possível falha no programa da urna”. Outro alerta feito por ele é a informação do nome de eleitores nos casos de trava, o que, segundo ele, fere o sigilo do voto e “é um problema e indício de mal funcionamento” das urnas.

O que mais foi dito sobre desequilíbrio nas inserções em rádios
Coordenador de imprensa da campanha de Bolsonaro, Fabio Wajngarten também defendeu a metodologia usada pelas auditorias realizadas para a contestação do suposto boicote de emissoras de rádio na divulgação da propaganda eleitoral. Ele disse que todas as auditorias de mídia que anunciantes privados contratam se baseiam no streaming, e que 95% das rádios transmitem o mesmo sinal, seja pelo streaming ou pelo ar.

“Não é verdade que a metodologia adotada pela campanha do presidente é uma metodologia que não condiz com o que realmente aconteceu”, sustentou. Wajngarten disse que é dever das campanhas eleitorais auditar as veiculações, como disse o ministro Alexandre de Moraes, e não do TSE.

Porém, ele destacou ser dever do TSE promover um “check-list” sobre as rádios que deixaram de divulgar as inserções. Ele explicou que, a exceção dos fins de semana, as campanhas eram obrigadas a encaminhar a Corte dois arquivos diários, um às 14h, o “mapa de mídia”, e o “plano de mídia”, às 16h. Segundo Wajngarten, a campanha de Bolsonaro cumpriu a determinação.

“Questionei severamente as áreas de operação de mídia para saber se houve alguma falha do nosso lado de operações de envio de material, mas não ocorreu”, declarou. “É atribuição do veículo de comunicação ir ao pool e baixar tanto o plano de mídia quanto os materiais que seriam vinculados. Esta é a atribuição das rádios e emissoras de TV”, complementou.

Porém, Wajngarten disse que não é possível saber quantas rádios baixaram ou não os materiais e acredita que isso poderia ser possível se o TSE promovesse uma checagem em tempo real. “É dever do TSE, com toda a tecnologia e estrutura que diz possuir, com tanta segurança que diz desenvolver, ele deveria, simplesmente, ao lado de cada veículo, colocar verde ou vermelho se as rádios baixaram ou não o material obrigatório”, disse.

O que diz o requerimento que possibilitou a audiência pública
O autor do requerimento, senador Eduardo Girão (Podemos-CE), defendeu a audiência com o objetivo de “discutir a fiscalização das inserções de propagandas politicas eleitorais”. Em sua justificativa, ele até alerta para “indícios de falta de isonomia” e o que entende ser uma “enorme desproporção” em inserções de propaganda de rádio durante a campanha eleitoral do segundo turno.

A justificativa apresentou observações sobre a “a questão da segurança das nossas urnas eletrônicas” e o que considera um “desconforto na relação entre o Poder Executivo e o Judiciário, em especial o Tribunal Superior Eleitoral”, mas o requerimento não expressou objetivamente a proposta de discutir o abuso de autoridade e as contestações ao resultado eleitoral exposto pelos debatedores.

O amplo debate foi, porém, sinalizado pelos convites expostos. O jurista Ives Gandra, o deputado Marcel van Hattem, o engenheiro Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal, e o empresário argentino Fernando Cerimedo, da Numen Publicidad, Fernando Cerimedo, do canal La Derecha Diário.

O senador Girão iniciou a audiência com críticas ao TSE, que, para ele, “se comportou como um partido político”. “As irregularidades tiveram início em 2021, com intervenção política do ministro [Luís Roberto] Barroso, na época presidente do TSE, ao vir pessoalmente ao Congresso Nacional, aqui ao lado, na Câmara, articular junto aos partidos políticos a derrubada de uma iniciativa importantíssima, que seria o voto auditável”, comentou.

Para Girão, a “confusão” do atual cenário político poderia ser evitada caso a PEC do voto impresso auditável tivesse sido aprovada e “o processo tivesse seguido o fluxo normal”. “Só fez aumentar o que aconteceu quanto à confiabilidade das urnas”, comentou.

O líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), participou da comissão e questionou Fábio Wajngarten sobre as inserções e se o ministro das Comunicações, Fábio Faria, teria sido ameaçado por ministros do TSE a recuar, quando disse ter se arrependido da denúncia. Sobre a pergunta, o ex-Secom do governo disse que o ministro “possa não ter compreendido tecnicamente a gravidade do fato”.

O senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) também marcou presença e propôs que senadores e deputados peçam investigação na Polícia Federal (PF) sobre as suspeitas acerca das inserções. Além dele, outros senadores fizeram uso da palavra, como Guaracy Silveira (PP-TO), Marcos do Val (Podemos-ES), Zequinha Marinho (PL-PA), Esperidião Amin (PP-SC) e Marcos Rogério (PL-RO). O senador eleito Magno Malta (PL-ES) também fez uso da palavra.

Além dos senadores, deputados federais também participaram da audiência. Entre eles, Otoni de Paula (MDB-RJ), Luiz Lima (PL-RJ), Carla Zambelli (PL-SP), Daniel Silveira (PTB-RJ), José Medeiros (PL-MT), Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), Osmar Terra (MDB-RS), Filipe Barros (PL-PR), Bia Kicis (PL-DF). O deputado federal eleito Gustavo Gayer (PL-GO) também se manifestou.

O que o TSE já disse sobre as acusações feitas na audiência

Sobre as inserções de rádio, o ministro Alexandre de Moraes rejeitou o pedido de investigação do PL sob a alegação de que os fatos narrados ao TSE foram “extremamente genéricos e sem qualquer comprovação”. O presidente do TSE também solicitou que fosse investigado eventual “crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno” das eleições por parte da campanha à reeleição de Bolsonaro.

Em comunicado à imprensa na ocasião, o TSE se eximiu de eventuais responsabilidades sobre o caso, afirmando que “compete às emissoras de rádio e de televisão cumprirem o que determina a legislação eleitoral” e que “não é função do tribunal distribuir o material a ser veiculado no horário gratuito”.

A Corte Eleitoral afirmou ainda que a “fiscalização é responsabilidade dos partidos e das coligações” e que, “em caso de a propaganda não ser transmitida pelas emissoras, a Justiça Eleitoral, a requerimento dos partidos políticos, das coligações, das federações, das candidatas, dos candidatos ou do Ministério Público, poderá determinar a intimação pessoal da pessoa representante da emissora para que obedeçam, imediatamente, às disposições legais vigentes e transmitam a propaganda eleitoral gratuita”.

Sobre o pedido do PL de anulação de votos de 279 mil urnas, Moraes afirmou que o pedido teve o intuito de tumultuar o processo eleitoral já finalizado. “A total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e anti-democráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência vem obstruindo diversas rodovias e vias públicas em todo o Brasil, ficou comprovada, tanto pela negativa em aditar-se a petição inicial [a anulação dos votos também do primeiro turno], quanto pela total ausência de quaisquer indícios de irregularidades e a existência de uma narrativa totalmente fraudulenta dos fatos”, escreveu o presidente do TSE em despacho.

Sobre o relatório informado pelo jornalista argentino, o TSE informou que “não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização”. “Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021)”, informou o tribunal.

O TSE ainda diz que os resultados desses testes estão disponíveis no endereço www.justicaeleitoral.jus.br/tps/#resultados e que, no teste realizado no ano passado, máquinas do modelo mais recente, de 2020, ainda não estavam prontas. Por isso, elas foram testadas neste ano por técnicos da USP, da Unicamp e da UFPE, com resultados positivos.

“Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade. O software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021”, diz ainda o TSE.

A nota acrescenta que “todas as urnas são auditadas e ela é um hardware, ou seja, é um aparelho”. “O que importa é o que roda dentro dela, ou seja, o programa, que ficou aberto por um ano para todas as entidades fiscalizadoras. O software da urna é único em todos os modelos, tendo sido divulgado, lacrado e assinado”, afirma o tribunal.


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