Emendas de relator

Por
Rodolfo Costa
Brasília


O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o presidente Jair Bolsonaro: suspeita de retaliação ao antigo aliado.| Foto: Marcos Correa/PR

Um projeto de lei do governo federal que possibilita o remanejamento de recursos do orçamento secreto, as chamadas emendas de relator, causou ruídos no Congresso Nacional. Assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na quarta-feira (30), a proposta foi interpretada por alguns parlamentares como uma retaliação ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), após ele se reunir com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Outros asseguram, porém, que a medida tem apenas o objetivo de encerrar o ano com todas as despesas obrigatórias.

Em condição reservada, dois deputados que se afastaram da base do governo consideram a decisão uma represália e afirmam que outros também têm a mesma percepção. Ambos desembarcaram da base após a decisão de PP e Republicanos de pedir a retirada de ambos da representação do PL que contesta o resultado eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Eles avaliam que o Congresso não vai aprovar a proposta enviada por Bolsonaro.

“Ninguém vai votar aquela baboseira dele não, o Lira e o [Rodrigo] Pacheco [presidente do Senado] já compuseram com o Lula”, diz um dos deputados. “Bolsonaro já está isolado, não tem mais o que fazer”, argumenta o segundo parlamentar.

Outros deputados asseguram, porém, que a percepção de represália é equivocada. “Isso é especulação pura, não procede e não tem o mínimo de fundamentação. É conversa de mal gosto para criar intriga entre o presidente Bolsonaro e o presidente Lira, não se sustenta”, afirma o deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES), vice-líder do governo na Câmara. “Estão tentando tumultuar, não tem nada de rachar a base”, acrescenta.

O deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara, defende a medida de Bolsonaro. “Está corretíssimo, porque está pensando na floresta e não na árvore”, destaca, em referência à necessidade de o governo honrar as despesas obrigatórias acima de outros gastos previstos.

As declarações de Evair e Bibo são sustentadas por outro deputado da base, que falou sob condição reservada. “O governo está sem orçamento para terminar o fim do ano, o projeto é um remanejamento para poder liquidar as despesas obrigatórias”, esclarece. “Não há esse clima de revanchismo, de vingança”, complementa.

Um interlocutor do governo federal reforça que não há qualquer clima de revanchismo entre Bolsonaro e Lira que sugeriria alguma retaliação. “Até porque o presidente precisa do Arthur para segurar algumas bombas da esquerda que vierem contra o presidente nos próximos anos”, sustenta. Há um entendimento no governo de que, mesmo em conversas com Lula, o presidente da Câmara manterá algum nível de independência diante da expectativa de receber votos de deputados da esquerda e da direita.

O que diz o projeto de lei que remaneja os recursos do orçamento secreto
O projeto de lei enviado por Bolsonaro altera a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022 de modo a permitir o remanejamento de recursos com as “RP8” e “RP9”, as emendas de comissão e do relator-geral, o orçamento secreto, a fim de atender despesas classificadas como “RP1”, ou seja, as obrigatórias.

A proposta também prevê a “suplementação” de reserva de contingência, mediante a divulgação prévia do relatório de avaliação de receitas e despesas primárias referente ao quinto bimestre do ano. Comunicado enviado à imprensa esclarece que a medida visa “atender tempestivamente as despesas primárias que constituem obrigações constitucionais na Lei de Diretrizes Orçamentárias [LDO] para 2022”. O objetivo é assegurar o cumprimento do teto de gastos, a âncora fiscal da economia brasileira.

Além do projeto de lei, Bolsonaro também assinou na quarta-feira um decreto que permite “o bloqueio ou a proposição de cancelamento de dotações orçamentárias discricionárias e a adequação dos respectivos cronogramas de pagamento para cumprimento do teto de gastos”. Segundo o Ministério da Economia, o objetivo é “levar em consideração as projeções constantes dos relatórios bimestrais de avaliação de receitas e de despesa”.

O governo esclarece que a medida autoriza a Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento a ampliar os valores de cronogramas das despesas, “caso identificado que há ou haverá sobra de valores na execução financeira nos cronogramas ou limites das despesas previstas para os órgãos do Poder Executivo federal”.

Qual é o espaço fiscal demandado pelo governo e quais as soluções
Para cumprir o teto de gastos e encerrar o ano honrando todos os compromissos, estima-se que o governo precisa de R$ 22 bilhões de espaço fiscal para o cumprimento de despesas, afirmam deputados da base. Em função disso, o Ministério da Economia congelou R$ 15,4 bilhões até o momento, dos quais R$ 7,7 bilhões correspondem a recursos para o orçamento secreto.

Mesmo que não seja uma retaliação, o projeto de lei de Bolsonaro pode encontrar dificuldades para ser aprovado. O próprio relator-geral do Orçamento de 2022, deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), criticou a proposta do governo. Há um entendimento na Casa de que a proposta pode acabar com a fonte das emendas.

“Se eles trocarem para despesa primária [obrigatória], encerrou, acabou. Aí não tem mais o que discutir, aí não tem nem o que gastar e a expectativa vai toda embora”, afirmou Leal ao jornal O Estado de São Paulo, a quem o parlamentar se mostrou favorável a engavetar a proposta. “Não tem fundamento nenhum, não sei com quem eles combinaram isso. É completamente estapafúrdio”, criticou.

Parlamentares da base de Bolsonaro que integram a Comissão Mista de Orçamento (CMO) reconhecem à Gazeta do Povo que o texto é de difícil aprovação, mas afirmam que, nos bastidores, é costurada uma alternativa à proposta. Para assegurar os R$ 7,7 bilhões do orçamento secreto e possibilitar o governo honrar os demais compromissos, como os discricionários, está em articulação inserir um trecho na PEC fura-teto que cria uma brecha superior a R$ 20 bilhões a serem gastos ainda este ano.

“O presidente [Bolsonaro] sabe que vai precisar, dentro dessa PEC da transição [fura-teto], de espaço no Orçamento para poder organizar o fim do governo”, afirma um deputado. “Essa PEC, na verdade, é para alinhar e ajustar tudo. Há um levantamento que fala, inclusive, que o governo precisa de R$ 22 bilhões para encerrar os compromissos todos que têm do ano, e o texto traria isso”, diz outro parlamentar.

O líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), admitiu que a manobra pode ser realizada sem “dificuldade” em caso de necessidade. “Eu não vejo dificuldade alguma, se for necessário para fechar o ano fiscal de 2022, antecipar a aplicação dos 6,5 bi das receitas extraordinárias de 2021 já no ano de 2022. Será a sexta vez que o governo bolsonaro vai precisar quebrar a lei do teto de gastos para sair dos crimes de responsabilidade fiscal”, afirmou.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), integrante da equipe de transição, defendeu a aprovação da PEC fura-teto nesta quinta-feira (1º) sob a argumentação de que ela é importante para garantir, por exemplo, a continuidade de obras de prevenção de desastres. Segundo ele, não há recursos suficientes no Orçamento de 2023. “No Orçamento previsto para o ministério [do Desenvolvimento Regional] não há recursos suficientes para a conclusão de obras prioritárias. Não tem dinheiro para obras de contenção de encostas nem de prevenção de desastres”, declarou.


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