Política
Por
Diogo Schelp
A presidente do STF Rosa Weber| Foto: Roberto Jayme/Ascom /TSE
Os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são acusados frequentemente de desrespeitar a Constituição, da qual eles deveriam justamente ser guardiões. Muitas dessas críticas são justas e a maioria — mas nem todas — partem do grupo político do presidente Jair Bolsonaro. Na quarta-feira (7), a adesão dos ministros do STF aos princípios constitucionais será novamente colocada à prova no julgamento que pode acabar com o orçamento secreto (ou emendas de relator, ou RP-9, como queiram), colocado na pauta por Rosa Weber, presidente da corte e relatora do caso. Se permitirem a manutenção do mecanismo de distribuição de recursos do orçamento por critérios políticos, o STF estará mais uma vez pisoteando sobre a Constituição Federal. Se julgarem as emendas de relator inconstitucionais, contudo, os ministros estarão fazendo o certo e cumprindo com seu papel de guardiões da Carta.
Os parlamentares já possuem um instrumento para destinação de recursos para suas bases eleitorais, as chamadas emendas parlamentares, que são distribuídas de maneira mais igualitária e justa. A partir de 2019, porém, foram criadas as emendas de relator, supostamente para corrigir pequenas falhas do orçamento, mas que na prática servem para favorecer aliados do governo no Congresso ou para uma forma institucionalizada de compra de voto parlamentar. Trata-se de um mecanismo que dá enorme poder aos presidentes do Senado e da Câmara, mas principalmente ao segundo, atualmente na figura do deputado federal Arthur Lira (PP-AL).
O problema das emendas de relator não é só a falta de transparência (por não deixar claro quais parlamentares decidiram quais gastos e por qual critério eles ganharam esse direito), motivo pelo qual receberam a justa alcunha de orçamento secreto. Elas são inconstitucionais também por outros motivos.
As emendas de relator violam os artigos 195 e 198 da Constituição, que determinam como deve ser definida a transferência de recursos para a saúde e para a assistência social (os critérios são determinados na Lei Complementar 141). Ao forçar o cancelamento de despesas obrigatórias, as emendas de relator também ferem os artigos 166 e 167 da Constituição. Já a falta de transparência sobre a autoria das emendas representa um desrespeito aos artigos 37 e 163-A do texto constitucional.
Bolsonaro sempre disse que não teve nada a ver com a criação das emendas de relator, mas o fato é que, depois de idas e vindas, ele deixou passar o mecanismo e com isso consolidou sua aliança com o Centrão no Congresso. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023 o governo federal reservou 19,3 bilhões de reais para essas emendas.
O orçamento secreto é o grande trunfo na manga de Arthur Lira em suas negociações com Lula para a aprovação da PEC Fura Teto, aquela que pretende colocar quase 200 bilhões de reais fora das regras do teto de gastos no orçamento dos próximos anos, e para a sua reeleição à presidência da Câmara no ano que vem.
E também por esse motivo, aliados políticos de Bolsonaro, que a partir de 1º de janeiro vão se tornar oposição ao governo, encontraram uma nova desculpa para defender com unhas e dentes as emendas de relator — mesmo admitindo que o mecanismo é inconstitucional. O argumento é que o orçamento secreto deve ser mantido porque enfraquece o governo federal. Não importa que viole a Constituição. Não importa que seja vulnerável à corrupção, a desvios de nacos dos impostos pagos pelos brasileiros. O que importa é que fortalece o Legislativo e enfraquece o Executivo, que será ocupado por um adversário.
Isso foi dito de maneira cristalina, por exemplo, pelo deputado federal Luiz Phillippe de Orléans e Bragança (PL-RJ) em entrevista à Jovem Pan News na quinta-feira (1). “Quero ver o Congresso com mais controle do orçamento”, disse o deputado ao responder a uma pergunta deste colunista sobre as emendas de relator. O político admitiu que, em outras circunstâncias, é contra as emendas de relator e as emendas parlamentares em geral. “Muito perigoso para o Brasil reforçar o Executivo e acabar com o RP-9 e com as emendas parlamentares. Por incrível que pareça, eu sou contra do ponto de vista constitucional, mas nesse momento político eu sou extremamente a favor, porque isso dá mais poder ao Parlamento”, concluiu o deputado bolsonarista.
Então é assim que funciona. A Constituição deve ser defendida a qualquer custo… mas só enquanto isso servir aos próprios interesses políticos. Quando se trata de enfraquecer os adversários, é melhor deixar a obediência à Constituição para lá.
As emendas de relator (orçamento secreto, RP-9…) são inconstitucionais. O STF deve derrubá-las, doa a quem doer.
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