Editorial
Gazeta do Povo


Senador Alexandre Silveira (PSD-MG), relator da PEC fura-teto, durante a sessão que aprovou o texto no Senado.| Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

O plenário do Senado, que poderia ter dado sua contribuição para colocar a PEC fura-teto em patamares um pouco mais próximos de algo aceitável para um país de saúde fiscal já bastante combalida, escolheu se omitir. Na noite de quarta-feira, os senadores aprovaram, já nos dois turnos exigidos, o texto da PEC da forma como veio da CCJ: foram 64 votos favoráveis em ambas as votações, enquanto os contrários foram 16 no primeiro turno e 13 no segundo. Somando-se os partidos que orientaram o voto favorável e os apoios vindos de legendas que liberaram suas bancadas ou que orientaram a rejeição do texto, Lula conseguiu uma folga considerável, já que emendas à Constituição precisam do apoio de 49 senadores para serem aprovadas – a lista dos que votaram a favor da PEC incluiu até mesmo os autores de propostas alternativas, como os tucanos Alessandro Vieira, José Serra e Tasso Jereissati.

Justiça seja feita, não faltaram tentativas de colocar alguma racionalidade na PEC. Tanto o PP quanto o PL apresentaram destaques supressivos. Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) teve o apoio de outros 30 colegas para apresentar uma emenda reduzindo o valor do cheque para R$ 100 bilhões (suficientes para bancar o aumento do Bolsa Família, e ainda haveria recursos para outras recomposições orçamentárias) com duração de apenas um ano. Na hora da votação, entretanto, parte do apoio sumiu: a emenda teve apenas 27 votos favoráveis e 50 contrários. Com isso, o texto que chega à Câmara para análise, na próxima semana, dá ao governo o poder de gastar cerca de R$ 150 bilhões além do valor permitido pelo teto de gastos tanto em 2023 quanto em 2024, e obriga o Executivo a propor, até meados do ano que vem, um novo arcabouço fiscal que substitua a regra do teto.

Uma vitória de Lula, com a aprovação na Câmara da PEC fura-teto da forma como veio do Senado, será uma derrota para o Brasil

Na Câmara, não há muito mistério quanto ao que fará o presidente da casa, Arthur Lira. Por mais que no Senado seu partido, o PP, tenha orientado voto contrário à PEC, Lira está mais empenhado em se manter à frente da Câmara por mais dois anos que em satisfazer sua legenda. E, tendo já garantido o apoio do PT e de outros partidos de esquerda, é muito improvável que agora Lira resolva botar a perder este acerto colocando empecilhos a um projeto que Lula considera essencial para conseguir governar. Será preciso que outros deputados tomem para si a missão de reduzir o tamanho do buraco – já que algum furo no teto de gastos será inevitável, a essa altura do campeonato. A proposta de Oriovisto Guimarães, derrotada no Senado, pode ser ressuscitada na Câmara, pois tem seus méritos: permite tanto o reajuste do Bolsa Família quanto algumas outras despesas menores que o governo julgar necessárias e tem a duração ideal, deixando um ano para que o governo elabore a nova regra fiscal e acomode o novo Bolsa Família dentro do orçamento de 2024.

O fato é que o Brasil é um país que gasta mais do que arrecada de forma sistêmica. Se neste século tivemos uma boa dose de anos com superávit primário (que exclui o pagamento dos juros da dívida), quando se trata do resultado nominal (que inclui esse pagamento) a série histórica é dominada pelos déficits. Ora, se não há dinheiro sobrando nos cofres do governo para novos gastos – ainda que fossem apenas as dezenas de bilhões de reais necessários para o aumento do Bolsa Família –, e se não existe geração espontânea de dinheiro público, sobram apenas os caminhos do aumento na carga tributária, da emissão de dívida ou da emissão de moeda. Nenhum deles termina bem.


E, por isso, uma vitória de Lula, com a aprovação na Câmara da PEC fura-teto da forma como veio do Senado, será uma derrota para o Brasil. Ela enterra de vez a esperança de que, ao menos pelos próximos quatro anos, tenhamos um governo ou um Congresso convicto de que a melhor forma de ajudar os mais pobres é colocar a economia em ordem, promovendo saúde fiscal, inflação e juros baixos, e o clima de confiança necessário para os investimentos que trazem emprego e renda. São os mais pobres os que mais perdem com a recessão e a inflação; isso ficou claríssimo na crise de 2015-16, que o petismo provocou. Mas não é da natureza do PT admitir erros e aprender com eles, e por isso não surpreende que o partido queira repetir a receita que desembocou na recessão – e a escolha de Fernando Haddad para a Fazenda é demonstração cabal disso. Pior é que centenas de parlamentares se mostrem dispostos a compactuar com a irresponsabilidade. Que na Câmara eles sejam superados pelos que entendem a importância de conjugar sensibilidade social com disciplina fiscal.


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