Esse é um dos raríssimos casos em que um parasita confere vantagem ao parasitado

Por Fernando Reinach

Ratos têm medo de gatos. E com razão. Em 2011, descrevi aqui um parasita capaz de alterar o comportamento dos ratos. Quando infectados pelo Toxoplasma gondii, ratos perdem medo de gatos e são atraídos sexualmente pelos bichanos. E acabam devorados. O hospedeiro final é sempre o felino que ingere o parasita ao devorar o rato, que, por sua vez, se contamina a partir das fezes do felino. Ao se instalar no cérebro do animal, alterando seu comportamento, o parasita pula mais facilmente para o felino.

Nos anos seguintes, cientistas que estudam hienas nas estepes africanas descobriram que hienas infectadas pelo Toxoplasma gondii se tornam mais ousadas e perdem parte do medo que têm dos leões. Esse comportamento faz com que muitas acabem mortas, devoradas pelos leões. Essa descoberta confirmou, na natureza, a descoberta feita com ratos e gatos no laboratório.

E agora um grupo de cientistas que estuda os lobos no parque de Yellowstone, no Wyoming, EUA, descobriu uma mudança de comportamento em lobos parasitados pelo Toxoplasma gondii. O parque tem 9 mil km² e no início do século 20 tanto os lobos (Canis lupu) quanto os cougars (Puma concolor) estavam extintos no parque. Os cougars recolonizaram espontaneamente o parque por volta de 1930 e os lobos foram introduzidos em 1985. Agora essas duas espécies convivem em certas áreas.

A comunidade de lobos consiste em 120 animais divididos em 10 a 12 alcateias. Durante os últimos 26 anos, os cientistas têm estudado a vida social dessas alcateias, formação, cisão e desaparecimento. Além disso, exames de sangue têm sido feitos periodicamente. Lobos e cougars são carnívoros, predadores e competem pelas mesmas presas, no mesmo território, mas não são presas ou predadores um do outro. Mesmo assim, exames de sangue mostraram que parte dos cougars e uma fração dos lobos é parasitada pelo Toxoplasma gondii.

Lobos infectados pelo 'Toxoplasma gondii' têm maior probabilidade de se tornarem líderes dos grupos
Lobos infectados pelo ‘Toxoplasma gondii’ têm maior probabilidade de se tornarem líderes dos grupos Foto: Pierre-Philippe Marcou / AFP

Nesse estudo, os cientistas compararam o comportamento social dos lobos infectados com aqueles que não apresentavam o parasita. Para tanto usaram as observações diretas do comportamento de cada animal, sua localização (com colares com GPS), e exames de sangue que detectam a presença do parasita. Os dados foram coletados ao longo de 26 anos e envolvem toda a população de lobos do parque. Um feito extraordinário do ponto de vista da dificuldade experimental e da longevidade do estudo.

O resultado demonstra que os infectados se comportam de maneira diferente. São os que têm maior chance de se separarem dos grupos e de migrarem para novos territórios. Esse comportamento leva à formação de novos grupos em novas áreas do parque. Além disso, os lobos infectados têm maior probabilidade de se tornarem líderes dos grupos, o que faz com que eles tenham um papel preponderante nas decisões de deslocamento do grupo e, no caso dos machos, tenham mais acesso às fêmeas. Ou seja, os lobos infectados pelo parasita se tornam líderes e pioneiros.

Os cientistas acreditam que o parasita diminui o medo dos animais e aumenta seu apetite pelo risco, de maneira semelhante ao observado nos ratos e nas hienas. Mas, no caso dos lobos, existe uma diferença fundamental: eles não são predados pelos cougars e não têm predadores no ambiente do parque. Dessa forma, sua maior ousadia e apetite pelo risco não faz com que eles se tornem presas fáceis, mas que se tornem líderes.

Esse é um dos raríssimos casos em que um parasita confere uma vantagem ao parasitado e essa vantagem ocorre por meio de uma mudança de comportamento. Uma descoberta interessantíssima. O Toxoplasma gondii infecta seres humanos, mas não sabemos ainda se ele afeta nosso comportamento. Será que vale a pena verificar se nosso líderes e empreendedores de sucesso são pessoas infectadas pelo parasita? E, se esse for o caso, será que no futuro os jovens ambiciosos que hoje usam drogas para aumentar sua coragem tentarão se infectar com esse parasita?

MAIS INFORMAÇÕES: PARASITIC INFECTION INCREASES RISK-TAKING IN A SOCIAL, INTERMEDIATE HOST CARNIVORE. COMMUNICATIONS BIOLOGY

*É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR

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