Editorial
Por
Gazeta do Povo


O futuro ministro da Fazenda do governo Lula, Fernando Haddad.| Foto: Pedro França/Agência Senado.


Entre os economistas que, tanto no primeiro quanto no segundo turno da campanha presidencial, declararam apoio a Lula, não faltavam nomes comprometidos com a defesa da responsabilidade fiscal. Mas o presidente eleito estava realmente empenhado em confirmar as piores expectativas que estavam se desenhando a respeito de quem comandaria a política econômica do próximo governo; em vez de um nome qualificado, capaz de dissipar as incertezas que se avolumam a ponto de merecer menção especial no último relatório do Copom, Lula escolheu aumentar a tensão ao indicar Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda, pasta que será recriada com o desmembramento do atual Ministério da Economia.

O novo ministro rapidamente invocou o “histórico” na esperança de amenizar as reações a seu nome. “É só olhar o histórico e ver que a Prefeitura de São Paulo recebeu grau de investimento pela primeira vez durante minha gestão”, afirmou na sexta-feira. É o que Lula vem fazendo há um bom tempo, recordando resultados de sua primeira passagem pelo Planalto. Mas administrar uma prefeitura, ainda mais de uma das locomotivas do país, é diferente de administrar as finanças de uma nação inteira; e as circunstâncias de 2023 são bem diferentes das de 2003, quando Lula recebeu uma “herança bendita” de Fernando Henrique Cardoso, na forma do tripé macroeconômico. Jair Bolsonaro e Paulo Guedes entregam um Brasil com desemprego e inflação em queda, mas ainda longe dos níveis ideais; a pressão por mais gasto público é enorme e vem de dentro do próprio governo eleito; e a economia global ainda passa por enormes dificuldades que afetarão o Brasil, ao contrário do clima positivo visto nos dois primeiros mandatos de Lula. Histórico, portanto, não significa muito diante da mudança radical no cenário brasileiro e mundial; um guia mais certeiro está nas ideias defendidas pelo futuro ministro.

A julgar pelas convicções demonstradas pelo presidente eleito e pelo futuro ministro, o ajuste fiscal só acontecerá se a realidade se impuser à dupla de forma muito contundente

Analisando publicações de Haddad na imprensa paulista, o colunista da Gazeta do Povo Diogo Schelp levantou um conjunto de plataformas bastante preocupante: crítica a privatizações, ao teto de gastos, à reforma da Previdência e à independência do Banco Central; defesa da fracassada política de “campeões nacionais”; e a repetição da grotesca distorção da verdade que culpa a Operação Lava Jato pela “destruição” de empregos. As falas recentes de Haddad, tanto nos dias que antecederam sua indicação como já na qualidade de futuro ministro, não tentam desfazer a má impressão deixada por esses textos; o petista limitou-se a referências genéricas à necessidade de uma reforma tributária e de um novo marco fiscal para substituir o teto de gastos, sem explicitar alguma linha-mestra que permita concluir se as reformas pretendidas caminhariam na direção correta.

Como a PEC fura-teto deixa claro que o futuro envolve mais gasto público, o bom senso mandaria que o próximo governo já enviasse sinais a respeito de como pretende contrabalançar a pressão gastadora por meio de um ajuste fiscal. Mas isso não tem ocorrido – pelo contrário: membros da equipe de transição e defensores da PEC fura-teto têm argumentado que não há risco inflacionário nem recessivo na elevação súbita da despesa pública e que o caminho está na repetição das políticas expansionistas de Guido Mantega durante o segundo mandato de Lula, entre 2007 e 2010.

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É possível que Haddad, em vez de repetir Guido Mantega, acabe seguindo os passos de Antônio Palocci, o primeiro ministro da Fazenda de Lula e que se pautou pela austeridade fiscal, a ponto de ter conseguido aprovar uma reforma da Previdência do setor público em 2003? A chance existe, mas, a julgar pelas convicções demonstradas pelo presidente eleito e pelo futuro ministro, isso só acontecerá se a realidade se impuser à dupla de forma muito contundente. É será péssima notícia para o Brasil se a responsabilidade fiscal só virar política de governo depois que o estrago estiver feito, e não como forma de prevenir mais inflação, juros, desemprego e recessão.


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