Editorial
Por
Gazeta do Povo


O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, durante a cerimônia de diplomação na sede do TSE.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil.

Imagine o leitor que, após uma partida bastante disputada na final da Copa do Mundo entre França e Argentina, com o resultado sendo decidido em um detalhe, a equipe de arbitragem fosse ao vestiário do vencedor para festejar com os novos tricampeões mundiais, em uma comemoração regada a champanhe. Imagine, ainda, que a arbitragem tivesse sido bastante controversa, com vários lances questionáveis sendo decididos sempre em favor do time que acabou se sagrando campeão. E que, naquele momento ao fim do jogo em que os assistentes correm para o centro do gramado, um dos bandeirinhas cochichasse “missão dada é missão cumprida” aos ouvidos do árbitro. O que a crônica esportiva mundial não comentaria a respeito?

Pois algo muito semelhante a essa cena hipotética ocorreu de fato em Brasília, na segunda-feira, 12 de dezembro, data da diplomação do presidente eleito Lula no Tribunal Superior Eleitoral, cerimônia marcada por um festival de exaltação da lisura da urna eletrônica e por promessas reiteradas de mais perseguição a quem continuar fazendo perguntas inconvenientes sobre o processo eleitoral. Chamado por Alexandre de Moraes para levar Lula ao plenário do TSE para receber o diploma, o corregedor da corte eleitoral, Benedito Gonçalves, foi flagrado dizendo “missão dada é missão cumprida” a Moraes. Gonçalves, recorde-se, é o mesmo que ganhou de Lula amistosos tapinhas no rosto quando Moraes foi empossado presidente do TSE, e ao longo da campanha tomou uma série de decisões benéficas ao petista e prejudiciais a Jair Bolsonaro, por exemplo ao proibir o presidente de usar imagens dos atos de Sete de Setembro e ordenar a censura prévia a um documentário da Brasil Paralelo.

É absurdo que magistrados de tribunais superiores, especialmente aqueles que tiveram o encargo de supervisionar o processo eleitoral formalmente encerrado com a diplomação, não vejam problema algum em festejar com o vencedor

O tribunal não negou a fala, mas disse que a “missão” era apenas a de “escoltar” Lula ao local onde seria diplomado. Ainda que se dê crédito à versão divulgada pela corte, o acinte maior ainda estaria por vir. Moraes, Gonçalves e o vice-presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, estavam entre os participantes de uma comemoração organizada pela futura primeira-dama, Rosângela Silva, na casa do advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Também participaram da festa os ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes, e o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas (responsável pela perseguição recente ao ex-procurador da Lava Jato e deputado federal eleito Deltan Dallagnol). O evento contou com a presença de um grupo de samba – não se sabe se Reunião de Bacana, clássico de Bezerra da Silva, fez parte do repertório.

Lula, seus futuros ministros e seus aliados no Congresso têm todo o direito de festejar à vontade; podem até caprichar na ostentação que hipocritamente criticam nos demais. O que não tem cabimento algum é que magistrados de tribunais superiores, especialmente aqueles que tiveram o encargo de supervisionar o processo eleitoral formalmente encerrado com a diplomação, não vejam problema algum em festejar desta forma com o vencedor. O detalhe de a casa pertencer a um advogado que é presença constante no Supremo, defendendo réus, apenas acrescenta uma outra camada de surrealismo a todo esse episódio.


Entre as muitas críticas que se faz ao presidente Jair Bolsonaro está a de que ele se importa muito pouco com a chamada “liturgia do cargo”, seja por sua postura, pelo palavreado, ou pelas quebras de protocolo. Muito, muito mais grave, no entanto, é a atitude de membros da cúpula do Judiciário que viola a “liturgia do cargo” não no que ela tem de aparência ou formalidade, mas levantando suspeitas sobre como os ministros encaram algo que está na essência do papel de um julgador: a imparcialidade e o distanciamento em relação àqueles que terão de julgar ou que os representam na qualidade de advogados.


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