Governo de transição
Quais atos de Bolsonaro a equipe de Lula sugere revogar ou revisar
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Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Técnicos do governo de transição sugeriram ao presidente eleito Lula (PT) uma série de revogações de decretos do presidente Jair Bolsonaro| Foto: EFE/ Sebastiao Moreira
O gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou nesta quinta-feira (22), em seu relatório final, 60 sugestões de avaliação, revisão e revogação parcial ou total de decretos, portarias, resoluções e instruções normativas adotadas ao longo do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), sobre diversos assuntos, da regulamentação sobre armas de fogo a políticas ambientais e educacionais.
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O documento sugere 22 revogações, 37 revisões e uma “avaliação”, de que Lula edite um despacho orientando que o Ministério da Educação (MEC) avalie os resultados, o custo-benefício e a necessidade ou não da continuidade do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, mediante análise do decreto 10004/2019.
As sugestões da transição estão divididas em nove eixos que aconselham revogações ou revisões nas políticas de: armas; meio ambiente; desestatização; direitos sociais e econômicos; direitos de crianças, adolescentes e da juventude; cultura; e igualdade racial. Também há recomendações sobre o direito de participação social e sobre os atos do governo Bolsonaro que impuseram sigilo de 100 anos em documentos de acesso público.
O relatório defende como “necessidade” a revogação de normas que considera em “desconformidade” em áreas como a da educação. A transição considera que as recomendações sugerem o “tamanho dos desafios” do governo eleito em relação à “reconstrução do Estado brasileiro em áreas bastante sensíveis”.
Segundo o gabinete de transição, as propostas de providências podem ser efetivadas por meio de um conjunto de atos assinados por Lula nos primeiros dias após sua posse, por meio de decretos e despachos formulados por integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU), “em diálogo com as equipes técnicas” dos respectivos ministérios e secretarias competentes.
O “revogaço” das políticas sobre armas
A transição de Lula sugere, como uma das primeiras medidas a serem tomadas pelo governo eleito, uma “revisão rigorosa do conjunto de atos normativos” sobre a política de armas. É apontado que o governo Bolsonaro “desmontou” a política pública de controle de armas e, por isso, também recomenda uma nova regulamentação para a Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento.
Segundo os técnicos ouvidos pelo governo eleito, o “descontrole” da política de armas coloca em risco a segurança das famílias brasileiras e, portanto, deve ser revertido pelo Ministério da Justiça, “em diálogo com o Ministério da Defesa”.
Entre as medidas sugeridas está a revisão da Portaria Interministerial MJ/MD 1634/20, sob a alegação de que ela aumentou para 550 unidades o limite de compra de munição para quem é autorizado a comprar arma de fogo registrada. O dispositivo chegou a ser suspenso pela Justiça Federal de São Paulo em 2020.
Além disso, também é recomendada a revogação de oito decretos. Entre eles, destacam-se o 9845/19, que prevê aspectos como idade mínima de 25 anos, comprovação de idoneidade moral e inexistência de inquérito ou processo para a aquisição de arma de fogo, bem como a comprovação de capacidade técnica e aptidão psicológica e a apresentação de documentos de identificação.
Outros decretos que tiveram sua extinção sugerida são o 9846/19, que dispõe sobre o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munições por caçadores, colecionadores e atiradores (CACs), e o 9847/19, que exclui as declarações de efetiva necessidade e de existência de lugar seguro para guardar uma arma, e prevê sete dias para informar a compra de uma arma ao Exército ou à Polícia Federal.
Outros decretos com revogação sugerida são o 10030/19: que aprova o Regulamento de Produtos Controlados; o 10627/21, que exclui de uma série de itens da lista de Produtos Controlados pelo Exército (PCE) e permite a prática de tiro recreativo de natureza não esportiva, com arma do clube ou do instrutor; o 10628/21, que prevê o aumento do número máximo de armas de uso permitido para pessoas certificadas de quatro para seis unidades; o decreto 10629/2021, que prevê a possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica por um ‘atestado de habitualidade’ emitido por clubes ou entidades de tiro; e o 10630/21, que permite o porte de duas armas simultaneamente e sua validade nacional.
O que foi sugerido de modificações para as políticas ambientais
A transição sugere a revogação de oito dispositivos e a revisão de um que considera ser de “extrema gravidade” para as políticas ambientais. As propostas tomam por base decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que alertou para um “estado de coisas inconstitucional” ao analisar o que ficou conhecido como a votação de processos do chamado “Pacote Verde”.
Para controlar o desmatamento, são defendidas as revogações dos decretos 10.142/2019, 10.239/2019 e 10.845/2021, que, segundo a transição, abriram espaço para um “processo acelerado de desmatamento ilegal nos diversos biomas brasileiros, inclusive desmanchando o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM)”.
Como sugestão para acabar com o que considera “impunidade” em relação às multas ambientais, a transição defende a revogação integral do decreto 9.760/19 e parcial do decreto 10.086/22, que, segundo questionamento feito pelo STF, gera perda de mais de R$ 18 bilhões para os cofres públicos.
Outra proposta de revogação é sobre o decreto 10.966/22, que criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape). Segundo a transição, a norma “liberou o garimpo ilegal na Amazônia”. Quando o decreto foi editado, em fevereiro deste ano, a Secretaria-Geral da Presidência da República disse que “a mineração artesanal e em pequena escala é fonte de riqueza e renda para uma população de centenas de milhares de pessoas”.
A retomada do Fundo Amazônia pelas revogações parciais dos decretos 10.223/20 e 10.144/19 é outro ponto defendido. De acordo com os técnicos do governo de transição, ambos inviabilizaram a governança do fundo, considerado como um instrumento de “extrema relevância” para o controle do desmatamento e o fomento a atividades produtivas sustentáveis no bioma. A supressão de trechos criticados garantiria o acesso a mais de R$ 3 bilhões parados.
Outro ponto defendido é a revisão do decreto 11.018/22, que possibilitaria a estruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O objetivo é “eliminar os retrocessos realizados na estrutura e no funcionamento do Conselho”.
Revisão das regras para aplicação do sigilo de 100 anos
A equipe de transição de Lula considerou “indevidos” os sigilos de 100 anos que foram impostos pelo governo atual sobre informações relativas ao presidente Jair Bolsonaro, como o cartão de vacinação dele e as reuniões que teve com pastores suspeitos de cobrar propina de prefeitos – posteriormente essa informação foi divulgada pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Esses sigilos centenários foram impostos com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), que prevê essa medida em casos em que a publicidade dos dados viola a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de uma pessoa.
Por isso, os técnicos recomendaram um despacho de Lula para determinar que a Controladoria-Geral da União (CGU) reavalie as decisões tomadas em casos denunciados como de “imposição indevida”, com base no “princípio da autotutela da administração pública”.
Outro despacho sugerido para Lula é determinar que a Advocacia-Geral da União (AGU) elabore uma proposta de parecer vinculante que indique o “escopo de aplicação possível” da atual redação da LAI.
Revisão de grandes privatizações
O relatório sugere ainda 14 revisões de instrumentos e dispositivos sobre processos de desestatização que se encontram em “etapas preparatórias e ainda não concluídas”. Entre as empresas citadas no relatório estão a Petrobras, os Correios, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), a Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural (PPSA) e a Companhia Nacional de Abastecimento.
Na área econômica e social, a transição defende acabar com obrigação de que agricultores rurais de famílias de baixa renda entreguem parte de sua produção para o governo mediante a revogação parcial do decreto 10.852/21, que regulamentou a contraprestação do “auxílio inclusão produtiva rural”. Os técnicos acusam o dispositivo de possibilitar que o governo “tome para si” 10% da produção de agricultores de baixa renda, em situação de vulnerabilidade.
A transição também defende recriar o Programa dos Catadores mediante a revogação parcial do decreto 10.473/20, que acabou com o Programa Pró-Catador, que reunia ações de apoio a trabalhadores de baixa renda que se dedicam a coletar materiais reutilizáveis e recicláveis e promovia a “inclusão social e econômica dessas pessoas e contribuindo para a sustentabilidade”.
Outro ponto defendido é proteger as famílias brasileiras contra o “superendividamento”. Para isso, o relatório sugere a revisão do decreto 11.150/22 para “apontar caminhos de reversão do processo de superendividamento vivido pelas famílias brasileiras de baixa renda”. A transição defende que a medida aumentará a segurança jurídica no tema, uma vez que sua constitucionalidade é discutida no STF.
Revogação das políticas para jovens aprendizes e da educação especial
Sob a argumentação de defender os direitos das crianças, dos adolescentes e da juventude, a transição propõe uma avaliação, uma revisão e duas revogações. Entre as sugestões de eliminação de medidas adotadas por Bolsonaro está a derrubada de regras consideradas pela transição como “ilegais” por “retirarem a proteção” do adolescente aprendiz. Os técnicos também propõem acabar com a política pública de educação especial que, segundo eles, “promove o isolamento social das crianças com deficiência”.
Para o adolescente aprendiz, é sugerida a revisão do decreto 11.061/22, que alterou a legislação que regulamenta o trabalho do menor aprendiz, a fim de incentivar a contratação de jovens. O governo de transição acredita que a norma “derrubou várias regras de proteção do adolescente”.
Para a integração das crianças com deficiência, é sugerida a revogação do decreto 10.502/20, que ampara o direito das famílias no processo de decisão sobre a alternativa mais adequada para o atendimento educacional: se na escola regular ou especial. O decreto é contestado no STF e foi classificado pelo governo de transição como “preconceituoso”, sob a justificativa de excluir as crianças com deficiência do convívio com as demais crianças nos ambientes escolares.
Outro ponto defendido é a recriação do Plano Nacional voltado à Juventude do Campo, mediante a revogação do decreto 10.473/20, que acabou com um programa que “reunia ações de efetivação de direitos e inclusão produtiva para jovens nos territórios rurais”.
A avaliação do custo-benefício do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares é a outra medida defendida. Os técnicos sugerem que o Presidente da República edite despacho orientando o Ministro da Educação a avaliar os resultados da política pública prevista no decreto 10004/19, que criou o programa. Eles pedem que sejam avaliados critérios técnicos relativos ao custo-benefício, para definição sobre a dotação orçamentária respectiva e sobre sua continuidade.
Quais as revogações para cultura, igualdade racial e participação social
Para a cultura, a transição sugere adequar as normas de fomento indireto à realidade da economia no setor mediante a revogação do decreto 10.755/21, que regula o fomento a ações culturais via mecanismo de incentivo fiscal em âmbito federal. Também são sugeridas revisões sobre cinco instruções normativas e portarias.
Para a igualdade racial, foi sugerida a revisão de uma portaria da Fundação Cultural Palmares que excluiu 27 personalidades negras do rol de homenageados, como Gilberto Gil, Benedita da Silva, Marina Silva, Elza Soares e Conceição Evaristo.
Para o direito de retomada da participação social, é sugerida a revogação do decreto 9759/19 que reduziu o número de conselhos do Poder Executivo federal. Na época, o ato foi visto como uma “despetização” do governo federal, já que Bolsonaro considerava que esses conselhos tinham sido aparelhados pelo PT. Críticos, porém, já apontavam para um risco à democracia participativa, que foi o argumento usado pelo governo transição para pedir a Lula a revogação da norma.
Segundo os técnicos da transição, houve “redução da participação social em todo o governo”. A revogação seria necessária para “democratizar os espaços de poder e aumentar o controle social da gestão de recursos públicos”.
Também foi sugerida a revisão de uma portaria do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para derrubar “entraves” para que movimentos populares tenham acesso ao instituto.
Segundo os técnicos, a portaria INCRA 460/2019 previa regras “deliberadamente burocratizadas” para o acesso ao prédio do Incra. “Os efeitos produzidos pela Portaria são de impedimento de acesso por uma parte significativa dos movimentos populares que não cumprem as exigências indevidas estabelecidas, criando uma barreira para o seu direito constitucional de participação social”, diz o relatório.
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