Editorial
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Gazeta do Povo
O procurador Eduardo El Hage, que chefiou a Lava Jato no Rio de Janeiro.| Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
O adágio de dois pesos e duas medidas nunca foi tão apropriado para descrever as ações do Judiciário brasileiro. Enquanto corruptos condenados encontram a redenção, saindo pela porta da frente dos presídios sem cumprir suas penas – alguns até para se candidatar a cargos políticos –, aqueles que ousam se colocar contra os esquemas de corrupção que há décadas mancham a política brasileira são tratados como criminosos. O mais novo capítulo desse enredo, infelizmente, nada novo, aconteceu na última segunda-feira (19).
Na mesma data em que o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral – cujas condenações já somam 430 anos de prisão por crimes como corrupção ativa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e organização criminosa –, saía da Unidade Prisional da Polícia Militar, em Niterói, com destino a um imóvel da família em Copacabana, procuradores que atuaram na força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro eram julgados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Enquanto políticos como Sérgio Cabral acharem que poderão se sair incólumes enquanto aqueles que ousam denunciar seus esquemas corruptos são perseguidos e tratados como bandidos, estaremos cada vez mais longe de ser uma nação livre da praga da corrupção.
Em março de 2016, membros do Ministério Público denunciaram os senadores Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho, Márcio Lobão, por crimes na construção da Usina Angra 3. Uma matéria institucional publicada no site do Ministério Público Federal noticiou o oferecimento das denúncias, o que, segundo a Corregedoria Nacional do Ministério Público, não poderia ter acontecido, uma vez que o processo estaria sob sigilo. O detalhe é que a própria Justiça reconheceu posteriormente que o processo não estaria sujeito a sigilo e, portanto, poderia ser noticiado. Ainda assim, a corregedoria abriu, em junho de 2021, a pedido dos senadores investigados, um processo administrativo disciplinar (PAD) contra 12 procuradores para investigar “prática de infração funcional”, o que poderia levar os procuradores a perderem seus cargos.
Em março de 2022, o PAD foi finalizado pela comissão responsável, que concluiu pela improcedência da denúncia. No relatório, assinado pelo relator Ângelo Fabiano Farias da Costa, consta que a comissão considerou “ausentes elementos de materialidade aptos à configuração da infração disciplinar”. O documento explica ainda que o sigilo havia sido imposto de forma automática pelo sistema eletrônico de peticionamento e-Proc, sem que houvesse real pedido de autoridade judicial impondo sigilo ao processo.
Mas contrariando a posição do relator, a maioria dos membros do Conselho Nacional do Ministério Público entendeu que houve, sim, quebra de sigilo e aplicou a pena de suspensão de 30 dias ao ex-coordenador da Lava Jato no Rio de Janeiro, Eduardo El Hage. Além disso, o procurador ficará impedido de participar, por cinco anos, de forças-tarefas, grupos especiais ou mesmo de ocupar cargos de confiança no MPF. Já a procuradora Gabriela de Goes Anderson Maciel Tavares Câmara, responsável pelas tratativas que levaram à elaboração e à publicação no site do MPF do Rio, recebeu a pena de censura. Os demais procuradores foram absolvidos.
Durante cinco anos, El Hage chefiou as ações da Lava Jato no Rio de Janeiro, que levaram à prisão de Sérgio Cabral entre mais de 300 pessoas envolvidas em esquemas criminosos no estado. Em abril do ano passado, ele assumiu o comando do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) no âmbito do MPF-RJ, e entre os casos que estavam sob sua mira estavam justamente os envolvendo Sérgio Cabral e os esquemas de favorecimento para a construção da Usina Angra 3. Agora, com a decisão do CNMP, El Hage deixa o comando do Gaeco fluminense.
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Esse é mais um dos inúmeros duros golpes desferidos contra a Lava Jato. No afã de destruir o legado de uma operação que, pela primeira vez na história brasileira, conseguiu romper o ciclo de impunidade que mantinha intactos os profundos esquemas de corrupção dentro dos governos, os detratores da Lava Jato adotam a tática da perseguição e se debruçam sob insignificâncias, que nem de longe comprometem a relevância dos serviços prestados pelos procuradores e juízes da operação.
O mesmo esmero da Justiça em analisar eventuais erros – que, levando em conta o tamanho e amplitude da Lava Jato podem ter ocorrido –, infelizmente, não se aplica quando se trata de examinar a ação contumaz dos corruptos e bandidos que continuam a achar-se no direito de rir das pessoas de bem, certos de que permanecerão impunes. Enquanto políticos como Sérgio Cabral acharem que poderão se sair incólumes enquanto aqueles que ousam denunciar seus esquemas corruptos são perseguidos e tratados como bandidos, estaremos cada vez mais longe de ser uma nação livre da praga da corrupção.
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