Editorial
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Gazeta do Povo
Fernando Haddad, que será ministro da Fazenda no governo Lula, é filiado ao PT desde 1983 e revela simpatia por ideias marxistas.| Foto: Raul Martinez/EFE
Como se não bastassem todas as perspectivas negativas que se descortinam desde as primeiras declarações de Lula sobre responsabilidade fiscal, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou que o próximo governo pode desfazer uma conquista importante dos dois antecessores do petista. “Nós temos uma interface com a OCDE que não é pequena. Em relação à entrada na OCDE do Brasil, isso é uma política que vai ser definida pelo governo, não pelo Ministério da Fazenda. É uma decisão de governo que vai ser reconsiderada pelo presidente Lula e vai revisitar esse tema a partir de janeiro”, afirmou Haddad no Centro Cultural Banco do Brasil, sede da equipe de transição.
No fim de janeiro deste ano, o conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico aprovou um convite para que o Brasil e mais cinco nações (Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia) iniciassem as negociações formais para a adesão ao “clube dos países ricos”, assim chamado porque a maioria de seus membros é de nações desenvolvidas, com PIB per capita alto e boas práticas socioeconômicas. Em sua primeira passagem pelo Planalto, o petismo jamais teve interesse em aderir à OCDE – no máximo, assinou um acordo de cooperação em 2015, sob Dilma Rousseff. A adesão passou a ser um objetivo brasileiro a partir de 2017, com Michel Temer, e que foi mantido por Jair Bolsonaro e sua equipe econômica. À época do convite, estimava-se que o Brasil levaria de três a cinco anos para adaptar suas normas aos padrões da entidade: o sucesso neste trabalho demonstraria que o Brasil teria condições de se juntar efetivamente à OCDE, e ainda havia muito a fazer.
Quando finalmente abrem-se as portas para o acesso a um grupo que puxa seus membros para cima, o petismo parece querer mantê-las bem trancadas
Dos 147 instrumentos normativos da OCDE aos quais o Brasil ainda precisava aderir, nas contas do chanceler Carlos França em janeiro, vários deles lidavam com temas importantíssimos, como reforma tributária, abertura comercial e combate à corrupção. Este último tema levou a OCDE a prestar especial atenção ao Brasil ao menos desde que o Supremo Tribunal Federal acabou com a prisão após condenação em segunda instância; o chefe de um grupo de trabalho anticorrupção da OCDE foi enviado ao Brasil para se informar sobre a decisão e manifestou preocupação com outros retrocessos, como a Lei de Abuso de Autoridade e a desfiguração do pacote anticrime proposto pelo ex-ministro Sergio Moro. Desde então, a situação apenas piorou, com o desmonte completo da Lava Jato, a anulação de seus resultados e a iminente posse no cargo máximo do país daquele que foi o principal investigado da operação, e que só está prestes a receber a faixa presidencial porque o mesmo STF que acabou com a prisão em segunda instância tirou da cartola uma inacreditável anulação de processos baseada em “erro de CEP” e uma igualmente inacreditável suspeição de Moro.
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Olhando por esse aspecto, não chega a surpreender que o PT não queira que o Brasil avance no processo de adesão à OCDE, pois isso significaria promover muito do que o partido abomina em termos de políticas econômicas, responsabilidade fiscal, liberdade econômica, grau de intervencionismo estatal na economia, boa governança e combate à ladroagem. As normas da OCDE, apesar de serem o resultado de décadas de acúmulo de experiência sobre a melhor forma de promover o desenvolvimento para a população dos países-membros, são reduzidas pela retórica petista a meros instrumentos “neoliberais”, de redução da autonomia brasileira ou qualquer outro termo dos surrados dicionários esquerdistas para atacar medidas cujo efeito positivo sobre o crescimento econômico é amplamente documentado.
Desistir do ingresso na OCDE, como Haddad dá a entender que Lula fará, será uma nova confirmação de uma sina brasileira, nas palavras de Roberto Campos: a de não perder uma oportunidade de perder uma oportunidade. Quando finalmente abrem-se as portas para o acesso a um grupo que puxa seus membros para cima, o petismo parece querer mantê-las bem trancadas. O que seria um impulso para o Brasil realizar as importantes reformas que segue relutando em fazer estará perdido, ao menos enquanto o petismo permanecer no poder. A nova “herança maldita” já começa a se desenhar.
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