Artigo
Por
Bradley J. Birzer
Tradução de Bruna Frascolla – Gazeta do Povo
The Imaginative Conservative


Por toda a história do conservadorismo, os conservadores quiseram promover tudo o que é bom, verdadeiro e belo.| Foto: Pixabay

Do Wall Street Journal ao Fund for American Studies, e a uma miríade de tuiteiros e usuários de Facebook no último mês, o conservadorismo e seu significado foram questionados. O que é, ao certo? O que significa? Quais são as suas limitações? O que fez pela humanidade? O Wall Street Journal (ou pelo menos o seu articulista de opinião convidado no fim de novembro) chegou ao ponto de proclamar que todos os avanços sociais nos Estados Unidos foram trazidos por progressistas (o que é uma absoluta falsidade histórica, a propósito).

Tudo bem, é verdade: essa conversa sobre conservadorismo dura há muito mais tempo do que um mês. De fato, vem acontecendo durante toda a história do conservadorismo. Mas eu diria que toda essa confusão recente resulta da eleição de Trump, que identificou incorretamente populismo e conservadorismo, assim como fundiu nacionalismo e patriotismo. Duas fotos de Trump até acompanharam o artigo de opinião do Wall Street Journal (ao menos na versão digital).

Então, como definimos ao certo o conservadorismo? Poderíamos nos voltar rapidamente para Russell Kirk e C.S. Lewis, ou para Dan McCarthy e Patrick Deneen. Uma coisa que une todos os conservadores, de Irving Babbitt a Deneen, é a questão: o que exatamente os conservadores querem conservar? De fato, para o conservador, não há questão maior.

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Eu diria que, por toda a história do conservadorismo, os conservadores quiseram promover tudo o que é bom, verdadeiro e belo. Ao menos na tradição ocidental, acreditam na prudência, justiça, força, temperança, fé, esperança, caridade, labor, destino e piedade. Essas dez virtudes — gregas, romanas e cristãs — formaram a base da promoção do humano, promovendo o que significa ser humano, ser homem, ser mulher, ser uma pessoa.


Como é tradição desde os anos 1890, os conservadores também quiseram conservar o melhor da tradição ocidental (e eu remontaria isso até Edmund Burke, embora possa não haver uma ligação entre Burke e Babbitt, exceto por Tocqueville). Isso não é sugerir que ocidentais sejam únicos. Meu palpite (embora não seja mais que uma série de palpites) é que os hindus, budistas e confucianos quiseram preservar suas respectivas culturas também. Mas, dentro da Tradição Ocidental (sim, com T e O maiúsculos!), é digno de lembrar: Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão, Cleanto, Cícero, Tito Lívio, Tácito, Paulo, João, Perpétua, Ambrósio, Agostinho de Hipona, o Rei Alfredo de Wessex, Petrarca, Tomás de Aquino, Thomas Morus, Edmund Burke, George Washington, John Adams, Alexis de Tocqueville, Nathaniel Hawthorne, E.L. Godkin, Irving Babbitt, Paul Elmer More, T.S. Eliot, Christopher Dawson, Willa Cather, Russell Kirk, Robert Nisbet, Flannery O’Connor e outros. Cada uma dessas pessoas carregou o peso de todas as coisas anteriores a si, e passou para as gerações futuras só o que podia ser visto como verdades transcendentes e atemporais.

Quer dizer que todos os que adotaram o rótulo de “conservador” pelo último século são mesmo conservadores? Claro que não. O conservadorismo, como todos os termos bons, foi sequestrado — ora por demagogos, ora por populistas, ora por nacionalistas, ora pelos políticos e ora, simplesmente, por aqueles que se vendem ao público para ganhar dinheiro.

Ainda assim, o conservadorismo, entendido propriamente, permanece. É possível, e talvez até provável, que o verdadeiro conservadorismo — tal como herdado de Sócrates em diante — raramente seja entendido, e mais raramente ainda posto em prática, neste vale de lágrimas. Também é possível que as ideologias tais como populismo e nacionalismo simplesmente dominem o conservadorismo. Talvez o conservadorismo em 2022 ou 2023 não possa competir com o socialismo, o liberalismo ou o corporativismo. Nenhum desses nega o conservadorismo. Ao morrer, Sócrates chegou ao fim da Grécia clássica. Ao morrer, Cícero chegou ao fim da República Romana. Ao morrer, Thomas Morus chegou ao fim da Renascença. Ao morrer, C.S. Lewis, se acreditarmos em suas palavras ao pé da letra, chegou como o “último homem do velho Ocidente”. Cada um deles, ao seu modo, fez o que pôde — por meio da lógica e de não pouca nostalgia — para preservar aquilo que se havia perdido recentemente. No mínimo, esses homens ficaram de pé como exemplares, lembrando que nós também devemos ficar de pé e proclamar, toda hora, o que é bom, verdadeiro e belo, ao menos na medida em que nossas modestas luzes permitirem entender tais coisas.

Se o conservadorismo é verdadeiro, é verdadeiro para todas as épocas, todos os lugares e todas as pessoas. Pode tomar um caráter cristão aqui, ou um caráter judeu ali, ou um caráter estoico acolá, mas permanece universalmente ligado a certos princípios humanos, independentemente de suas manifestações locais. É a imaginação, talvez nossa faculdade cognitiva mais elevada, que permite que os conservadores fiquem de pé não somente em meio ao momento, mas também acima dele.

Um dos maiores sucessos do conservadorismo, bem como uma das coisas que volta e meia impossibilita a sua implementação, é que ele se baseia na humildade, admitindo que nem sempre compreendemos perfeitamente o mundo. Isto é, é difícil saber como aplicar à nossa situação específica os princípios universais. É claro que essa humildade é um reconhecimento crucial de nossa individualidade. Imaginemos um júri: doze pessoas assistem ao mesmo julgamento, as doze almejam a justiça (uma coisa transcendente), mas as doze pessoas também têm doze pontos de vista distintos trabalhando como uma comunidade. E, se houver uma dúvida razoável dentro do grupo, é preciso declarar a inocência. Não consigo pensar noutra instituição que entenda melhor as complexidades do mundo do que o júri. Para todos os efeitos, é uma instituição que, no melhor dos casos, equilibra o universal e o particular.

Há mais uma coisa que faz do conservadorismo, ao mesmo tempo, belo e frustrante. Ao contrário do liberalismo, do socialismo e do corporativismo, que são, por sua natureza, profundamente utilitários, o conservadorismo é profundamente poético. Ama o gótico, o tortuoso e o estranho. Ao contrário do liberalismo, do socialismo e do corporativismo, elogia as (verdadeiras) diferenças e até as celebra. A pessoa A tem talento para isso e a pessoa B tem talento para aquilo. Cada qual traz seus talentos à comunidade; estão aí para afiá-la, bem como para restringir nossas muitas falhas e arrogâncias.

Então, o que queremos conservar ao certo? Esta é uma pergunta que toda pessoa e toda geração tem de fazer. Se acertarmos, empregaremos prudência (a capacidade de entender o bem e o mal), justiça (dar a cada um o que lhe cabe), temperança (o uso dos bens criados para Deus) e a força (perseverança), mas devemos fazer isso por meio da fé (a capacidade de ver o não-visto), da esperança (o entendimento de que cada um de nós importa e que Deus não faz nada em vão) e, especialmente, do amor (dar-se a outrem). Isso se traduz em soluções imediatas para o mundo? Não, claro que não. Mas isso nos permite ver uns aos outros por meio do divino, não importando o quão obnubiladas as nossas vistas possam estar.

O conservadorismo permanece, como sempre deve permanecer, a despeito do que os seus críticos digam.


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