Artigo
É hora de enterrá-la para sempre
Por
David Sukoff – Gazeta do Povo
Foundation for Economic Education


A Teoria Monetária Moderna, é uma ramificação do keynesianismo na qual o governo pode gastar dinheiro a rodo, sem nenhum efeito ruim.| Foto: Pixabay

No fim dos anos 1960, Milton Friedman esclareceu o seu famoso chiste dizendo que, “num sentido, todos somos keynesianos agora; noutro, ninguém é keynesiano mais”.

Na primeira parte, somos todos keynesianos porque o gasto descontrolado do governo nos força a ser. No último sentido, não somos keynesianos porque esse gasto dizimou o nosso bem-estar. A Modern Monetary Theory (MMT), ou Teoria Monetária Moderna, é, em suma, uma ramificação do keynesianismo na qual o governo pode gastar ad nauseam e imprimir o dinheiro de modo proporcional, sem nenhum efeito ruim. Com a inflação histórica pela qual os EUA estão passando, a MMT foi exaustivamente repudiada. A MMT está morta. Agora, falta enterrar.

Em seus manuais de economia básica, o Professor Paul Krugman prega keynesianismo. Ensina aos estudantes sobre um multiplicador do gasto governamental. Em seu conto de fadas, o governo gasta um dólar e a economia cresce mais que um dólar. A primeira pergunta do aluno deveria ser: de onde vem esse dólar gasto? A pergunta seguinte do aluno deveria ser: se esse multiplicador místico fosse real, por que não gastar adoidado? As respostas são simples e compõem a base para repudiar a MMT. Um dólar do gasto governamental tem que vir do dólar dos impostos, em algum momento. Quanto à segunda, o governo federal do mito de Krugman e da MMT já gastou adoidado. Ao fim e ao cabo, o desfecho inevitável chegou, e não foi o de um conto de fadas.

Se não houvesse consequências perceptíveis do gasto governamental, então o incentivo para qualquer governo seria o de lançar dinheiro para todo lado. O keynesianismo, o multiplicador de Krugman e a MMT tentaram acobertar e dar licença ao governo para gastar. É simplesmente impossível negar, e não está em disputa, que em algum ponto o dólar das despesas tenha que vir do dólar dos impostos. Se houver um déficit orçamentário, o governo toma dólares emprestados para tapar o buraco. O governo em geral compra dólares lançando obrigações públicas. Para manter seu desejo insaciável por gastar, e ao mesmo tempo não aumentar os impostos para níveis desagradáveis, o governo lança uma dívida considerável.

Nos últimos anos, a razão dívida/PIB dos Estados Unidos ultrapassou o nível dos 100%, e agora está numa alta histórica. Isso cria vários problemas; entre eles, a alta das taxas de juros. Se o governo aumentar a oferta de obrigações, o preço cai, e os rendimentos (o retorno dos juros) sobem. Com essa dívida pantagruélica, os rendimentos crescentes obrigam o governo a gastar ainda mais em pagamentos, resultando em todo tipo de efeito negativo sobre a economia como um todo.

Sintam a mágica do Quantitative Easing (QE, ou Alívio Quantitativo) e da MMT. O governo quer gastar, mas sem aumentar demais os impostos. Então ele tem que rolar a dívida, mas sem aumentar as taxas de juros. Bem, a Reserva Federal [, análoga ao nosso Banco Central,] pode dar as caras e comprar obrigações! Parece ótimo — ótimo para os burocratas que querem gastar e dizer que estão estimulando a economia. Melhor ainda: não há limite real para o valor em dólares da quantidade de obrigações a Reserva Federal pode comprar. Podem trilhões e mais trilhões. O balanço patrimonial da Reserva Federal cresceu aproximadamente oito trilhões de dólares nos últimos 20 anos, sendo mais de quatro trilhões só dos últimos dois anos. Há um problema crucial, e é aí que a MMT é usada para ofuscar: Quando a Reserva Federal compra obrigações, está imprimindo dinheiro.

Na verdade, esse banco é uma mera impressora. A Reserva Federal compra uma obrigação de alguém que está vendendo. Quem vende entrega a obrigação à Reserva Federal, e esta aperta um botão para depositar dinheiro na sua conta. Esse dinheiro é criado com um dedo no botão. O som dessa impressora é Enter-Enter-Enter, click-click-click. E assim, num piscar de olhos, a Reserva Federal “imprimiu” quatro trilhões de novos dólares no último ano. A Reserva Federal também é, disparada, a maior dona de obrigações do Tesouro dos EUA — com um balanço patrimonial superior a oito trilhões de dólares. Mas a MMT disse que isso não é problema, e por anos ela parecia estar certa, já que a Reserva Federal estava aumentando seu balanço patrimonial sem nenhum sinal claro de inflação.

Mas havia inflação. Simplesmente se manifestava noutros lugares que não os preços dos consumidores. A inflação é um fenômeno monetário. É matemática básica. Se alguns novos dólares forem acrescentados a um estoque total de dólares, então o preço de tudo pelo que um dólar pode ser trocado deve subir. Isto é só um fato matemático — não uma teoria econômica, como multiplicador, ou imprimir e gastar ad nauseam. Dólares são criados, preços em dólar sobem. Enquanto a Reserva Federal estava fazendo o QE (alívio quantitativo) ao aumentar o seu balanço patrimonial e imprimir dólares, o preço dos recursos financeiros estava na lua. Assistimos a uma das maiores transferências de riqueza imagináveis para os detentores de recursos financeiros. Foi retirado sobretudo do público. Ironicamente, muitos dos que promoveram keynesianismo e MMT são os mesmos que reclamam com a maior estridência da desigualdade de renda que suas políticas causaram diretamente. As bolhas são infladas com dólares. E uma vez que a implementação do QE era a pedra angular da política da Reserva Federal, essa bolha não corria o risco de estourar, porque a Reserva iria simplesmente comprar mais obrigações e imprimir mais dinheiro. A MMT disse que tudo bem.

Tal como a água, o dinheiro, mais cedo ou mais tarde, rompe o dique. Com ações, criptomoedas e imóveis lá na lua, era uma questão de tempo até o dinheiro chegar aos bens de consumo. A inflação, tal como a entendíamos ordinariamente, enfim chegou. Estava matematicamente pré-ordenada; e, ainda assim, inesperada. Historicamente alta. Estamos falando de 1970 para cima. Orçamento das famílias estourando, crescimento econômico esmagado. E tudo por causa da falência em perguntar em voz alta essas duas questões muito básicas: de onde vem o dinheiro; e, se a teoria de fato funcionasse, o governo não deveria gastar um dinheiro infinito?

Talvez quem estava no governo simplesmente não quisesse perguntar, nem entender isso. Para alguns, foi divertido enquanto durou. Mas agora acabou. Essas perguntas precisam ser feitas, de novo e de novo. Porque as respostas são óbvias, claras e indisputáveis. Infelizmente, também é assim a dolorosa solução para a atual crise inflacionária. O governo precisa reduzir drasticamente o gasto, e a Reserva Federal precisa reverter o seu balanço patrimonial.

Tirar o governo e a Reserva Federal do vício de gastar e imprimir será um processo longo e agonizante. E inteiramente necessário. Ninguém deveria ser um keynesiano ainda. Com certeza, não se as metas forem a redução da inflação e uma economia crescente, robusta e livre.

O keynesianismo, o multiplicador de Krugman e a MMT foram todos, empírica, lógica, matemática e completamente repudiados.

David Sukoff é consultor da comunidade de gerenciamento de investimentos e cofundou e administrou anteriormente um fundo de valor relativo de renda fixa de US$ 500 milhões. Ele também é cofundador de uma empresa de software e inventor de várias patentes. Dave se formou no MIT em finanças e economia.


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O que é a Teoria Monetária Moderna citada na PEC da Transição e por que o mercado reage mal a ela

Foto: Fábio Motta/Estadão

Por Luiz Guilherme Gerbelli

Modelo prevê que governos que emitem dívida em moeda local não enfrentariam risco fiscal ao promover a expansão de gastos; teoria foi citada em relatório discutido no Senado e retirada do texto após críticas

Citada no relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição e depois retirada do texto, a Teoria Monetária Moderna (MMT, na sigla em inglês) assume, de forma geral, que os governos que emitem dívida em moeda local não enfrentariam um risco fiscal ao promover a expansão de gastos.

Essa teoria passou a ser debatida nos anos pré-pandemia, num cenário em que os Estados Unidos não conseguiam acelerar o crescimento econômico, mesmo com juros e inflação baixos. A MMT ganhou força, sobretudo, dentro da ala mais à esquerda do Partido Democrata, nos Estados Unidos.

“Essa teoria tem premissas irrealistas até para os Estado Unidos”, afirma Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Não tem sustentação nas bases mais essenciais da teoria monetária. É uma ideia que veio de um grupo pequeno de economistas dos EUA, mas que é muito barulhento.”

A citação da MMT no relatório da PEC, não foi bem recebida pelo mercado financeiro e acabou retirada do texto por iniciativa de Fernando Haddad, nome mais cotado para ocupar o Ministério da Fazenda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A preocupação é que, se a teoria for posta em prática, o País pode chegar a dois cenários: aumento da inflação e problemas no balanço de pagamentos.

“O resultado é que esse processo é inflacionário”, diz Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimento. “E com a inflação subindo, os juros aumentam, e o governo vai ter se endividar a uma taxa mais alta.”

“E há um segundo ponto: ninguém garante que essa emissão de moeda local não vá migrar para a moeda estrangeira. Se você pegar esse dinheiro que será emitido e o mercado passar a demandar mais dólares, aí não tem montante de US$ 300 bilhões de reservas (internacionais) que dê conta. Vai gerar uma crise no balanço de pagamentos”, acrescenta Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

Há ainda um outro agravante que dificulta a implementação da MMT no Brasil, que tem a ver o curto prazo de emissão de dívida do País, de acordo com Holland. A dívida pública brasileira tem um período médio de apenas quatro anos. “Não dá para emitir moeda financiando o gasto, porque isso significa emitir dívidas no curto prazo muito caras”, afirma. Segundo ele, o Brasil não consegue emitir título na própria moeda “no longo prazo”. Nos Estados Unidos, como comparação, a maior parte da emissão da dívida é com títulos longos, de 20, 30 anos.

Relator da PEC da Transição no Senado, Alexandre  Silveira (PSD-MG), lê sua versão da proposta FOTO:  WILTON JUNIOR / ESTADÃO
Relator da PEC da Transição no Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG), lê sua versão da proposta FOTO: WILTON JUNIOR / ESTADÃO 

Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a PEC da Transição abriu um espaço de R$ 145 bilhões no teto de gastos para bancar o novo Bolsa Família. No texto, o relator da proposta no Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG), incluiu uma referência à MMT, citando que a teoria destaca o “papel central da política fiscal (em contraposição à política monetária) para recuperar a economia de um país”.

“Além de não comprometer a sustentabilidade da dívida, os gastos adicionais propiciados por esta PEC poderão, em verdade, ampliar a capacidade de pagamento do governo. Projeta-se em R$ 69,3 bilhões a expansão do Programa Auxílio Brasil (ou do que vier a substituí-lo). A teoria keynesiana tradicional, bem como a chamada Teoria Monetária Moderna (ou MMT) enfatizam o papel central da política fiscal (em contraposição à política monetária) para recuperar a economia de um país”, destacou o texto do relator.

Entre os economistas que integram a transição, André Lara Resende abraçou parte da teoria. O grupo econômico, no entanto, não participou das discussões do texto da PEC.

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By valeon