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Bruna Frascolla – Gazeta do Povo
O atual presidente e então candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva, e o então presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, durante debate nos estúdios da TV Globo no Rio de Janeiro (Brasil), no dia 28 de outubro de 2022.| Foto: EFE/Antônio Lacerda
Nas redes sociais, a moda na direita é pôr prints de postagens de Olavo de Carvalho que provavam de antemão que a repressão da esquerda seria implacável e as Forças Armadas esmagariam o povo. O apocalipse veio. O Brasil acabou.
Concomitantemente, o Estadão deu muito o que falar no Twitter, ao menos na minha bolha. Sua postagem dizia assim: “VACINADOS Golpistas presos em Brasília são levados para celas, vacinados contra covid e recebem kit higiene”. Muita gente apontou — com razão — a disparidade de tratamento entre os “golpistas” e os “suspeitos” de latrocínio. Por isso mesmo, a imagem sugerida pela tuíte deveria ser recebida com ceticismo. Com tanta lei pró bandido, o Estado pode pegar na marra os detidos e enfiar agulha no braço, sem nem saber quantas doses o “golpista” tinha tomado? É preciso então clicar na matéria e ler o corpo do texto… Mas eis que aparece a paywall pedindo assinatura, e você não vai assinar o jornal que chama de “golpistas” os manifestantes detidos. Então resta concluir eles estão injetando mRNA à força em dissidentes políticos. O fim está próximo! Vamos todos morrer de miocardite e tromboembolismo pulmonar!!
Seja com um tuíte do Estadão ou as profecias de Olavo de Carvalho, alcança-se o mesmo resultado: desespero. Bem se sabe que resgatar afogados é difícil porque o seu próprio pânico contribui para afogar o seu salvador. Nas redes sociais, a direita que se vê é um bando de afogados se abraçando.
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O que mudou?
Em termos de liberdades individuais e de garantias constitucionais, o que mudou entre 31 de dezembro de 2022 e 1º de janeiro de 2023? Em 2022 — na verdade, já em 2019 —, era possível um mesmo indivíduo ser vítima e executor de punições ao mesmo tempo, tudo enquanto o processo era escondido dos advogados. Como Olavo de Carvalho costumava apontar, a eleição de Bolsonaro desencadeou o crescimento da perseguição à direita pelo Estado e pela imprensa tradicional. Daí se seguia que Bolsonaro não deveria ter sido eleito? Não dava para desaparelhar o Estado antes de 2018. Muito bem: desta vez Bolsonaro não foi eleito.
Se, antes de 2023 e depois de 2019, uma turba vestida de verde-e-amarelo invadisse o prédio do STF, o que será que aconteceria? O Cacique Tserere foi preso não muitos dias antes do evento. Oswaldo Eustáquio foi preso e saiu de cadeira de rodas.
O quebra-quebra de janeiro serviu para recrudescer, é verdade. E não há motivos para crer que ele serviria para recrudescer a despeito do resultado ungido pelas urnas infalíveis. A eleição de Lula serviu para acirrar os ânimos, acirrar os ânimos serviu para o quebra-quebra, o quebra-quebra serviu para recrudescer. Mas se Bolsonaro ganhasse, o lobo poderia muito bem arranjar outro motivo para dizer ao cordeiro que ele turvava a água.
Na questão das garantias constitucionais, a eleição de Lula não mudou nada. Tem o ministro Sílvio Almeida, claro, que deve forçar o racialismo em tudo. Teve a equiparação do racismo a injúria racial, por Lula. Mas me digam: o que eles fizeram ou podem fazer que o STF não faça? Todo o racialismo institucional existente no Brasil hoje foi puxado pelo STF, de cima pra baixo.
Os EUA hoje são tóxicos
De onde vem isso? Do Partido Comunista Chinês? Do Estado presidido por um ex-agente da KGB? Nada: a ideologia de gênero (incluindo trans), o racialismo, o ambientalismo neomalthusiano, o abolicionismo penal, a luta antimanicomial, e, coroando tudo isso, o ativismo judicial, são espécies nativas dos EUA e da União Europeia. Nada disso é comunismo. Nada. No entanto, tipos como Weintraub ficam atacando qualquer político construtivo e realista que mantenha relações comerciais com a China enquanto vendem os EUA como algum tipo de ideal. Imaginem a nossa situação geopolítica caso resolvêssemos romper todo tipo de relação com o nosso maior parceiro comercial (a China) e se aderíssemos às sanções à Rússia. (Um monte de liberal limpinho se esgoelou porque Bolsonaro garantiu a compra de fertilizantes indispensáveis ao nosso agronegócio.) Nós nos transformaríamos em escravos pobres dos EUA, um país que fez maquiagens dilmescas com a própria moeda e agora tem uma inflação descontrolada.
Pois bem: Weintraub em 2014 estava com a turma de banqueiros que queria eleger Marina; em 2020, numa reunião sabidamente filmada, deu uma de macho contra o STF, que está fazendo e acontecendo com o Inquérito do Fim do Mundo. O vídeo é exposto e Bolsonaro, para protegê-lo, indica-o para um belo cargo no Banco Mundial, fora do país e do alcance o STF. Eis que de repente, dos EUA, Weintraub começa a atacar loucamente Bolsonaro e diz querer ser o novo líder da direita.
É um absurdo supor que esse pessoal do mercado financeiro, vindo de países ricos em decadência, com uma economia podre maquiada, tenha infiltrado gente no governo para meter as mãos nas nossas riquezas e, dentre outras coisas, se enfiar na nossa Amazônia?
Bolsonaro se alinhou de graça
Como defendi com mais detalhe aqui, o problema dos manifestantes é terem acreditado na carochinha de que a “Revolução de 64” ocorreu devido ao clamor popular. 64 jamais teria ocorrido sem uma concertação de parte da elite nacional (que não queria gaúchos de volta na presidência) com os Estados Unidos. Desde Vargas, presidentes gaúchos eram independentes. Vargas não se alinhou de graça aos Estados Unidos, nem se aliaria de graça ao Eixo, pelo qual tinha simpatias reais e no qual se inspirava. Vargas negociou. Os EUA entregaram a siderurgia; Hitler ficava prometendo entregar armas lá no futuro. Ficou então com os EUA.
No período militar, o Brasil não se alinhou incondicionalmente com os EUA. Geisel, gaúcho, foi o primeiro presidente a reconhecer a independência de Angola, num movimento liderado por comunistas. Um projeto que Geisel não conseguiu concluir foi o da bomba atômica, que faria de nós um país bem menos vulnerável à pressão internacional.
Bolsonaro jamais teve esse tipo de sabedoria. O máximo que fez foi se recusar a sancionar a Rússia — e se sancionasse, perderia o apoio do principal setor econômico que o apoiava, o agronegócio.
Se Bolsonaro tivesse alguma esperança de se manter no poder, ou de no mínimo ter urnas melhores, ele precisaria de apoio internacional. Me parece que ele confundiu os Estados Unidos com a pessoa de Trump e achou que isso bastava. O próprio Trump não apitava nada nos EUA; tinha contra si o FBI, que virou um órgão totalmente sectário. E o que o FBI fazia para enfraquecê-lo? Atrelava-o à Rússia. Se um norte-americano for perseguido pelo próprio serviço secreto partidarizado, o natural é que procure ajuda noutras plagas. É possível que haja um dedo russo na descoberta do laptop de Hunter Biden; e, sendo esse o caso, o dedo russo foi útil à liberdade nos EUA. É do interesse do FBI que todos se afastem de qualquer potência concorrente. Bolsonaro se afastou de graça. Agora está lá nos Estados Unidos com receio de ser extraditado, enquanto os Democratas, com o beneplácito de parte do novo governo, querem botar o FBI para investigar Brasília.
E agora?
Mas voltemos à vaca fria, que é o estado de afogamento da direita. As liberdades não vão sumir por causa de Lula; elas já estavam sumindo antes. O que pode piorar por causa do PT é a economia. Ainda assim, temos um mistério. O que Haddad fala, Rui Costa nega. Eu aposto que será pior do que o governo Bolsonaro, mas melhor do que um governo Dilma. Se o governo tiver a cara de Rui Costa, o que temos pela frente são privatizações e cortes de gastos com servidores, além de aproximação com as empreiteiras da Lava Jato e o BRICS (Rui quis importar a russa Sputnik e a indiana Covaxin). O corte de gastos com servidores é assim: não abrir concurso para professor (ao contrário do que Dilma fez) e contratar semianalfabeto para dar aulas em regime temporário. (Assim o Pisa da Bahia despencou.) Quanto à segurança pública, seguirá descontrolada, mas não haverá nem propaganda da marginalidade, nem cracolândia. É um estilo totalmente diferente de Haddad. (Por ora, vi que Margarete Menezes segue os seus conterrâneos e se aproxima da China. Na China não tem lacração. Um Ministério da Cultura construtivo e sem lacração seria uma vitória.)
Há muitos PTs dentro do PT, e há muitas tendências dentro do PT. Penso que uma coisa positiva do futuro é possibilidade de um reequilíbrio das influências sobre o Brasil. Mas, tal como o governo Bolsonaro tinha os seus marineiros, o governo Lula os tem, e bem à vista (vide a própria Marina e Sônia Guajajara).
Por fim, o que eu queria observar é que as mídias – sociais e tradicionais – tendem a vender emoções negativas. Se o jornalista é lacrador, vai ser mais jacobino do que qualquer membro do governo. O governo tem Dino e Múcio, mas o jornalista e o influencer, de esquerda e de direita, vão fazer de conta que é só Dino.
É preciso manter a cabeça no lugar e tentar enxergar as coisas como realmente são, e não como parecem ao afogado enquanto ele se debate n’água.
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