A influência cada vez maior da China nas universidades brasileiras
Por
Gabriel de Arruda Castro, especial para a Gazeta do Povo



Evento do Instituto Confúcio na UNESP: presença chinesa em alta.| Foto: Divulgação/Instituto Confúcio UNESP

A influência da China nas universidades brasileiras nunca foi tão grande. Nos últimos anos, as principais instituições de ensino do país firmaram acordos e convênios com instituições chinesas num ritmo crescente.

Embora parcerias do tipo sejam comuns com governos e universidades de outros países (especialmente dos Estados Unidos e da Europa), existe uma diferença fundamental: a maioria das universidades americanas é privada. E as públicas, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, não estão submetidas ao controle rígido de um governo autoritário comunista.

Ofensiva do regime chinês
O governo chinês tem adotado uma postura agressiva para aumentar sua influência em instituições de ensino e pesquisa ao redor do mundo. Os chineses perceberam que esta é uma das formas mais efetivas do chamado “soft power” (que pode ser traduzido como “poder suave”). Ao mesmo tempo, as universidades chinesas também passam por uma explosão de produção científica. Isso ampliou a possibilidade de parceria com instituições de ensino mundo afora.

Grande parte dessa influência é exercida por meio das filiais do Instituto Confúcio ao redor do globo. A entidade tem como objetivo declarado a propagação da cultura e da língua chinesas. Na prática, serve também para divulgar o regime comunista e, segundo autoridades de inteligência dos Estados Unidos, para a espionagem. Pelos cálculos mais recentes, existem quase de 550 unidades do Instituto Confúcio ao redor do planeta. Onze delas estão no Brasil. O da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo), pioneiro, foi instalado em 2008 e se orgulha de ter sido escolhido por três vezes o “Instituto Confúcio do Ano” pela matriz chinesa.

Onze universidades brasileiras têm filiais do Instituto Confúcio. A última dela foi a UFG (Universidade Federal de Goiás), que inaugurou a sua unidade em dezembro.

Lista extensa de parcerias
A lista de universidades públicas brasileiras que mantêm convênios com instituições da China (leia-se: controlados pelo Partido Comunista Chinês) é extensa.

A UFRJ tem, desde 2009, uma parceria com a Universidade Tsinghua no campo tecnológico. As duas instituições mantêm o Centro China-Brasil de Tecnologias Inovadoras, Mudanças Climáticas e Energia. Na época, a parceria foi celebrada com um grande evento em Pequim. O então vice-ministro das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro, participou da cerimônia ao lado de autoridades chinesas.

Em 2015, a Unicamp deu início a um convênio com a Universidade Shenyang. Na época, o coordenador-geral da Unicamp, Alvaro Crósta, celebrou: “É simbólico que assinemos o primeiro acordo de cooperação de 2015 com uma universidade da China, país com o qual queremos estreitar cada vez mais as nossas relações.” Poucos meses depois a Unicamp também lançou a sua unidade do Instituto Confúcio.

Expansão rápida
A influência da China nas universidades brasileiras tem se intensificado rapidamente nos últimos anos.

Em janeiro do ano passado, por exemplo, a Universidade de São Paulo anunciou um novo centro de pesquisa em parceria com a Universidade Shenzen e com um certo Instituto de Pesquisa Belt and Road, que é controlado pelo governo chinês. O projeto do Centro de Pesquisa China-Brasil para Inovação e Competitividade, ambicioso, prevê dentre outras coisas a criação de “programas de pós-graduação e de pós-doutorado”. O acordo abrange áreas diversas como agricultura digital, relações internacionais, políticas públicas e bioeconomia.

Quase ao mesmo tempo, a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) firmou um acordo semelhante com a Universidade Renmin para lançar um instituto de pesquisa que gere, dentre outras coisas, “trocas tecnológicas” com foco nas mudanças climáticas e na desigualdade.

Em abril do ano passado, a UFPB (Universidade Federal da Paraíba) firmou um acordo de cooperação com a Universidade de Liaoning na área do Direito. O objetivo, segundo a instituição brasileira, é promover “o desenvolvimento conjunto de atividades de ensino, pesquisa e extensão e o intercâmbio de professores, pesquisadores, funcionários administrativos e estudantes.”

Em junho, a UFMT (Universidade Federal do Mato Grosso) formalizou um acordo com a Universidade Agrícola do Sul da China para criar um Centro de Língua Chinesa e Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia Agrícola.

Interesses estratégicos
As parcerias da China atendem aos interesses estratégicos do governo chinês. Não por acaso, praticamente todas elas estão ligadas a pesquisas sobre o meio ambiente e o agronegócio. Isto acontece porque, na visão estratégica do centralizador estado chinês, o papel global do Brasil está baseado nesses dois pilares.

O professor Rodrigo De Lamare, da PUC do Rio de Janeiro, é pesquisador de tecnologia de telecomunicações e chegou a participar de um projeto de pesquisa em parceria com a companhia chinesa Huawei enquanto atuava como professor da Universidade de York, na Inglaterra. O resultado foi elogiado, mas, pouco depois, ao propor o mesmo projeto pela PUC, ele foi rejeitado. “Existe uma certa discriminação. O Brasil tem que ter cuidado, porque eles nos veem como um exportador de alimentos e lugar para investimento em energias”, afirma.

Na visão de Delamare, não é possível ignorar a importância da China em algumas áreas do conhecimento, como a inovação tecnológica. Por isto, parcerias envolvendo acadêmicos brasileiros devem ser vistas como bem-vindas, desde que o Brasil não se torne dependente da China e que os chineses não imponham termos abusivos. Uma dependência excessiva dos recursos chineses poderia manter o Brasil em um papel secundário.

Apologia ao regime chinês
Embora o foco do governo chinês no Brasil esteja em outras áreas, departamentos das Ciências Humanas e Sociais de algumas universidades também mantêm programas cujo principal objetivo parece ser a exaltação o regime chinês. É impossível entender o mundo atual sem estudar a China. Mas isto é diferente de simplesmente comprar a versão oficial chinesa, o que acontece com frequência na academia brasileira.

A UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), por exemplo mantém o seu Instituto de Estudos sobre a China. Criado por professores brasileiros da própria universidade, ele tem como função “manter convênios com universidades chinesas.”

O conteúdo produzido pelo instituto da UFSC passa longe de uma avaliação crítica do papel exercido pela China. Por exemplo: em uma espécie de videoaula feita pelo instituto, a pesquisadora Mariana Schlickmann afirma que “não foi com neoliberalismo e privatização” que a China obteve o que ela classifica como “a maior conquista antipobreza da história”. Para justificar seu argumento, ela repete as estatísticas do governo chinês, que tem um longo histórico de acobertamento e de manipulação de dados.

O instituto também ofereceu um curso online com o nome de “China 1949-2025 de país muito pobre a maior economia do mundo”. O material exalta o Partido Comunista Chinês, sem dar a atenção devida para os milhões de mortes causadas pelo regime. O curso foi dado pelo professor Wladimir Milton Pomar, que é filiado ao PT e foi candidato a vereador pelo partido em 2020. Ele também é filho de Wladimir Pomar, um dos fundadores do PCdoB – partido que defende o regime chinês de forma mais entusiasmada – e neto de Pedro Pomar, militante comunista que chegou a viver na União Soviética por dois anos.

A militância de Wladimir Valter Pomar pode ser espontânea e gratuita. Mas o professor De Lamare está certo de que o regime chinês tem arregimentado professores brasileiros, inclusive com o uso de financiamento para projetos de pesquisa. “Não tenho dúvidas que a China está cooptando professores universitários brasileiros nas áreas de história, ciência política e economia”, diz ele.

Influência da China em universidades gerou reação nos EUA
Recentemente, a influência da China nas universidades dos Estados Unidos gerou um debate nacional no país. Membros do Congresso e autoridades do setor de inteligência acusaram o regime chinês de parcerias acadêmicas para promover seus interesses de forma oculta.

Em 2021, o Congresso americano endureceu as regras para universidades que mantinham filiais do Instituto Confúcio, acusado de praticar espionagem e corromper acadêmicos. A nova legislação vetou o repasse de quaisquer recursos federais a instituições que não tenham, em seu acordo com o Instituto Confúcio, cláusulas assegurando a proteção da liberdade acadêmica e o controle total da gestão dos institutos por parte da instituição americana.

De lá para cá, mais de cem universidades decidiram fechar as suas unidades do Instituto Confúcio. Menos de vinte continuam funcionando.


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