Vandalismo, Dino, abuso de autoridade: Congresso terá “guerra” pela instalação de CPIs
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Rodolfo Costa – Gazeta do Povo
Brasília
O Congresso Nacional: deputados e senadores articulam a instalação de CPIs a partir de fevereiro.| Foto: Bigstock
O novo Congresso Nacional toma posse em 1.º de fevereiro e já inicia suas atividades com um clima de disputa não apenas em relação às eleições para o comando da Câmara e do Senado, mas também sobre a instalação ou não de comissões parlamentares de inquérito (CPIs).
A “guerra das CPIs” envolve principalmente três propostas de investigação: dos atos de vandalismo em Brasília, das responsabilidades do ministro Flávio Dino (Justiça) no 8 de janeiro e dos supostos abusos de autoridade praticados por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No Senado, logo após a depredação em Brasília, ganhou força a ideia de uma CPI para investigar os atos de vandalismo no dia 8 de janeiro. A comissão foi proposta pela senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS), que iniciou a coleta de assinaturas.
Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inicialmente apoiaram a ideia da CPI. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), “garantiu” que a CPI seria instalada. Em 9 de janeiro, ele até anunciou nas redes sociais que haviam sido coletadas as 27 assinaturas mínimas necessárias para o pedido de instalação da comissão.
Mas nos últimos dias a esquerda tem atuado nos bastidores e até publicamente para arrefecer a CPI proposta por Soraya Thronicke. O próprio Lula se posicionou contra a ideia de instalação de uma CPI para investigar os atos de vandalismo. “Nós temos instrumentos para fiscalizar o que aconteceu nesse país. Uma comissão de inquérito pode não ajudar. E ela pode criar uma confusão tremenda, sabe? Nós não precisamos disso agora”, afirmou Lula em entrevista à Globo News.
A senadora Soraya respondeu ao recuo de Lula. “A democracia é sagrada, e devemos levar a sério a nossa responsabilidade em apurar a gravidade do ocorrido em 8 de janeiro. Nenhum poder tem o direito de se furtar da sua obrigação. E conosco não é diferente. Atuaremos de forma séria, imparcial e não cederemos à pressão política ou das redes”, diz a senadora.
Nos bastidores da política, há uma série de interpretações dos motivos do recuo da esquerda e de Lula na ideia da CPI. Uma é que a investigação poderia desviar a atenção do Congresso; e Lula quer usar o começo de seu governo para discutir outros temas que são de seu interesse – como a reforma tributária.
Também há a percepção de que a CPI possa ser usada pela oposição para desgastar o governo; e uma máxima do mundo político vem sendo citada: “Todo mundo sabe como começa uma CPI, mas ninguém sabe como termina”.
O uso da CPI contra o próprio governo poderia acontecer, por exemplo, com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Ele vem sendo acusado por opositores de ter sido omisso para conter os atos de vandalismo. O deputado federal Evair Vieira de Melo (PP-ES) inclusive já propôs na Câmara uma CPI específica para investigar as responsabilidades de Flávio Dino nos incidentes de 8 de janeiro.
Há ainda a possibilidade de que o clima de investigação criado pelas possíveis CPIs do vandalismo e de Flávio Dino levem o Congresso a abrir a CPI do Abuso de Autoridade, proposta pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) para investigar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O alvo principal dessa CPI tende a ser o ministro do STF e do TSE Alexandre de Moraes – que hoje é visto como um “aliado” do governo na investigação dos atos de vandalismo em Brasília. Além disso, a CPI, ao englobar o TSE, poderia levar a novos questionamentos sobre a eleição de Lula.
Nos bastidores, os líderes do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), e na Câmara, Zeca Dirceu (PR), já estão atuando para travar ideias de CPI que não sejam de interesse do Planalto.
Qual é a chance de instalação da CPI do vandalismo no Senado
Um líder partidário do Senado endossa o discurso de Lula e avalia que não há muito sentido na CPI do vandalismo já que a Polícia Federal (PF) e outros órgãos estão investigando os incidentes de 8 de janeiro.
Mas ele entende que há sim a possibilidade de que a CPI saia do papel. A análise é de que a própria disputa pela presidência do Senado possa contribuir com isso. Quando a CPI foi proposta por Soraya Thronicke, teve o apoio de senadores de esquerda, de centro e da direita – além do próprio presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Pacheco chegou a dizer, em 10 de janeiro, que considerava “adequado” que o caso seja objeto de uma CPI.
Senadores da oposição de Lula e do centro mantêm a ideia de investigar o vandalismo em Brasília – e pressionam Pacheco, que é candidato à reeleição à presidência do Senado, a instalar a CPI. Esses parlamentares também cobram o mesmo do adversário de Pacheco na disputa pelo comando da Casa, o senador eleito Rogério Marinho (PL-RN). Uma comissão parlamentar de inquérito tem de ser instalada pelo presidente do Senado ou da Câmara.
“A CPI vinga até porque a pressão dos senadores de centro e oposição vai obrigar os dois candidatos [Marinho e Pacheco] a se posicionarem a favor da instalação para não perder votos”, diz reservadamente um líder partidário que falou com a Gazeta do Povo sob condição de sigilo da fonte.
Já a senadora Soraya Thronicke diz que o Senado está engajado em “esclarecer os fatos” que levaram ao “desastre” de 8 de janeiro. “Precisaríamos de no mínimo 27 assinaturas para abrir a CPI e nós já conseguimos o apoio de 47 senadores, sendo que 34 permanecerão em seus respectivos mandatos [após a posse dos eleitos, em 1.º de fevereiro]”, afirma a senadora. “Todos os senadores ficaram indignados com a agressividade e a falta de respeito com nossa democracia. Esses atos violentos marcaram profundamente o Brasil.”
Soraya tem a expectativa de que a CPI seja instalada e que ela possa “encontrar a verdade” com uma investigação “sem revanchismos ou paixões pessoais”. “O objeto da CPI é definido e não vamos mirar nas pessoas. Nossa análise será focada nas provas encontradas. Não podemos negligenciar a gravidade do que aconteceu naquele domingo. Precisamos iniciar os trabalhos da CPI o mais rápido possível. Tenho certeza de que o Senado Federal será um instrumento importante na elucidação dos fatos”, diz.
A senadora afirma ainda que todos os senadores e as bancadas partidárias consultadas por ela querem justiça em relação aos atos. “É impressionante como o sentimento de indignação tem tomado conta dos debates internos”, diz.
Soraya destaca que o vencedor das eleições à presidência do Senado precisará discutir o tema. “O futuro presidente do Senado precisa enxergar a CPI dos Atos Antidemocráticos não só como um dever constitucional, mas como um dever moral. Somos responsáveis pela busca da verdade”, diz.
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Como fica a CPI para investigar Flávio Dino na Câmara
O presidente na Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também é candidato à reeleição para o comando da Casa, na disputa marcada para 1.º de fevereiro. E, assim como Pacheco, pode vir a assumir o compromisso de instalar CPIs que sejam de interesse de determinados grupos de parlamentares para obter votos na eleição interna. E isso pode vir a facilitar o funcionamento de alguma investigação sobre os atos de vandalismo em Brasília. Mas, depois das eleições de 2022, Lira tem se mostrado alinhado com Lula.
O deputado Evair de Melo pretende terminar a coleta de assinaturas e protocolar o pedido de criação da CPI para investigar o ministro Flávio Dino logo na retomada das atividades legislativas.
Ele avalia com naturalidade os movimentos de Lula e de sua base para desmobilizar as CPIs envolvendo o 8 de janeiro tanto na Câmara quanto no Senado. Mas Evair demonstra otimismo de que sua sugestão para investigar Flávio Dino tenha chances de vingar. “O PT sabe que essa é uma CPI que tem fato concreto e objetivo. O próprio Lula e o governo estão falando mal de outras CPIs. Mas dessa ele não fala porque é o calo no sapato deles. Ela pode ser só a ponta do iceberg para destruir o núcleo duro do governo”, diz o deputado.
Evair considera que a recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de arquivar pedidos de investigação contra Dino por suposta omissão no 8 de janeiro demonstra a importância de sua proposta. Ele questiona o Supremo por ter possibilitado investigações contra o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres, mas não de Flávio Dino.
“Quem não está sendo investigado? O Flávio Dino. Por entendermos que ele precisa ser investigado e o STF não quer investigá-lo, nós vamos investigar. Investigação não é condenação; é onde vai ter oportunidade de dar suas explicações”, diz Evair. “A CPI, para ser instalada, precisa ter fato concreto e objetivo, e não suposição. A nossa propõe investigar o crime de responsabilidade do Flávio Dino. É um fato concreto”, diz.
Coautor da CPI do abuso de autoridade diz que ela é a mais importante
Coautor da CPI que propõe investigar abusos de autoridade cometidos por ministros do STF e do TSE, o deputado Dr. Luiz Ovando (PP-MS) considera que essa investigação é mais importante do que a da comissão de inquérito sugerida pelo colega Evair Vieira de Melo para apurar a conduta de Flávio Dino. Segundo ele, as demais CPIs derivam de temas que seriam investigados pela comissão do abuso de autoridade.
Apoiadores do ex-presidente Bolsonaro argumentam que ministros do STF e do TSE interferiram no processo eleitoral, o que teria sido decisivo para a vitória de Lula. E a revolta com essa situação acabou levando ao 8 de janeiro.
A CPI do abuso de autoridade chegou a ter o número necessário de assinaturas de deputados e foi protocolada na Câmara. Mas, usando como argumento o fim da legislatura, Arthur Lira descartou a instalação e sugeriu que o deputado Marcel van Hattem representasse o pedido no início de 2023. Também sugeriu ao deputado do Novo que a CPI seja mista – com a participação de deputados e senadores. O deputado Luiz Ovando diz que o processo para pedir a instalação da CPI será refeito. “Marcel já estabeleceu isso”, afirma.
Ovando defende que tanto a CPI do abuso de autoridade quanto a de Flávio Dino sejam abertas e instaladas. Ele entende que o novo Congresso, com parlamentares mais conservadores, tem mais condições de fazer pressão política para que Lira instale ao menos uma investigação – e, nesse caso, ele defende que seja a do abuso de autoridade.
O deputado acredita, contudo, que os parlamentares vão definir qual é a prioridade das CPIs no início do ano legislativo. “Quero crer que os deputados vão se reunir naturalmente. Vamos reunir os autores [dos pedidos de CPIs] e quem está defendendo, Evair e Van Hattem, para, dentro do possível, colocar o que é oportuno.”
Evair concorda com Ovando que a CPI do abuso de autoridade é mais importante. “Quisera eu poder instalar a CPI do abuso de autoridade. Concordo que, em termos de dimensão, resolveria a equação brasileira. Só que, conhecendo a Câmara, acho mais difícil de ela tramitar. Ficaria muito feliz, mas ela é mais complexa, envolve outros poderes”, diz.
Por isso, Evair aposta que a investigação de Flávio Dino seja mais viável. “Aprendi na Câmara que tem que entrar pelo caminho mais fácil. Instalar uma CPI de abuso de autoridade pode não ir para lugar algum.”
Regimentalmente, é possível que a Câmara tenha mais de uma CPI funcionando ao mesmo tempo. Mas os deputados da oposição a Lula reconhecem ser improvável o andamento de duas comissões como as de Flávio Dino e do abuso de autoridade. “Se tivermos duas ou três [requisições de criação de] CPIs, vai ter que instalar uma. Não pode ficar sem instalar nenhuma. Vai ter que instalar uma. Não dá para sentar em cima de todas”, diz o deputado Evair de Melo.
Analista diz que Lula tem mecanismos para barrar investigações
O cientista político e sociólogo André César, analista da Hold Assessoria Legislativa, acha improvável a instalação de CPIs no início da nova legislatura. O especialista entende que o próprio governo tende a atuar para travar as propostas. Ele diz que isso pode ser feito pela nomeação de apadrinhados de parlamentares em cargos de segundo escalão e em estatais. Contemplados com esses cargos, os parlamentares iriam agir para atender aos interesses do Planalto.
André César reconhece que o bloqueio de CPIs também vai depender da condução do processo da eleição para o comando do Senado e da Câmara. Segundo ele, a depender dos resultado das eleições internas, nada ocorrerá. “A própria oposição [a Lula] na Câmara pode estar usando essa pressão para articular seus espaços [nos cargos de comando das duas Casas ou em comissões legislativas importantes, que também estarão em disputa no dia 1.º de fevereiro]”, diz.
O cientistas político afirma ainda que a prerrogativa de instalar uma CPIs dá mais poder de barganha principalmente para Lira em relação a Lula. E isso aumenta a influência do Centrão no governo.
Pesquisa eleitorais, Americanas e ONGs são outras propostas de investigação
Além das CPIs do vandalismo, de Flávio Dino e do abuso de autoridade, há no Congresso outras ideias de comissões parlamentares de inquérito que podem ser protocoladas no começo da legislatura.
Uma CPI com probabilidade maior de funcionamento é a proposta pelo líder do PP na Câmara, André Fufuca (MA), que sugeriu a investigação das inconsistências de R$ 20 bilhões detectadas em lançamentos contábeis da Americanas S.A. Ele sugeriu no domingo (15) e conta com o apoio do próprio Lira e do presidente nacional de seu partido, o senador Ciro Nogueira (PI).
Outro pedido de CPI na Câmara surgiu logo após as eleições de 2022 por causa dos erros de pesquisas eleitorais. A ideia é investigar os institutos de pesquisas. Deputados consideram, porém, que a investigação perdeu o “timing” político. “Passou do tempo. Em termos de oportunidade, não seria agora o melhor momento”, afirma o deputado Ovando. “É mais fácil a gente, neste momento, regulamentar ou ordenar o sistema de pesquisas. O tema é importante. Mas seria muito melhor a gente debruçar e tentar regulamentar e criar padrão e olhar pra frente”, diz o também deputado Evair.
No Senado, outra CPI sugere investigar a utilização de recursos públicos por organizações não governamentais. A proposta foi apresentada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que quer abrir a suposta “caixa preta” de ONGs que atuam na Amazônia.
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