A Lava Jato não tem culpa de tudo. Mas talvez tenha culpa de algo (cc @Deltan Dallagnol)

Por
Paulo Polzonoff Jr. – Gazeta do Povo


Sergio Moro sai para trabalhar levando consigo a icônica marmita: construção da figura do super-juiz no imaginário popular.| Foto: Reprodução/ Twitter

Li com atenção a coluna do deputado federal e meu vizinho de Gazeta do Povo Deltan Dallagnol, na qual ele acertadamente rebate as acusações de que a Lava Jato possa ter alguma coisa a ver com os atos de vandalismo do dia 8 de janeiro em Brasília. Da crise econômica à eleição de Lula, de fato a Lava Jato tem sido usada como bode expiatório de várias tragédias brasileiras recentes.

Mas (nada de bom pode vir depois de um “mas” como esse) das autoridades ligadas à Lava Jato, como o próprio Dallagnol e também o agora senador Sergio Moro, às vezes sinto falta do reconhecimento de que a operação anticorrupção, ainda que no geral virtuosa, teve consequências negativas não-intencionais para o país. E, só para deixar claro, não estou falando aqui da crise econômica nem do “extremismo bolsonarista” ou outras balelas esquerdistas do tipo.

Não sei se essa insistência na “perfeição” da Lava Jato é estratégia à la Sun Tzu ou Maquiavel. Ou ainda se faz parte de um aprendizado contemporâneo que me escapa: o de que o pedido de desculpas ou o reconhecimento público de um erro, ainda mais em se tratando de um erro não-intencional, é sinal de fraqueza. De qualquer modo, meu objetivo aqui é só propor uma reflexão rápida, e não fazer com que Dallagnol, Moro ou qualquer um se ajoelhe no milho.

Feitos esses três parágrafos de ressalva (o que só revela quão belicosa é a arena pública), vamos ao que interessa: a responsabilidade da Operação Lava Jato na construção do Brasil contemporâneo. (Que chique!). Porque alguma responsabilidade ela tem, né? Concordamos com isso? Do contrário, teríamos de partir do pressuposto de que a Lava Jato foi desprezível, insignificante. E não foi! Afinal, ela chegou a pôr um ex-presidente atrás das grades – ou ao menos das paredes de uma prisão de luxo na sede da Polícia Federal em Curitiba.

Pois então
A Lava Jato fez um importante trabalho junto à imprensa, a fim de convencer a opinião pública de que o combate à corrupção era importante. Minto, que o combate à corrupção era a coisa mais importante do mundo. Afinal, só assim seria possível chegar aos peixes graúdos, mesmo que depois eles acabassem devolvidos ao mar por pescadores de toga.

Aqui não dá para negar que o esforço, sobretudo dos procuradores, entre eles Dallagnol, deu certo. Talvez certo até demais. Tinha gente que acordava cedinho todos os dias só para acompanhar as dezenas de fases da investigação. A exposição dos envolvidos na Lava Jato era tamanha que até mesmo alguns policiais federais ficaram famosos, como o japonês e o policial-gato (cujos nomes me escapam e não vou procurar agora porque tenho um argumento a desenvolver, poxa!).

O problema é que talvez essa superexposição da Justiça sendo devidamente aplicada no Brasil tenha criado, no imaginário popular, duas figuras quase mitológicas que só agora revelam todo o seu poder destrutivo: a do super-procurador e a do super-juiz. O primeiro, aliás, nem procurador precisa ser. Qualquer senadorzinho de voz fina é capaz de interpretar esse papel. Basta querer consertar as coisas. Assim meio na marra. Meio que na certeza instintiva de se estar fazendo o certo.

Não estou, com isso, querendo dizer que Dallagnol e os seus passaram por cima da legislação nem nada. Mas é que as pessoas comuns têm dificuldade para entender o famoso “arcabouço legal”, bem como seu primo “devido processo legal”. Na luta contra a corrupção, o cidadão comum se guiava mais pela revolta nascida da traição petista (afinal, nos anos 1990 um Lula envolvido com corrupção era impensável) e pelo combalido bom senso que nos habita: se errou, tem que pagar. O Sistema, o Judiciário, o Ministério Público, o establishment que dessem um jeito de fazer isso acontecer – pensava o Imaginário Popular da Silva.

Já a figura do super-juiz, na Lava Jato encarnada por Sérgio Moro, deu origem à ideia de que a toga confere ao homem que a veste poderes absolutos não só sobre a liberdade alheia, mas também sobre os próprios rumos do país. Afinal – raciocina o super-juiz da vez – se Moro pôde soltar um áudio extremamente relevante e, assim, impedir Lula de assumir um posto com foro privilegiado (o que mais tarde culminaria na prisão de Lula), por que é que eu não posso fazer uma, duas, dez, quinhentas firula para salvar a democracia?

Aqui vale um parágrafo adicional para deixar claro, muito claro, claríssimo que não estou comparando as ações de Moro com as de Alexandre de Moraes. Até porque seria como comparar milho e pipoca. O que estou dizendo é que Alexandre de Moraes talvez tenha se inspirado na imagem que a opinião pública fazia de Moro, isto é, na imagem de herói, quando não de vingador, a fim de impor uma versão muito própria e totalitária de democracia e justiça.

Novamente, e pela última vez, não estou escrevendo isso para desnudar qualquer má intenção por parte dos integrantes da Lava Jato. Escrevo para, juntos, pensarmos no que pode ser feito de diferente da próxima vez que alguém tiver coragem para enfrentar os corruptos que, por ora, devem estar trabalhando duro (modo de dizer) para montar um esquema de desvio de recursos públicos ainda mais complexo do que aquele descoberto pela Lava Jato.

É só que, talvez até um tanto quanto ingenuamente, penso apenas que Dallagnol, Moro & Cia. possam ter subestimado o poder das figuras de autoridade no imaginário popular. A ponto de, hoje, a desculpa de se estar protegendo a democracia como se ela fosse uma donzela frágil e em perigo servir para todos os tipos de arbitrariedades dos super-ministros (que muitas vezes acumulam a função de super-procuradores) do nosso excelso STF e até do seu puxadinho, o TSE.


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