Editorial
Por
Gazeta do Povo
Os presidentes Lula e Alberto Fernández.| Foto: Esteban Collazo/Presidência da Argentina
Em sua primeira viagem internacional após assumir pela terceira vez a Presidência da República, Lula começa a oficializar qual será a política externa brasileira em relação aos países da América Latina. Por enquanto, o que se viu foi a velha disposição petista em deixar-se levar mais pelas afinidades ideológicas com aliados do que pelo interesse dos brasileiros. Ele participou na terça-feira (24) da reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), na Argentina, selando a volta do Brasil ao grupo e costurando os primeiros acordos bilaterais do governo. Na quarta (25), Lula visita o presidente do Uruguai, o conservador Luis Lacalle Pou.
Importante lembrar que o Brasil deixou a Celac em 2020 após o grupo insistir em apoiar os regimes ditatoriais de Cuba, Venezuela e Nicarágua. De lá para cá, pouco mudou, o que deixa claro que, para o presidente brasileiro, a presença de ditadores na cúpula não é problema. Aliás, desde sua eleição, Lula já vinha dando mostras de que pretende retomar, e se possível estreitar, as relações comerciais e políticas com esses países, numa possível tentativa de restabelecer o alinhamento incondicional do governo petista com o pior da política latino-americana como ocorreu nos dois primeiros mandatos de Lula e nos mandatos de Dilma.
A política externa brasileira deve ser conduzida com equilíbrio, de modo a colocar em primeiro lugar os interesses do Brasil.
Antes mesmo da realização da Celac, Lula firmou os primeiros compromissos com antigos parceiros. Com a quebrada Argentina, Lula assinou acordos bilaterais com o presidente Alberto Fernández, incluindo o que ressuscita a antiga ideia de uma moeda comum entre os dois países – que mais tarde poderia ser estendida também aos demais integrantes do Mercosul. Um grupo de trabalho entre as equipes econômicas dos dois países foi criada para formular uma proposta para criação de uma moeda comum digital específica para transações comerciais. A ideia é defendida calorosamente pelos argentinos, – cuja moeda tem desvalorizado vertiginosamente e que por isso têm dificuldade em negociar em dólar. Levando-se em conta o grau da instabilidade econômica dos hermanos, a ideia não passa, para usar um ditado popular, de “conversa para boi dormir”, a menos que o próprio Lula – usando os cofres brasileiros – esteja disposto a bancar a proposta.
A facilitação do comércio entre os dois países também está sendo acordada. A ideia é usar o Fundo de Garantia à Exportação (FGE) do Brasil para garantir linhas de créditos de bancos privados e públicos para que importadores argentinos possam comprar mais produtos brasileiros. Embora ainda não haja detalhes sobre como isso aconteceria, o Brasil deve exigir garantias do governo argentino, como o depósito de commodities, que serão executadas em caso de não pagamento.
A Argentina também deve ser o primeiro país a ser beneficiado com a retomada da política de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a países estrangeiros. “Não só se pode como é necessário o Brasil ajudar todos os seus parceiros. E é isso que vamos fazer dentro das possibilidades econômicas do nosso país. O BNDES é muito grande”, disse Lula aos jornalistas da Casa Rosada. “Se há interesse dos empresários, do governo e temos um banco de desenvolvimento para isso, eu quero dizer que vamos criar as condições para fazer o financiamento que a gente tiver que fazer para ajudar ao gasoduto argentino”, prometeu Lula.
Negociações com nações estrangeiras precisam trazer benefícios claros ao nosso país e não serem feitas com base em protecionismos e velhas amizades e nem admitir concessões a ditaduras.
Nas gestões petistas anteriores, o BNDES foi usado como uma ferramenta para financiar obras em países estrangeiros ideologicamente alinhados ao PT. Uma das obras financiadas com o dinheiro do BNDES, por exemplo, foi o do Porto de Mariel, em Cuba. O banco concedeu uma linha de financiamento da ordem de US$ 641 milhões à empresa brasileira Companhia de Obras e Infraestrutura (COI), do grupo Odebrecht – aquele mesmo investigado por espalhar gordas propinas entre políticos –, por meio do programa de apoio à exportação de serviços de engenharia, com prazo de 25 anos para pagamento, mais que o dobro do prazo padrão para esse tipo de operação, que é de 12 anos.
Do total financiado, menos de um terço foi pago pelo governo cubano. E há muitos outros empréstimos não quitados. Segundo reportagem da Gazeta do Povo, ao menos US$ 1,1 bilhão de financiamentos feitos pelo BNDES a países estrangeiros ainda não foram pagos.
Apenas esse triste histórico já deveria ser suficiente para colocar os brasileiros em estado de atenção quando Lula menciona o BNDES, ainda mais quando associado aos países governados por seus companheiros da esquerda. Empréstimos e financiamentos disponibilizados pelo banco precisam ser feitos com total transparência, com a implantação de novos meios de controle e gestão que não abram espaço para novos escândalos de corrupção.
Com o velho amigo Nicolás Maduro, a conversa prevista para tratar da reabertura da embaixada do Brasil na capital venezuelana, Caracas, acabou não ocorrendo, mas deverá ser remarcada em breve. Desde domingo (22), Buenos Aires registrou manifestações contra a participação de Maduro na cúpula do Celac organizados por opositores do presidente Alberto Fernández e de exilados venezuelanos, protestos esses que foram chamados pelo governo de Maduro de “plano da direita neofascista” para realizar “uma série de agressões contra a delegação” da Venezuela durante o encontro da Celac.
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Mas mesmo sem se encontrar com Maduro, Lula defendeu o ditador, dizendo que a política externa com a Venezuela será uma “relação civilizada entre dois Estados autônomos, livres e independentes”, como se fosse possível associar liberdade à realidade venezuelana. Outro disparate – entre outros tantos – ditos pelo presidente brasileiro foi tentar comparar a invasão da Ucrânia pela Rússia às críticas em relação ao regime venezuelano. Lula disse que “da mesma forma que é contra a ocupação territorial, como a Rússia fez na Ucrânia” também é “contra muita ingerência no processo da Venezuela”.
Como presidente eleito, Lula pode e até dever buscar fortalecer laços comerciais e relações institucionais com países vizinhos. Entretanto, a política externa brasileira deve ser conduzida com equilíbrio, de modo a colocar em primeiro lugar os interesses do Brasil. Negociações com nações estrangeiras precisam trazer benefícios claros ao nosso país e não serem feitas com base em protecionismos e velhas amizades e nem admitir concessões a ditaduras.
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