Supostos excessos do Judiciário
Pode “furar a fila” e sair do papel a partir de fevereiro

Por
Isabella Mayer de Moura
e

Por
Rodolfo Costa- Gazeta do Povo


O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), conversa com o deputado Marcel Van Hattem (Novo) , autor do pedido de criação da CPI do Abuso de Autoridade.| Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados

A chamada CPI do Abuso de Autoridade terá a chance de “furar a fila” de comissões parlamentares de inquérito no começo da próxima legislatura, a partir da quarta-feira, 1º de fevereiro. A CPI, que contou com a assinatura de 180 parlamentares da Câmara, foi proposta em novembro de 2022 pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) para investigar supostas arbitrariedades de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A existência de pedidos anteriores de outras CPIs costuma ser uma das justificativas de presidentes da Câmara para não instalar uma comissão que eles, por motivos políticos, não querem que funcione. Existe uma fila regimental para a instalação dessas comissões, que foi estabelecida pela Questão de Ordem nº 61, de 2003, e pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.635, julgada no STF. Atualmente há outros nove pedidos de criação de CPIs na Câmara, todos anteriores ao de Marcel Van Hattem. Ou seja, a CPI do Abuso de Autoridade seria, em teoria, a última a ser instalada.

Mas, no fim de todas as legislaturas, que ocorre em 31 de janeiro, os pedidos de criação de CPIs são arquivados. Isso abre brecha para que a comissão para investigar possíveis abusos do Judiciário seja protocolada antes de outras. E, assim, seria derrubado um dos argumentos para que a comissão não saia do papel.

A CPI do Abuso de Autoridade foi proposta para investigar se houve violação de direitos e garantias fundamentais praticadas por ministros do STF e do TSE. O requerimento de Van Hattem cita especificamente decisões do ministro Alexandre de Moraes, como a que resultou na operação de busca e apreensão contra oito empresários que trocaram mensagens privadas dizendo que preferiam um golpe a ver o retorno do PT ao poder.

Lira argumentou “falta de tempo” para não instalar CPI do Abuso de Autoridade
Em dezembro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), justificou a não instalação da CPI do Abuso de Autoridade. Disse que faltaria tempo para a investigação ocorrer antes do encerramento da atual legislatura. Ele também sugeriu que a futura comissão seja mista, com deputados e senadores.

“Seria uma produção de trabalho sem efetividade. Sugeri à vossa excelência [Van Hattem] que, no início da nova legislatura, fizesse o mesmo trabalho para uma mesma CPI mista. Nesse caso, além de não ter nenhum tipo de entrave para sua instalação, para que ninguém possa ser tratado desta maneira, ela teria mais efetividade”, disse Lira no mês passado.

Na mesma sessão, Van Hattem havia dito que a postura adotada pela atual gestão “impede que a Casa exerça com plenitude sua competência constitucional de fiscalizar e apurar fatos ilícitos”. Desde fevereiro de 2021, quando assumiu a presidência da Câmara, Lira não autorizou a abertura de nenhuma CPI.

O deputado do Novo disse, em plenário, que a maioria dos requerimentos em tramitação não tinha um fato determinado bem definido e que eles poderiam ser arquivados pela Mesa Diretora. Isso possibilitaria, segundo ele, a criação da CPI de Abuso de Autoridade ainda em 2022.

Contudo, Van Hattem foi reeleito. E, se o deputado conseguir novamente as assinaturas necessárias para o pedido de CPI (171 deputados, um terço do total) logo no começo do novo mandato, a comissão ficará no início da fila regimental. Ou seja, terá prioridade sobre os demais requerimentos que possam vir a ser registrados.

Se optar por requerer uma comissão mista, com senadores e deputados, como sugeriu Lira, ele também teria que obter a assinatura de 27 senadores (um terço do total).  

À Gazeta do Povo, Van Hattem disse que sua estratégia será buscar assinaturas tanto para instalar uma CPI mista, de deputados e senadores, quanto uma só da Câmara. “Vamos recolher de novo as assinaturas para a CPI. É muito provável que a gente faça isso, e depois para a CPMI com a assinatura dos senadores”, afirma. “Quero garantir que, de uma forma ou outra, ela seja instalada, seja por via de uma comissão parlamentar só na Câmara, ou seja mista, de deputados e senadores.”

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CPI do Abuso de Autoridade terá concorrência de outros pedidos de investigação
A CPI do Abuso de Autoridade, porém, vai entrar na briga de qual investigação parlamentar sai do papel antes. Há, por exemplo, propostas tanto na Câmara quanto no Senado para investigar os atos de vandalismo em Brasília e a responsabilidade do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, na depredação das sedes dos três poderes.

Outro pedido de CPI que será arquivado no fim da atual legislatura da Câmara e que pode ressurgir logo no começo da nova é o que trata de uma investigação sobre a atuação dos institutos de pesquisa durante as eleições de 2022. O requerimento de criação dessa CPI, com as assinaturas de 179 deputados, foi protocolado após o primeiro turno. O objetivo é investigar o suposto favorecimento de alguns candidatos, especialmente de esquerda, que apareciam com muito mais intenções de voto nas pesquisas do que efetivamente tiveram nas urnas.

Assim como Van Hattem, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), autor do pedido de criação da CPI dos Institutos de Pesquisa, também disse à Gazeta do Povo que tem intenção de fazer uma nova campanha para coleta de assinaturas para viabilizar a abertura desta investigação na próxima legislatura.

Quais são as outras CPIs que a Câmara vai arquivar
Além das CPIs do Abuso de Autoridade e dos Institutos de Pesquisas, há outros oito requerimentos de criação de comissões parlamentares de inquérito na Câmara. Todos foram protocolados entre 2019 e 2020 e não passaram por despacho de Arthur Lira.

Uma comissão que aguarda desde 2019 o despacho do presidente da Câmara é a CPI para investigar os preços das passagens aéreas, de autoria do deputado Fabio Henrique (União-SE). O parlamentar justificou a abertura da comissão dizendo que era preciso esclarecer os motivos de os preços se manterem “em patamares tão onerosos”, mesmo diante de “diversos subsídios concedidos por diferentes unidades da federação às empresas aéreas para reduzir o custo do combustível”, entre outras políticas benéficas ao mercado. Um requerimento de criação de uma CPI similar ao de Fábio Henrique, também para apurar as passagens de avião, foi protocolado pelo deputado João Carlos Bacelar (PL-BA).

A CPI Contra o Abuso Infantil foi proposta em maio de 2020 pelo deputado Julian Lemos (União-PB) e teve o endosso de outros 192 parlamentares. O objetivo era investigar crimes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes na internet, em apoio à operação “Luz da Infância”, coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Também foram requeridas comissões parlamentares para a investigação de “pirâmides financeiras” em serviços de gestão de criptomoedas (proposta pelo deputado Aureo Ribeiro, do Solidariedade); de resoluções e decisões da Agência Nacional de Energia Elétrica (de autoria do deputado Léo Moraes, do Podemos); das relações do governo brasileiro com Cuba (da deputada Paulo Belmonte, do Cidadania); dos gastos do governo federal com publicidade estatal (da deputada Carol de Toni, PL); e uma CPI para averiguar se houve violação dos princípios institucionais na atuação do ex-juiz Sergio Moro durante a Lava Jato (proposta pelo deputado André Figueiredo, PDT).

CPIs do Senado e as mistas também serão arquivadas
As quatro CPIs que estão aguardando instalação no Senado também devem ser arquivadas no fim da atual legislatura, em 31 de janeiro. Confira quais são elas:

CPI do MEC: buscava apurar irregularidades na destinação das verbas públicas do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), após denúncias de que pastores estavam cobrando propina de prefeitos em troca de celeridade na destinação de verbas públicas da pasta ao município. O requerimento foi feito pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), em março de 2022. 
CPI das Obras Públicas Inacabadas: requerida pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) em abril de 2022, pretendia investigar supostas irregularidades na condução de obras públicas entre 2006 e 2018, e possíveis irregularidades no Programa de Financiamento Estudantil (Fies).
CPI do Narcotráfico: pedida pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) em fevereiro de 2022, visava apurar a relação entre o aumento dos índices de homicídios de jovens e adolescentes com a atividade do narcotráfico.
CPI das Queimadas e Desmatamento na Amazônia Legal: dois requerimentos de criação da comissão foram apresentados, em agosto e novembro de 2019, pelos senadores Randolfe e Plínio Valério (PSDB-AM).

Considerando que as comissões de inquérito são temporárias e que os regimentos tanto da Câmara quanto do Senado preveem que o prazo de uma CPI não poderá ultrapassar a legislatura em que foi criada, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News também será arquivada. Ela foi instalada em 2019 para investigar a influência de notícias falsas na política nacional. Mas está paralisada desde março de 2020, quando a pandemia de Covid-19 começou. Uma CPMI tem deputados e senadores entre seus membros.

Relembre as CPIs realizadas na Câmara na atual legislatura
Três CPIs foram realizadas na Câmara durante a atual legislatura. Todas elas ocorreram em 2019, o primeiro ano da legislatura, quando a Casa era presidida pelo deputado Rodrigo Maia (PSDB-RJ). 

A CPI do BNDES investigou, em 2019, contratos internacionais do banco público durante os governos anteriores de Lula e de Dilma Rousseff. O relatório final pediu o indiciamento de mais de 50 pessoas, entre elas os ex-ministros petistas Guido Mantega e Antonio Palocci, alegando que bilhões de reais foram desviados dos cofres do BNDES para beneficiar empresas brasileiras que prestaram serviços em outros países, notadamente a Odebrecht e a JBS. O relatório foi apresentado ao Ministério Público Federal (MPF), sem desdobramentos.

A CPI de Brumadinho investigou em 2019 as responsabilidades pelo rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, em janeiro daquele ano. Mais de 250 pessoas morreram. O relatório final da CPI propôs o indiciamento da Vale, da empresa alemã TÜV SÜD (que atestou a segurança da barragem) e de mais 22 pessoas. A CPI também apresentou projetos para aperfeiçoar a legislação sobre barragens de mineração.

Já a CPI do Óleo, instalada em novembro de 2019, se propôs a investigar a origem das manchas de óleo que se espalharam pelo litoral do Nordeste naquele ano, considerado um dos maiores desastres ambientais na costa brasileira. O objetivo era apurar a responsabilidade pelo vazamento. Os trabalhos foram interrompidos por causa da pandemia de Covid-19 e foram encerrados em 2021, depois que os deputados perderam o prazo para aprovar uma prorrogação da comissão. Nenhum relatório foi produzido.


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