Política monetária
Rever meta de inflação, como quer Lula, pode elevar os preços

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Célio Yano – Gazeta do Povo


Presidente Lula pode editar medida provisória para ampliar faixa de isenção do IR antes da reforma tributária| Foto: André Borges/EFE

A recuperação do poder de compra do brasileiro, traduzida na promessa de acesso à picanha, foi um dos motes da campanha de 2022 de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República. Mas algumas de suas ideias para a economia podem dificultar o alcance desse objetivo. A possibilidade de revisão da meta de inflação, que ele deu a entender estar em cogitação, por exemplo, pode resultar em um círculo vicioso de alta de preços, segundo especialistas.

O mercado já estima que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2023 deve ficar em 5,78%, segundo a edição desta segunda-feira (6) do Boletim Focus, do Banco Central (BC), que todas as semanas consolida projeções de dezenas de analistas financeiros. A meta de inflação estabelecida para o ano é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos – ou seja, uma faixa entre 1,75% e 4,75%.

O BC, cuja autonomia foi formalizada por lei sancionada em 2021, é o órgão responsável por garantir a estabilidade do poder de compra da moeda. O principal instrumento de política monetária para controle da inflação é o aumento da Selic, a taxa básica de juros, utilizada como referência para as instituições financeiras.

Juros mais altos reduzem o acesso a crédito e ao consumo, o que leva à desaceleração da economia, por um lado, e à redução da inflação, por outro.

Nos últimos dois anos, em decorrência da pandemia de coronavírus e da guerra na Ucrânia, o governo de Jair Bolsonaro (PL) também enfrentou dificuldades para lidar com a variação de preços: as metas anuais, respectivamente de 3,75% e 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo, foram descumpridas – o IPCA fechou em 10,06% em 2021 e em 5,79% em 2022.

Para segurar a variação de preços ao consumidor, o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, responsável pela definição da Selic, fez sucessivos aumentos na taxa de juros, que saiu de 2%, em março de 2021, para 13,75%, em agosto de 2022, patamar em que se mantém até o momento.

Os juros elevados são um dos fatores que fazem com que o mercado veja pouca possibilidade de crescimento econômico este ano. A mediana de projeções para a variação do Produto Interno Bruto (PIB) é de 0,79%, segundo o último boletim Focus.

“Por que o Banco [Central] é independente, e a inflação, os juros estão do jeito que estão? Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7% [em 2021]. Quando você faz isso, é obrigado a ‘arrochar’ mais a economia para atingir aqueles 3,7%”, disse Lula em entrevista à Globonews no dia 18 de fevereiro.

“Por que precisava fazer os 3,7%? Por que não fazia 4,5%, como nós fizemos? O que precisamos nesse instante é saber o seguinte: a economia brasileira precisa voltar a crescer. E nós precisamos fazer distribuição de renda, nós precisamos fazer mais políticas sociais”, prosseguiu.

Nos últimos dias, Lula voltou a criticar a política monetária, retomando seus ataques à autonomia do BC. “Quero saber do que serviu a independência do Banco Central. Eu vou esperar esse cidadão [Roberto Campos Neto, presidente do BC] terminar o mandato dele para fazermos uma avaliação do que significou o banco central independente”, disse Lula à RedeTV na última quinta-feira (2).

Na véspera, quando manteve os juros em 13,75%, o Copom deu a entender que pode sustentá-los nesse nível por um bom tempo – talvez até o fim do ano, na interpretação de parte do mercado.

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Metas para inflação já foram revistas no passado
O regime de metas para inflação foi criado em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Desde 2018, o centro da meta é reduzido em 0,25 ponto a cada exercício fiscal, saindo de 4,5% naquele ano até chegar em 3% em 2024, patamar considerado ideal por diversos economistas para economias emergentes. Para 2025, foi estabelecida a manutenção do alvo em 3%.

As metas são definidas com uma antecedência de três exercícios pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado atualmente pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Em junho, está prevista uma reunião para o estabelecimento do alvo para 2026.

Para que as metas já definidas possam ser revistas, o governo não teria maiores dificuldades. Seria necessário apenas um decreto presidencial autorizando a medida e a aprovação pelo CMN, onde bastam os votos favoráveis dos dois ministros de Estado.

Há precedentes. Em 2003, no início do primeiro mandato de Lula, o CMN estabeleceu um sistema de metas ajustadas de 8,5%. Anteriormente, em junho de 2002, ainda durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o alvo do ano seguinte já havia sido elevado de 3,25% para 4%, em meio a um cenário de crise de racionamento de energia, disparada na cotação do dólar e choque do preço do petróleo.

Em junho de 2003, o CMN anunciou uma nova revisão na meta para 2004, que passou de 3,75% para 5,5%. À época, o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, justificou a alteração em razão de o mercado já estar precificando uma inflação de 5,5% para o período.

Nesta semana, ao jornal O Globo, no entanto, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que a possibilidade de mudança no atual regime de metas de inflação não está em discussão na pasta.

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Para quem defende uma flexibilização da meta, o problema da política monetária atual é o patamar de juros adotado para segurar a elevação de preços dentro dos limites impostos. Quanto mais altas as taxas de juros, menor é a circulação de crédito no mercado e, portanto, menor o consumo e o crescimento econômico, refletido no PIB.

A perseguição à meta da inflação, nesse contexto, exige uma desaceleração da economia. As contas públicas, por sua vez, são impactadas em duas frentes: com perda de arrecadação por meio de impostos e com um aumento de despesas a serviço da dívida pública, em razão do aumento de juros nominais.

Um dos formuladores do regime de metas de inflação no fim dos anos 1990, o economista Sergio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC, é um dos poucos que defendem publicamente uma meta de inflação maior para os próximos anos. Ao jornal Folha de São Paulo, ele argumentou que um alvo baixo “desmoraliza o sistema”.

“Você acaba botando um número que não é factível, que força que o BC seja muito conservador, eleve muito a taxa de juros. E, mais que tudo, mesmo fazendo isso, muitas vezes ele erra”, disse Werlang.

Bráulio Borges e Ricardo Barboza, ambos pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), defendem um aumento da meta para um patamar que consideram “mais realista”, próximo de 4% a partir de 2024.

Em artigo, eles afirmaram que o custo da desinflação para atingir a meta de 3% em 2024 exige “que a Selic seja mantida bem acima do nível neutro e que a economia volte a operar abaixo do potencial por quase dois anos, o que, por sua vez, exacerba o quadro de fragilidade das contas públicas”.

Entre economistas mais ortodoxos, no entanto, essa revisão não pode ser encarada como uma solução, especialmente diante de um Estado que tem elevado suas despesas, desrespeitando o próprio arcabouço fiscal. “A política fiscal e a política monetária devem andar juntas para que haja de fato um controle de preços ao consumidor”, diz Tatiana Nogueira, economista sênior da XP Investimentos.

Emendas constitucionais que elevaram as despesas acima do previsto pela regra do teto de gastos, como a PEC dos Benefícios (ou “PEC Kamikaze”), aprovada no governo de Jair Bolsonaro (PL), e a PEC da Transição (a “PEC fura-teto”), patrocinada por Lula, são exemplos dessa política fiscal expansionista.

“Maiores gastos significam maior consumo e mais dinheiro na economia. Via demanda agregada, a gente tem um impulso que acaba também pressionando os preços”, diz a economista. “Se a política fiscal faz um trabalho de expansão, exige-se da política monetária mais juros ainda.”

Além disso, o abandono do teto de gastos sem uma definição clara de qual será a âncora fiscal a ser adotada no lugar contribui para gerar incerteza no mercado. As expectativas de analistas econômicos no boletim Focus, do BC, registram esse efeito: as projeções para o IPCA de 2023 vem subindo há oito semanas consecutivas.

“Mudar artificialmente a meta, sem ter esse novo arcabouço, sem uma previsibilidade da política fiscal, de nada adianta. No curto prazo, pode até haver espaço para um corte de juros, mas as expectativas vão responder rapidamente a isso”, diz Tatiana.

“Enxergando o BC mais tolerante com inflação alta, a gente vive a chamada profecia autorrealizável: os agentes econômicos, do dia a dia, prevendo uma inflação mais alta, usam esses dados para reajustar seus preços e salários hoje, o que acaba contaminando os preços e gerando mais pressão inflacionária”, afirma.

Nesse cenário, ela explica, a população mais pobre acaba sofrendo mais, uma vez que fica exposta à alta de preços sem ter acesso a instrumentos financeiros de hedge (proteção), como a compra de títulos públicos atrelados ao IPCA.

Analistas do Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco já veem efeito das declarações do presidente em um relatório sobre o aumento contínuo das projeções do IPCA. “As razões para o descolamento das expectativas de inflação podem ser várias, incluindo a maior inflação global, mas a possibilidade de uma alteração nas metas e uma maior expansão fiscal aparecem como candidatas.”

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Na quarta-feira (1º), ao justificar a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano, o Copom sinalizou que se opõe à revisão das metas. “A conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal e com expectativas de inflação se distanciando da meta em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária”, diz trecho de comunicado da instituição.

“O Comitê avalia que tal conjuntura eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas”, afirma o documento. A manutenção da taxa básica de juros estaria baseada, entre outros fatores, na perseguição desse objetivo.

Mais adiante, o Comitê reforça que “irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que têm mostrado deterioração em prazos mais longos desde a última reunião”.

“O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, avisa o texto.


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