Editorial
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Gazeta do Povo

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o futuro ministro do Trabalho, Luiz Marinho, durante anúncio de novos ministros que comporão o governo.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, durante anúncio dos novos ministros.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Entre as inúmeras plataformas que a maioria da população brasileira considera bastante razoáveis, mas que para o petismo e seus partidos e entidades satélites são verdadeiros anátemas, está a da liberdade econômica. Aos olhos dos estatistas que agora governam o país, é inaceitável que os brasileiros decidam por si mesmos o que fazer com o seu dinheiro e como devem regular suas relações de trabalho, ressalvadas as garantias constitucionais e respeitados os princípios da dignidade humana. Daí todos os ataques feitos já durante a campanha eleitoral à reforma trabalhista de 2017 e outras promessas vindas especialmente do ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

A pasta trata como prioritária, por exemplo, a regulamentação do trabalho por aplicativos, um dos campos em que a negociação entre trabalhadores e empresas se dá sem as amarras tradicionais impostas pela legislação trabalhista, apesar das constantes batalhas judiciais em torno do reconhecimento de eventual vínculo empregatício – mesmo no Tribunal Superior do Trabalho, turmas diferentes têm tomado decisões opostas a esse respeito. Uma regulamentação razoável, que traga segurança jurídica para a atividade enquanto respeita a liberdade de motoristas, motociclistas e empresas decidirem em que termos se dará a prestação do serviço, até seria uma solução bem-vinda; o problema está na constante tentação da hiper-regulação, que é ainda mais evidente quando o regulador tem o viés estatizante característico da esquerda.

Lula e o PT abominam que as escolhas econômicas sejam feitas não pelo governo, mas pelos indivíduos e pelas empresas; que sejam feitas com critérios técnicos e não políticos

E, como na cabeça da esquerda a solução para absolutamente tudo é mais Estado, o ministro Luiz Marinho antecipou: caso a regulamentação petista seja tão engessadora que inviabilize o modelo de negócio dos aplicativos, ele já tem a solução. “Me falaram: ‘E se o Uber sair?’ Problema do Uber. Não estou preocupado. Cria outro [aplicativo]. Posso chamar os Correios, que é uma empresa de logística, e dizer para criar um aplicativo e substituir”, afirmou o ministro em entrevista ao jornal Valor Econômico. A julgar pelo “problema do Uber. Não estou preocupado”, o destino das centenas de milhares de brasileiros que deixariam de ter uma fonte de renda se os aplicativos de transporte subitamente deixassem de existir aparentemente não preocupa o ministro cuja responsabilidade inclui a implementação de políticas públicas que fomentem a geração de emprego.

Na mesma entrevista, Marinho voltou a tratar do possível fim do saque-aniversário do FGTS, um dinheiro que pertence ao trabalhador, mas que ele é obrigado a deixar que seja usado pelo governo, que o remunera de forma bastante pífia em comparação com outros investimentos. Justiça seja feita, o petista já teve um discurso bem mais agressivo sobre esse tema, e que agora vem moderando. Se o faz por convicção própria ou por força das circunstâncias, não se sabe, até porque Marinho ainda afirma que acha a modalidade “um erro” e não descarta o seu fim definitivo, embora mais recentemente suas críticas sejam mais voltadas aos casos de empréstimos bancários que têm como garantia o saque-aniversário e a regras como a que proíbe temporariamente o saque integral do FGTS em caso de demissão de quem optou pelo saque-aniversário.

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Fato é que o saque-aniversário abriu a possibilidade de muitos brasileiros usarem esse dinheiro para finalidades diversas daquelas em que a legislação permite a retirada integral do valor depositado; o saque-aniversário, por exemplo, pode tirar uma família do endividamento. Na opinião do ministro, “essa modalidade [o saque-aniversário] enfraqueceu o fundo”, como se o fundo fosse uma finalidade em si mesma, quando na verdade ele existe, em primeiro lugar, para o trabalhador cujo dinheiro está sendo retido e administrado pelo governo. Não negamos o papel importante que o FGTS tem como meio de ajudar uma família a se manter por algum tempo em caso de desemprego, nem ignoramos a possibilidade real de alguém, por impulso ou por educação financeira deficiente, fazer um mau uso do saque-aniversário e ficar desguarnecido no momento de dificuldade. Mas trata-se de reconhecer que, se alguém, depois de ponderar cautelosamente as opções, julga haver um destino melhor para o seu FGTS que deixá-lo nas mãos do governo, deveria continuar a ter a possibilidade de administrar tais recursos por conta própria.

Por certo, tanto no caso dos aplicativos como no do FGTS, pode haver meios de aperfeiçoamento, corrigindo-se regras mal elaboradas ou coibindo abusos. Mas tudo indica que, para o petismo, a questão não é de melhoria, mas de controle. Lula e o PT abominam que as escolhas econômicas sejam feitas não pelo governo, mas pelos indivíduos e pelas empresas; que sejam feitas com critérios técnicos e não políticos – daí a ânsia por remover as proteções legais à influência política nas estatais e acabar com a autonomia do Banco Central. Por mais que o governo prometa grupos de trabalho e comissões tripartites, não é exagero algum imaginar que os eventuais resultados deixem o Brasil mais distante de um ideal de liberdade econômica que já parecia difícil de atingir antes de o petismo voltar ao poder.


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