Aborto, armas, economia
Sete políticas de Bolsonaro revertidas por Lula no primeiro mês de governo
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Isabella Mayer de Moura – Gazeta do Povo
Lula e Bolsonaro durante debate na campanha eleitoral de 2022| Foto: EFE/ Sebastiao Moreira
Como já era esperado, em pouco mais de um mês de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reverteu diversas políticas públicas de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL): do acesso às armas de fogo a medidas ambientais e econômicas.
“O freio nas privatizações, a mudança no papel do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento] e outros bancos públicos, a virada na política externa vista na reaproximação com países como Venezuela e Cuba. Todas estas foram mudanças significativas que observamos ao longo deste primeiro mês de governo Lula. E muitas outras devem vir, já que algumas políticas prioritárias para o PT dependem de aprovação do Congresso, da agenda legislativa”, afirma Cristiano Noronha, analista político e vice-presidente da consultoria Arko Advice.
Relembre, a seguir, as principais mudanças do governo Lula “3.0”, em relação à gestão de Bolsonaro.
Armas de fogo
Uma das bandeiras de Bolsonaro, o acesso de civis a armas de fogo foi limitado por Lula logo no primeiro dia de governo, por tempo indeterminado. Em um decreto que revogou uma série de normas da gestão anterior acerca do tema, o presidente:
Suspendeu a concessão de certificados de registro para caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e de registros de novas armas de fogo por esta categoria;
Determinou que o Exército, responsável pelo controle de armamentos em posse de CACs, suspenda a criação de novos clubes de tiro no país;
Restringiu a quantidade de armas e munições que podem ser adquiridas por um civil;
Proibiu o transporte de armas com munição e a prática de tiro esportivo por menores de 18 anos e por quem não tem registro como CAC;
Condicionou a autorização de porte de arma à comprovação da necessidade (em vez de uma declaração).
Outra medida estabelecida, e posteriormente regulamentada por uma portaria do Ministério da Justiça, determinou um prazo de 60 dias para que todas as armas adquiridas por civis – via Exército, a partir de 2019 – sejam registradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal. O proprietário de armas que não proceder com o registro estará sujeito à apreensão do equipamento e poderá responder por posse e/ou porte ilegal. O documento também menciona que proprietários que desejarem se desfazer das armas poderão entregá-las nos postos de coleta da campanha do desarmamento que serão disponibilizados pelo governo.
A justificativa do governo Lula para estas ações é o combate à violência, mas críticos apontam que esta fundamentação é frágil, citando que os índices de homicídio no país caíram nos últimos anos (embora especialistas em segurança pública citem outros motivos mais relevantes para a queda no número de assassinatos no país desde 2018, como a redução de conflitos entre facções).
O Ministério da Justiça montou, em 3 de fevereiro, um grupo de trabalho para discutir uma nova política de armas de fogo para o país, composto por técnicos da pasta, integrantes do Ministério da Defesa, Polícia Federal, Conselho Nacional de Justiça e Advocacia-Geral da União. A equipe tem 60 dias, renovável por mais 60 dias, para apresentar suas conclusões.
Por outro lado, parlamentares da oposição, que defendem o direito à legítima defesa e a liberdade de aquisição de armas de fogo, estão propondo projetos de lei para flexibilizar a política de armas no Brasil e, assim, limitar o papel do Executivo sobre o tema.
Fim das privatizações
Cumprindo uma promessa de campanha, Lula suspendeu novas privatizações no país, uma das principais bandeiras do mandato de Bolsonaro na economia. No primeiro dia como presidente, o novo presidente determinou a revogação dos estudos de privatização de oito estatais, como a Petrobras, os Correios e a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que haviam sido iniciados no governo anterior.
Lula ainda dá sinais de que tentará reverter a privatização da Eletrobras, o principal feito do governo anterior. Nesta terça-feira (7), ele chamou a venda da companhia de “errático” e afirmou a Advocacia-Geral da União (AGU) irá pedir a revisão dos termos e efeitos da desestatização.
Aborto
Apesar de Lula ter declarado durante a campanha eleitoral que era contra o aborto (depois de ter falado que era a favor da prática como política de saúde), seu governo dá indicativos do contrário. Recentemente, o novo governo revogou, via Ministério da Saúde, uma portaria editada no governo Bolsonaro, a qual determinava que o médico deveria comunicar à autoridade policial os casos de aborto.
O documento estabelecia que os profissionais da saúde deveriam “preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial”. A revogação torna mais fácil que o aborto seja praticado em casos não permitidos em lei, sob falsas alegações de estupro.
Outra medida pró-aborto é a retirada do Brasil do acordo internacional do Consenso de Genebra, assinado em 2020, em defesa da vida, da saúde das mulheres, do fortalecimento da família e da soberania de cada nação na política global. No entendimento da gestão petista, o acordo em Genebra continha “entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família” e poderia “comprometer a plena implementação da legislação nacional sobre a matéria, incluindo os princípios do SUS”.
Mudanças nas políticas ambientais
Além da política de armas, a gestão do meio ambiente é a que mais tem sofrido mudanças em relação ao governo Bolsonaro. Ao menos quatro medidas já foram revistas:
Retomada do Fundo Amazônia: Lula reativou o fundo de cooperação entre Brasil, Alemanha e Noruega, criado em 2008, mas suspenso desde 2019. O dinheiro aportado por esses dois países é usado na promoção de projetos para combater o desmatamento, além de conservação e uso sustentável das florestas na região da Amazônia Legal. O repasse foi suspenso quando o governo Bolsonaro questionou a governança do fundo e decidiu extinguir o Conselho Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), depois que mudanças no modelo de gestão dos recursos, sugeridas pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles não foram aprovadas por Alemanha e Noruega. Após a posse de Lula, noruegueses e alemães se comprometeram a voltar a liberar os recursos.
Revogação do programa de mineração em pequena escala (Pró-mape): a iniciativa de Bolsonaro de promover o desenvolvimento de “mineração artesanal” também foi extinta pelo atual presidente, que viu no programa uma forma de incentivo ao garimpo ilegal, especialmente em áreas protegidas da Amazônia.
Também nos primeiros dias de governo Lula, a Fundação Nacional dos Povo Indígenas (Funai) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) revogaram uma instrução normativa de 2022 sobre manejo florestal que, segundo o novo governo, “facilitava a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas”, inclusive por grupos que não fossem os povos nativos.
Na mesma toada, Lula acabou com o Conselho Nacional da Amazônia Legal, que era vinculado ao gabinete do ex-vice-presidente Hamilton Mourão. Em seu lugar, Lula retomou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em seu primeiro mandato como presidente, em 2004, e paralisado por Bolsonaro. Programas semelhantes de combate ao desmatamento em outros biomas, como o Cerrado e a Mata Atlântica, também devem ser criados neste terceiro mandato do petista.
Coaf na Fazenda
Depois de ter transitado pelos Ministérios da Justiça e da Economia e pelo Banco Central durante o governo Bolsonaro, a guarda do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) retornou ao Ministério da Fazenda nos primeiros dias do governo petista. A medida provisória que transferiu o órgão de inteligência para a pasta de Fernando Haddad (PT) retirou uma das principais atribuições do Coaf: a “prevenção e o combate à lavagem de dinheiro”, prevista na Lei 13.974/20.
O Coaf tem como uma de suas funções examinar operações financeiras suspeitas e teve um papel importante nas investigações de combate à corrupção da Operação Lava Jato. O deputado federal Deltan Dallganol (Podemos-PR) e o senador Sergio Moro (União-PR) propuseram emendas para a revogação da medida provisória de Lula para que o controle do Coaf volte ao Banco Central, com o objetivo de reduzir possíveis ingerências de ordem política sobre o órgão.
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Voto de qualidade no Carf
Também houve uma mudança nas regras do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), o tribunal administrativo que julga recursos de contribuintes contra autuações da Receita Federal antes de os casos irem para a justiça. Uma medida provisória (MP) do governo Lula passou a permitir que, em casos de empate de votos nos julgamentos, os presidentes de turmas e câmaras no Carf possam desempatar as votações a favor da União.
Esse instrumento, conhecido como “voto de qualidade”, foi derrubado pelo Congresso em 2020, quando uma nova legislação definiu que votações empatadas deveriam terminar a favor do contribuinte, e não da União. O Supremo Tribunal Federal (STF) julga se o voto de qualidade é um dispositivo constitucional válido, mas o julgamento está temporariamente suspenso por um pedido de vista. Haddad, por sua vez, justificou que o governo teve um prejuízo de R$ 60 bilhões por ano depois do fim do voto de qualidade.
Uma nova política internacional
Outra mudança bastante perceptível, embora não se trate de um programa ou norma da gestão Bolsonaro, é o giro de 180 graus na política internacional do novo governo, especialmente em relação aos países sul-americanos. O expoente desta mudança é o reconhecimento do ditador Nicolás Maduro como presidente da Venezuela, depois de quatro anos em que o opositor Juan Guaidó foi considerado líder oficial do país em solo brasileiro.
Lula também está reaproximando o Brasil de outros países vizinhos com os quais o governo Bolsonaro não tinha um bom relacionamento político, como a Argentina do presidente Alberto Fernández, para onde o novo presidente brasileiro fez sua primeira viagem internacional de seu terceiro mandato.
Também no cenário internacional, Lula deu indicativos de que não tem pressa para que o Brasil faça parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – algo que era um dos principais objetivos do governo Bolsonaro na economia internacional.
“O Brasil tem interesse em participar da OCDE. Mas queremos saber qual será o papel do Brasil na OCDE. Não pode participar como se fosse um país menor, como se fosse um país observador”, disse Lula ao receber o chanceler alemão Olaf Scholz, em 30 de janeiro. “Estamos dispostos a discutir outra vez e saber quais são as condições da entrada do Brasil na OCDE.”
O chamado “clube dos ricos” recomenda, geralmente, o alinhamento aos ideais de livre mercado, limitação da atuação direta do Estado na atividade econômica e busca por mais eficiência nos gastos públicos, o que vai de encontro com propostas do PT para a economia do Brasil ou simplesmente não é do interesse do novo governo – como uma reforma administrativa, por exemplo.
O que ainda vem por aí
Reversões importantes em políticas públicas devem continuar ocorrendo nos próximos meses. Um exemplo é o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que deve voltar a ter um papel de fomento na economia e a financiar obras no exterior – apesar dos calotes que o Brasil levou de países como Cuba e Venezuela.
Em discurso nesta segunda-feira (6), Lula disse esperar que Aloizio Mercadante, que assumiu a presidência do BNDES, “faça este banco voltar a ser o banco indutor do desenvolvimento, do crescimento econômico deste país”.
O governo também deve retomar o “Mais Médicos”, em detrimento do “Médicos pelo Brasil’, instituído durante o governo Bolsonaro. A proposta do programa petista é levar assistência médica a locais com falta de profissionais no atendimento público da saúde básica, pagando uma bolsa aos médicos por um prazo que pode chegar a seis anos. O Mais Médicos no novo governo, porém, deve priorizar os profissionais formados no Brasil, ao contrário do que ocorreu durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando grande parte da mão de obra era importada de Cuba.
Outro programa que deve voltar em breve é o Minha Casa, Minha Vida, em detrimento do Casa Verde e Amarela, de Bolsonaro, que deve ser descontinuado. O objetivo da atual gestão é relançar o programa no dia 14 de fevereiro, com foco no subsídio para famílias com renda de até R$ 1,8 mil adquirirem imóveis de até R$ 150 mil (o novo teto ainda está sendo avaliado). Nesta faixa, 90% do valor do imóvel é bancado pelo governo.
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