Editorial
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fachada STF


Sede do STF em Brasília.| Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF/Arquivo

Enquanto no mundo fictício de Lula, movido a preconceitos do século 19, o empresário brasileiro é um explorador indolente que lucra sem mover um dedo, no mundo real o Supremo Tribunal Federal acaba de aumentar as costumeiras dificuldades de quem empreende no Brasil, colocando na guilhotina o pescoço de inúmeros contribuintes, inclusive empreendedores que geram emprego e renda. Por unanimidade, a corte decidiu – por mais absurdo que isso possa parecer – que o respeito à coisa julgada, um princípio básico do direito, não vale mais no Brasil, ao menos em matéria tributária, e subitamente transformou a União em credora de dezenas de bilhões de reais, embora o custo real seja muito maior: o fim da segurança jurídica no país para empresários que pagam regularmente seus impostos.

Isso porque os ministros, em julgamento encerrado no último dia 8, resolveram que decisões judiciais definitivas não são mais definitivas quando se trata do não pagamento de impostos. Ainda que um processo na Justiça a respeito de determinada cobrança tenha sido vencido pelos contribuintes, com trânsito em julgado – ou seja, sem mais nenhuma possibilidade de recurso –, esse resultado pode ser revertido se o Supremo assim o desejar ao analisar ações como ADIs ou recursos extraordinários com repercussão geral, na chamada “quebra de decisões”. Como se não bastasse, os ministros ainda decidiram, por 6 a 5, que não haveria modulação, ou seja, contribuintes ficam sujeitos a cobranças retroativas (inclusive com correção e multa), referentes a impostos que deixaram de pagar no passado não porque tivessem alguma intenção de sonegar, mas simplesmente porque a cobrança havia sido abolida pelo Judiciário, inclusive com o trânsito em julgado, conferindo a tais contribuintes a segurança (que o STF transformou em pura ilusão) de que aqueles valores não seriam mais exigidos pela Receita Federal.

Se aquilo que a própria Justiça já disse ser definitivo, por meio do trânsito em julgado, não mais o é, o contribuinte brasileiro está no escuro e não pode dar nada como certo

Que no Brasil até o passado é incerto, para citar a famosa frase atribuída a Pedro Malan, já se sabia inclusive graças ao Supremo e seu trabalho de demolição da Operação Lava Jato. Mas a decisão do dia 8 eleva a incerteza a um novo patamar. “Impressiona que o STF, guardião da Constituição, tenha relegado a um segundo plano a coisa julgada”, disse o ministro Luiz Fux ao criticar a não modulação – por mais que sua crítica se aplicasse muito bem ao próprio instituto da “quebra de decisões”, que Fux apoiou, justamente deixando em segundo plano a coisa julgada. Com isso, o STF resolve da pior maneira possível um problema que ele mesmo criou quando, depois de ter proferido várias decisões com trânsito em julgado isentando empresas da cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mudou de entendimento, manteve a cobrança para outras empresas e por fim, em 2007, julgou uma ADI e definiu que a cobrança era constitucional.

Alguém haverá de argumentar que o real problema está na ausência de modulação, sujeitando contribuintes à cobrança retroativa de tributos que a Justiça havia considerado indevidos, mas que a “quebra de decisões” em si apenas estaria restaurando a isonomia, pois não seria justo que contribuintes individuais seguissem isentos de pagar um tributo que o Supremo houvesse considerado constitucional, desde que a retomada da cobrança se referisse apenas ao período posterior à “quebra”. A questão, no entanto, é mais profunda e diz respeito à deterioração completa da segurança jurídica no país. Se aquilo que a própria Justiça já disse ser definitivo, por meio do trânsito em julgado, não mais o é, o contribuinte brasileiro está no escuro e não pode dar nada como certo.

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“Temos de ter em mente as consequências jurídicas das nossas decisões, o abalo que se cria ao risco Brasil”, acrescentou Fux – novamente, acertando ao criticar a não modulação, mas ignorando que a própria “quebra” já traz suficientes consequências jurídicas. Na mais benigna das hipóteses, há um desestímulo a que contribuintes busquem na Justiça seus direitos caso considerem estar sendo indevidamente tributados; na pior das hipóteses, teremos paralisia econômica, com o desestímulo ao empreendedorismo e ao investimento, já que empresas terão até mesmo de criar uma reserva para arcar com futuras cobranças caso decisões que lhes foram favoráveis sejam revertidas, deixando parado um dinheiro que poderia estar movimentando a economia e criando empregos. É um custo alto demais para os estimados R$ 50 bilhões (por enquanto) pelos quais a Receita Federal já está salivando.


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