Editorial
Por
Gazeta do Povo
O presidente da Câmara, Arhur Lira, e o presidente Lula, durante a solenidade de posse presidencial, em 1.º de janeiro.| Foto: Tauan Alencar/Câmara dos Deputados
O modus operandi do PT, quando se trata de conquistar maioria parlamentar para aprovar os projetos de seu interesse, ficou conhecido do país inteiro ainda no primeiro mandato de Lula, entre 2003 e 2006: a compra pura e simples de votos, individualmente ou em bloco. Foi assim com o mensalão e, uma vez desvendado o esquema e sendo fechada esta torneira, o petismo logo buscou outra forma de cooptar aliados. As estatais, principalmente a Petrobras, passaram a ser saqueadas em conluio com empreiteiras e partidos da base aliada, por meio da indicação de diretores e gerentes e das propinas em contratos. O petrolão era o “filhote maior” do mensalão, como chegou a dizer o ministro do STF Gilmar Mendes em 2016. E, logo no início do terceiro governo Lula, já está claro que não são apenas os mesmos nomes que estão de volta ao Planalto; os métodos também voltaram.
Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo publicada na sexta-feira, dia 10, mostra que Lula e seu novo melhor amigo, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-PE), estão articulando a entrega de R$ 3 bilhões em emendas parlamentares a 219 deputados recém-chegados. A lógica é bem simples: o deputado pode destinar alguns milhões de reais para investimentos em sua base eleitoral e, em troca, entrega seu voto ao governo, que hoje estima ter o apoio de 260 deputados, quase no limite mínimo para aprovar projetos de lei (a maioria simples é garantida com 257 votos) e bem abaixo dos 308 votos necessários para emendar a Constituição.
O brasileiro elegeu um Congresso pouco alinhado com o petismo. Mas, em vez de acenar aos parlamentares com um programa de governo mais ao centro, Lula prefere acenar com maços de dinheiro para poder seguir em frente com suas propostas mais tresloucadas
Mas tão evidente quanto a lógica do balcão é a sua ilegalidade: quem definiu as emendas parlamentares que serão executadas em 2023 foram os congressistas de 2022. Os 219 estreantes só teriam direito legal a emplacar emendas ao Orçamento de 2024. Mas, como se diz em inglês, “when there’s a will there’s a way”: quem realmente quer fazer algo acaba encontrando um jeito – e, de fato, Executivo e Legislativo já estão estudando as melhores formas de abrir o balcão, por exemplo usando parte dos quase R$ 10 bilhões adicionais que os ministérios conquistaram quando o Supremo decidiu pelo fim do “orçamento secreto”. Com isso, cada novato teria à disposição algo em torno de R$ 13 milhões, valor parecido com o que cada deputado da legislatura anterior adicionou às suas indicações, usando a fatia do “orçamento secreto” que acabou destinada a engordar emendas individuais.
Mas há uma diferença significativa. Talvez contando que a anestesia moral da tal “frente ampla” que “fez o L” em outubro de 2022 tenha longa duração, o deputado petista Jilmar Tatto – ele mesmo um “novato”, voltando à Câmara este ano depois de ter sido deputado entre 2007 e 2015 – admitiu sem o menor pudor que se trata de negociata para conquistar maioria parlamentar. “Se o governo estivesse forte, poderia não dar para os novos”, disse ao Estadão, reconhecendo que, por mais que o eleitor brasileiro (ou ao menos a maioria dos que optaram por algum candidato) tenha escolhido colocar Lula na cadeira presidencial, também elegeu um Congresso pouco alinhado com as convicções econômicas e morais do petismo. Mas, em vez de acenar a esses parlamentares com um programa de governo mais ao centro, Lula prefere acenar com maços de dinheiro para poder seguir em frente com suas propostas mais tresloucadas, capazes de devolver o país ao abismo. E aqui é preciso dizer que, se é lamentável (embora nem um pouco surpreendente) que o petismo continue agindo dessa forma, é também lamentável que haja quem aceite tal oferta, em muitos casos traindo explicitamente o voto recebido de eleitores que esperavam de seu representado um outro tipo de atuação no parlamento.
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Mais uma vez assumindo o papel de bombeiro, como fez com os ataques de Lula ao Banco Central, o ministro Alexandre Padilha fez uma ressalva: só serão contemplados os deputados que tiverem “bons projetos, boas propostas”. Só faltou explicar como a “bondade” justifica o atropelo da legalidade – um dos princípios da administração pública consagrados no artigo 37 da Constituição, ao lado da moralidade. Além disso, a essa altura o país inteiro já sabe, ou deveria saber, que para o PT só existe um critério para definir o que é “bom”: aquilo que atende aos interesses do partido e o ajuda a consolidar seu projeto de poder.