A velha ordem internacional acabou, colocando o Brasil diante de complexas escolhas

Por William Waack – Jornal Estadão

Até aqui o governo Lula não parece ter entendido a natureza do conflito na Ucrânia. Ou pretende não entender.

Não se trata de ação armada fruto de “um equívoco”, como o presidente descreve a invasão deflagrada por Putin. Na sua essência, é parte relevante da contestação da ordem que vigorou desde a 2.ª Guerra Mundial.

A ascensão veloz da China ao papel de desafiadora do “hegemon” (EUA), por si só, já seria o grande fator de contestação. É o que faz clássicos do hiper-realismo duvidarem que NÃO venha a ocorrer grave conflito militar entre as superpotências.

Mas tanto China como Rússia “aceleraram” o processo. Ambas enxergam o Ocidente como uma grandeza em declínio. Especialmente Putin juntou o velho imperialismo russo de mais de dois séculos com seu entendimento da “decadência moral” dos países ocidentais.

O presidente Lula em sua primeira visita à China como chefe do executivo, em 2004, cumprimentando o então presidente chinês, Hu Jintao.
O presidente Lula em sua primeira visita à China como chefe do executivo, em 2004, cumprimentando o então presidente chinês, Hu Jintao.  Foto: Sergio Dutti/AE

O resultado é uma profunda transformação na qual o que parecia garantido – um regime internacional baseado em respeito a regras e integração cada vez maior de comércio e cadeias produtivas, a tal globalização – está recuando na própria substância.

Nesse novo contexto, multilateralismo e “governança” global passaram a ser figuras de retórica, às quais o governo brasileiro parece abraçado. Assim, é difícil imaginar um eixo sul-sul, em oposição a um “norte”, quando se percebe que pelo menos dois integrantes dos Brics estão de um lado no conflito, e não apenas na Ucrânia.

A guerra na Ucrânia não é um episódio isolado, diante do qual vamos é ficar quietinhos, aproveitar as oportunidades, tratar de não ofender ninguém e posar de bom moço repetindo platitudes inúteis sobre “paz” e oferecendo-se para negociar entre beligerantes – o caminho trilhado por Lula até aqui.

São forças históricas de imensa amplitude em ação, e que conduzem países como o Brasil (potência média de influência regional) não propriamente a escolher um “lado”. Mas, sim, a optar por um “mundo”.

A guerra em curso até aqui desmentiu os cálculos estratégicos de China e Rússia, que presumiam sobretudo incapacidade de ação conjunta e coesão por parte do adversário. O campo de batalha da Ucrânia demonstrou não só a atual superioridade tecnológica ocidental, que a autocracia chinesa é capaz de superar. A lição fundamental é a de que sociedades abertas no fundo mudam mais rápido, adaptam-se melhor (a Alemanha abandonou o pacifismo) e têm melhor desempenho na relação entre poder civil e operações militares.

O que se explica pelos valores em torno dos quais essas sociedades se desenvolveram e prosperaram. O Brasil é parte do mundo ocidental.

Um ano da guerra na Ucrânia: impactos e perspectivas

Por Da Redação – Jornal Estadão

Tensão sobre conflito aumentou após o presidente russo, Vladimir Putin, anunciar suspensão do acordo nuclear com EUA

A invasão russa à Ucrânia está completando um ano nesta semana, deixando um legado devastador no leste europeu, milhares de fatalidades e impactos econômicos e geopolíticos no restante do planeta.

Segundo a ONU, são mais de 8 mil civis mortos e 13 mil feridos. Os números são subestimados — a própria organização afirmou que não consegue aferir o número total pela dificuldade de acesso aos territórios ainda em conflito.

Apesar de parecer viver um platô, o conflito segue e com perspectivas de escalada. Na última terça-feira, 21, o presidente russo Vladimir Putin anunciou a suspensão da participação do país no New Start — um tratado de desarmamento nuclear assinado em 2010 entre a Rússia e os Estados Unidos.

Na mesma semana, o presidente americano Joe Biden desembarcou em Kiev para se encontrar com o presidente ucraniano Volodmir Zelenski. A ida de Biden foi vista como um gesto de solidariedade próximo ao aniversário da invasão russa, reiterou o apoio americano às forças ucranianas e anunciou um novo pacote de ajuda de 500 milhões de dólares e mais munição ao país.

No ‘Estadão Notícias’ desta quinta-feira, 23, vamos conversar sobre as ações das principais forças geopolíticas durante a guerra com Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM. Também vamos falar sobre o futuro do conflito e a escalada do poderio militar russo com o repórter especial do Estadão, Roberto Godoy.

O ‘Estadão Notícias’ está disponível no Spotify, Deezer, Apple Podcasts, Google podcasts, ou no agregador de podcasts de sua preferência.

Apresentação: Emanuel Bomfim Produção/Edição: Jefferson Perleberg, Bárbara Rubira e Gabriela Forte Sonorização/Montagem: Moacir Biasi

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Esta fotografia tirada em Kramatorsk, em 19 de fevereiro de 2023, mostra bandeiras ucranianas sobre os túmulos de militares ucranianos mortos (Foto: Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP)

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