Por Ana Farranha – Jornal Estadão
Acabou o Carnaval e, como dizem por aí, é a partir daqui que começa o ano. Controvérsias a parte, tenho a impressão de que alguns assuntos “não se guardam para quando o Carnaval chegar” e, certamente, a regulação das plataformas digitais está desfilando por aí faz tempo. Nesse clima, vou apresentar os desafios da matéria. Na sequência, identificar experiências e propostas regulatórias recentes e, por fim, dar alguns “palpites” com minhas impressões sobre os debates.
Sobre os desafios que envolvem o tema, esses parecem transitar entre limitação de discursos de ódio e ofensas sérias, graves e que afrontam a dignidade humana, comprometem eleições limpas e livres e, certamente não fazem avançar o arranjo democrático e o fundamento básico deste modelo: a liberdade de expressão. É curioso que parece que estamos diante de um paradoxo em que a liberdade-antídoto contra o arbítrio pode virar a liberdade–veneno que mata a democracia.
Na semana que passou, a Conferência da Unesco “Por uma Internet Confiável” (Internet for Trust) reuniu mais de 3.000 mil participantes, dentre os quais representantes de governos, órgãos regulatórios, empresas digitais, universidades e sociedade civil, com o objetivo de discutir medidas capazes de proteger garantias fundamentais e direitos humanos.
No Brasil, o tema da regulação de plataformas não é novo. Existem esforços desde as primeiras discussões sobre o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), inspirado nos princípios para governança e uso da internet (decálogo do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, disponível em: https://principios.cgi.br/) e que contou com forte mobilização de recurso dos setores organizados em torno do tema (sociedade civil, universidade, empresários, governos). Houve também toda a discussão regulatória que aprovou a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), cujo objetivo foi tratar os dados pessoais como um bem a ser protegido e inerente à privacidade do cidadão, criando obrigações para empresas (plataformas digitais estão incluídas) e organizações civis e públicas que acessam esses dados.
E, mais recentemente, as discussões em torno do PL 2.630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, também uma proposta regulatória importante, fruto de muitas discussões entre governo, setores organizados, dentre os quais movimentos sociais, as próprias plataformas e serviços de mensageria (Youtube, Facebook, Instagram, WhatsApp, TikTok, Twitter entre outros), governos e estudiosos do tema e que, encontra-se na Câmara Federal aguardando decisão, já tendo sido apreciado pelo Senado Federal.
Tudo para dizer que apesar de espinhoso o tema, os esforços em buscar soluções de equilíbrio no marco das estruturas legais existentes e as possíveis de serem criadas, estão sendo empreendidos, seja no plano internacional ou no nacional. Mas, que observações podemos sublinhar acerca de destas iniciativas? Ai, vem os palpites e percepções. Na minha compreensão, medidas regulatórias devem levar em conta alguns aspectos que enumero abaixo:
- Fugir do pega-mata-come, ou seja, criminalizar não pode ser o único caminho e pode ser um caminho perigoso.
- Pensar no poder político e econômico que as plataformas têm. Medidas que ampliem a autonomia das plataformas em retirar conteúdos sem supervisão pública pode fazer com que essas sejam altamente fortalecidas, sendo seletivas no exercício dessa atribuição. E, é importante lembrar que em todas as experiências regulatórias nacionais citadas nesse texto, as plataformas mobilizaram recursos, fizeram lobby e corpo-a-corpo para apresentar e defender seus interesses e objetivos. Uma nota que me ocorre: desinformação pode ser altamente lucrativa.
- Tornar o debate o mais compreensível possível. Nesse ponto, acho que traduzir o tecnicismo do tema (e devo dizer, há muitos termos difíceis na discussão) para pessoas simples pode ser uma boa estratégia de popularizar o tema e, claro, ampliar o engajamento na sociedade civil.
- E, debater, debater, incansavelmente. Pensar soluções que garantam o equilíbrio entre direitos e garantias fundamentais, não somente a liberdade de expressão, mas também a proteção de dados pessoais, a transparência das empresas que operam esse enorme volume de dados e informação e a defesa da democracia.