Risco fiscal e incertezas fazem Brasil pagar mais juro que países com inflação maior

Por
Vandré Kramer – Gazeta do Povo


Edifício-sede do Banco Central, em Brasília: risco fiscal, incertezas e aumento nas expectativas de inflação fazem o país pagar juros mais altos que os de países que hoje têm inflação maior.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Após passar quase um ano acima de 10%, a inflação está em queda desde julho e fechou janeiro em 5,77% no acumulado de 12 meses, um tanto abaixo dos níveis observados em algumas das principais economias do mundo. Ainda assim, nossa taxa básica de juros (Selic) – usada pelo Banco Central para esfriar a demanda e tentar conter os preços – está bem acima da praticada em países que estão com inflação mais alta que a nossa.

Aqui no Brasil, com a inflação abaixo de 6%, o juro básico é de 13,75% ao ano. Nos Estados Unidos, a inflação em 12 meses estava em 6,4% em janeiro e a taxa de juros, entre 4,5% a 4,75% ao ano. Na Alemanha, que encerrou janeiro com uma inflação anual de 9,2%, o juro é de 3%. No Reino Unido, a inflação está em 8,8% e a taxa de juros, em 4%.

Inflação e juros em países selecionados:

País Inflação em 12 meses Taxa de Juros (% ao ano)
Alemanha 9,2% 3,0%
Brasil 5,77% 13,75%
China 2,1% 3,65% (1 ano) e 4,3% (5 anos)
Estados Unidos 6,4% Entre 4,50% e 4,75%
França 7,8% 3,0%
Japão 4% -0,1% (curto prazo) e 0,5% (longo prazo)
Reino Unido 8,8% 4%
Uma série de fatores contribui para que o Brasil tenha taxas mais elevadas de juro para uma inflação anual menor, segundo economistas entrevistados pela Gazeta do Povo:

a inflação está acima da meta. Para este ano, o objetivo estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) é de 3,25%, com um intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Embora os índices de preços tenham recuado, recentemente, certos itens ainda estão altos (caso de bens duráveis e não duráveis) e a inflação de serviços não tem dado sinais de trégua. Além disso, há fontes de pressão no curto prazo, como o aumento de tributação promovido pelo governo.
a incerteza sobre o rumo das contas públicas, muito característica do atual momento do país, é uma das maiores preocupações do Banco Central. É a principal responsável pela desancoragem das expectativas de inflação para 2023 e os anos seguintes, o que mantém os juros sob pressão. As projeções para o IPCA deste ano estão em alta há 11 semanas e chegaram a 5,9%, acima do índice de 2022 e quase 1 ponto porcentual acima do esperado apenas quatro meses atrás; e
o Brasil precisa oferecer um prêmio de risco maior para atrair o investidor estrangeiro e aliviar pressões sobre a taxa de câmbio.

VEJA TAMBÉM:
Lula x Campos Neto, Haddad x Mercadante: os ruídos do governo que tumultuam a economia
Dólar poderia estar mais barato, mas “fator Lula” joga contra


Inflação está acima da meta e resistente em alguns itens
A inflação anualizada caiu fortemente desde julho. E um dos principais fatores que estimulou essa queda, de acordo com o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, foi a redução nas alíquotas de tributos incidentes sobre os combustíveis, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O governo federal zerou as alíquotas do PIS/Cofins.

Desde julho, o preço da gasolina ficou 31,2% mais em conta; o do etanol, 26,2% e o do diesel, 7%, mostram dados do IBGE.

Segundo Cláudia Moreno, economista do C6 Bank, a redução de tributos sobre os combustíveis foi responsável por quase três pontos percentuais da queda da inflação brasileira.

Mas, mesmo assim, a inflação continua forte em itens como bens duráveis, com uma variação de 11,03% nos 12 meses encerrados em janeiro, e de semiduráveis, com 14,74%. A inflação de serviços também não dá sinais de recuo. Desde maio, ela tem rodado acima de 7,5% ao ano.

As expectativas são de que os preços dos combustíveis voltem a pressionar os índices de inflação. O motivo é o fim da desoneração de tributos federais, como o PIS/Cofins.

Incerteza fiscal tem empurrado para cima as expectativas de inflação
Outro problema que dificulta a redução do juro no curto prazo é a incerteza fiscal. Ela vem sendo apontada como principal explicação para o aumento nas expectativas de inflação.

“Sem uma regra fiscal clara, o endividamento público tende a aumentar. É preciso mostrar que a trajetória da dívida pública vai ser sustentável”, diz Moreno, do C6 Bank. Assim, é possível evitar um juro real mais alto, que inibe o crescimento da economia e gera uma grande pressão sobre o custo sobre o endividamento.

Uma dificuldade adicional, apontam economistas ouvidos pela Gazeta do Povo, é que a incerteza fiscal dificulta o cumprimento da meta da inflação.

“Há um risco claro de perda de credibilidade do Banco Central na luta contra a inflação”, alerta Moreno. Nos últimos dois anos, a meta de inflação não foi cumprida pela autoridade monetária.

A economista explica que os impactos de alterar a meta – um desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – são muito grandes. O principal problema seria a desancoragem das expectativas de inflação: “Em um primeiro momento teríamos um juro real mais baixo, impulso para o PIB e o emprego e uma melhora fiscal. Mas tudo isto seria compensado, no longo prazo, por uma inflação mais elevada”.

Vale, da MB Associados, ressalta que outro problema que favorece a incerteza fiscal no Brasil é a alta frequência de mudanças nas regras de controle do endividamento público.

O teto de gastos, implantando em 2017, durante o governo Michel Temer, deve dar espaço a um novo arcabouço fiscal, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete anunciar em março. Mas as novas regras ainda não estão claras.

“O Brasil quebra muito as regras fiscais. O Chile, por exemplo, tem uma mesma regra há 22 anos”, destaca o economista.

Brasil paga prêmio de risco mais elevado para atrair recursos e conter taxa de câmbio
Incertezas sobre a economia também fazem com que o investidor estrangeiro exija um prêmio de risco mais elevado para poder aceitar aplicar seus recursos no país, diz a economista-chefe para a América Latina da seguradora de crédito Coface, Patrícia Krause.

“Sem esse prêmio de risco, menos dinheiro entraria no país, o que causaria pressões sobre o câmbio”, diz ela. Uma alta muito acentuada na cotação do dólar empurraria para cima preços de mercadorias importadas, de produtos com componentes estrangeiros e das commodities, cotadas em moeda estrangeira.

Dois indicadores que medem esse prêmio de risco são o EMBI+, calculado pelo banco americano JP Morgan, e o CDS de 5 anos, uma garantia contra possíveis calotes de pagamentos de títulos públicos e privados e que está associado ao cenário de perspectivas fiscais e incertezas político-econômicas.

Nos últimos cinco anos, o CDS tem registrado fortes oscilações, tendo passado de 161,53 pontos, em 1.° de março de 2018, para 229,15 pontos, no último dia 27 de janeiro. O indicador chegou a 300 pontos nas campanhas eleitorais de 2018 e 2022 e durante a crise da pandemia da Covid-19, em abril de 2020.

Situação similar é registrada pelo EMBI+, que mede a diferença entre a taxa de retorno de títulos de países emergentes, como o Brasil, e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. No dia 22, esse diferencial era de 256 pontos, praticamente estável em relação ao início do ano.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/por-que-brasil-paga-mais-juros-paises-inflacao-maior/
Copyright © 2023, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.

Loading

By valeon